RESUMO:
À luz dos conceitos de modernidade, pré-modernidade, cultura híbrida, arte culta e arte popular, esse trabalho analisa as relações entre Nacib e Gabriela, no romance de Jorge Amado, como um processo de hibridização cultural. As relações entre esses dois personagens se modificam de trabalhistas para matrimoniais e evoluem para uma forma híbrida, complexa e contraditória. Manifestações folclóricas e de arte popular, ligadas aos grupos subalternos, se opõem, inicilamente, à arte culta e aos eventos sociais da classes hegemônicas, para depois se misturarem, no meio da rua, num processo de hibridização cultural.
PALAVRAS-CHAVE:
Modernidade. Pré-modernidade. Culturas híbridas.
O objetivo desse trabalho é analisar a relação entre os personagens Nacib e Gabriela, no romance de Jorge Amado, enquanto representação da relação entre modernidade e pré-modernidade, respectivamente.
A modernidade envolve quatro movimentos básicos: "um projeto emancipador, um projeto expansionista, um projeto renovador e um projeto democratizador" (CANCLINI, 2000, p. 31-2).
O projeto emancipador significa a secularização dos campos culturais, com práticas simbólicas auto-reguladas, desenvolvidas em mercados autônomos. Desse modo, verifica-se a racionalização da vida social e a afirmação do individualismo, principalmente nos grandes centros urbanos.
O projeto expansionista é a tendência constante da modernidade em ampliar o conhecimento e o domínio da natureza, a serviço da produção e circulação dos bens de consumo.
O projeto renovador, por um lado, busca o aperfeiçoamento e inovação constante nas relações com a natureza e com a sociedade; e de outro, a reformulação contínua dos signos de distinção, desgastados pela sociedade de consumo.
O projeto democratizador é a confiança da modernidade na educação, na difusão da arte e na divulgação dos saberes especializados para se chegar a uma evolução racional e moral. No entanto, esses quatro projetos, ao se desenvolverem, entram em conflito: a modernização econô-mica, política e tecnológica, ligada ao projeto emancipador, leva a uma configuração social que subordina as forças renovadoras e experimentais da produção simbólica, ligadas ao projeto renovador.
Nessa perspectiva, a modernidade não extingue a cultura popular nem o folclore mas os transforma, diminuindo seu papel no conjunto do mercado simbólico. (CANCLINI, 2000, p. 22). Essa transformação dos mercados simbólicos em parte radicaliza o projeto moderno e, de certo modo, leva a uma situação pós-moderna, enquanto ruptura com o anterior. (SANTAELLA, 1992, p. 23) A pós-modernidade é entendida aqui exatamente como a ruptura com a pretensão moderna de extinguir os tempos históricos anteriores, incluindo o folclore, o popular e o tradicional, passando a estabelecer com estes novas relações.
Assim, a América Latina é vista hoje "como uma articulação mais complexa de tradições e modernidades (diversas, desiguais), um continente heterogêneo formado por países onde, em cada um, coexistem múltiplas lógicas de desenvolvimento" (CANCLINI, 2000, p.28). Tal visão nos leva à concepção de uma cultura híbrida na América Latina, com a sedimentação, justaposição e o entrecruzamento de tradições indígenas, do colonialismo ibérico católico e das ações políticas, educativas e comunicacionais modernas: "Apesar das tentativas de dar à cultura de elite um perfil moderno, encarcerando o indígena e o colonial em setores populares, uma mestiçagem interclassista gerou formações híbridas em todos os estratos sociais" (CANCLINI, 2000, p. 73).
Nessa heterogeneidade multitemporal, Grabiela, no romance de Jorge Amado, pode ser vista como representando o pré-moderno e Nacib, a modernidade capitalista. A relação inicial entre esses dois personagens é de trabalho: Nacib lhe propõe uma relação assalariada capitalista, mas ela permanece numa relação de produção pré-capitalista:
– Se você sabe mesmo cozinhar, lhe faço um ordenado. Cinqüenta milréis por mês. Aqui pagam vinte, trinta é o mais. Se o serviço lhe parecer pesado, pode arranjar uma menina para lhe ajudar. A velha Filomena não queria nenhuma, nunca aceitou. Dizia que não estava morrendo para precisar ajudante.
– Também não preciso.
– E o ordenado? Que me diz?
– O que o moço quiser pagar, tá bom pra mim.. (AMADO, 2002, p. 127)
Depois, Gabriela já trabalhando para Nacib, a vizinha, dona Arminda, tenta lhe chamar a atenção para as possibilidades que tem de conseguir mais dinheiro do patrão:
– Até me piquei...Você é mais tola do que eu pensava. Seu Nacib podendo lhe dar de um tudo... Tá rico, seu Nacib! Se pedir seda, ele dá; se pedir moleca pra ajudar no trabalho, ele contrata logo duas; se pedir dinheiro, é o dinheiro que quiser, ele dá.
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