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O que é, então, o Estado para Weber? Para Weber, o Estado é uma comunidade humana que busca dentro de um determinado território, possuir o monopólio do uso legítimo da força física. Embora o uso da força física tenha existido no passado por várias instituições, na sociedade moderna o Estado visa monopolizar tal uso e isto dentro de um território delimitado e assim ele se torna a única fonte do direito de usar a violência.
Assume grande importância no conjunto da obra deste autor sobre a questão da política e do poder a idéia relativa ao mando e à obediência. A relação entre mando e obediência pode ser concebida sob duas formas: como poder e como dominação. A dominação é a manifestação concreta do poder, sendo que este pode ser definido como a possibilidade de um indivíduo fazer valer no interior de uma relação social a sua vontade, mesmo passando por cima das resistências, e a dominação pode ser considerada a possibilidade de pessoas que estejam dispostas a obedecer as ordens que lhes são dadas. O poder e a dominação estão presentes em todas as relações sociais mas só se tornam política quando a vontade do agente se orienta significativamente em função de um agrupamento territorial que tem como fim a ser realizado através da própria existência deste grupo. Para Weber,
A dominação, ou seja, a probabilidade de encontrar obediência a um determinado mandato, pode fundar-se em diversos motivos de submissão. Pode depender diretamente de uma constelação de interesses, ou seja, de considerações utilitárias de vantagens e inconvenientes por parte daquele que obedece. Pode também depender de mero "costume", do hábito cego de um comportamento inveterado. Ou pode fundar-se, finalmente, no puro afeto, na mera inclinação pessoal do súdito. Não obstante, a dominação que repousasse apenas nesses fundamentos seria relativamente instável. Nas relações entre dominantes e dominados, por outro lado, a dominação costuma apoiar-se internamente em bases jurídicas, nas quais se funda a sua "legitimidade", e o abalo dessa crença na legitimidade costuma acarretar conseqüências de grande alcance. Em forma totalmente pura, as "bases da legitimidade" da dominação são somente três, cada uma das quais se acha entrelaçada — no tipo puro — com uma estrutura sociológica fundamentalmente diversa dos quadros dos meios administrativos (Weber, 1971: 128).
Assim Weber cria uma tipologia em que classifica os três tipos puros de dominação legítima. Tal tipologia é apenas um recurso usado pelo cientista para abordar a inesgotável realidade social. Recurso este que possibilita ao investigador uma melhor compreensão do motivo da ação social.
Segundo Hirst, o esforço de Weber não está no fato de fornecer uma "teoria geral do Estado", mas em criar um instrumento que dê conta de explicar parte da realidade. Assim sendo, Hirst coloca que:
As duas formulações de Weber dos três tipos de dominação legítima, em Economy and Society, não constituem uma tentativa de fornecer uma rigorosa teoria geral do estado, das suas variantes e das condições de governo político. Weber é muito explícito quanto a isso. Sua concepção desses tipos não é diferente das outras categorias de Economy and Society. Eles são formas ideais-típicas abstratas que podem ser úteis ao investigador empírico. As categorias de ação política de Weber não são uma teoria, uma estrutura lógica de conceitos que seleciona um objeto para se explicado e que fornece um mecanismo para a explicação desse objeto, essas categorias são, antes, instrumentos que o investigador empírico pode considerar mais ou menos úteis: "A utilidade das classificações acima só pode ser julgada pelos seus resultados como promotoras de uma análise sistemática"(...). O modo de usar e combinar os tipos é decidido pelo investigador empírico (Hirst, 1977: 85).
Weber, a partir da construção do tipo ideal, ressalta as características dos três tipos básicos de dominação legítima. Para ele, há a dominação racional-legal, que tem por fundamento o cumprimento da lei, prescritos por regras estatuídas. A forma mais pura deste tipo de dominação é a burocracia. Esta se caracteriza por uma impessoalidade nas relações, por uma crescente especialização, pela disciplina, pela tendência ao nivelamento, pela plutocratização e por uma crescente racionalização dos quadros e meios administrativos.
Apesar da burocracia não ser a única forma de dominação legal, Weber diz que é o "tipo tecnicamente mais puro":
A burocracia constitui o tipo tecnicamente mais puro da dominação legal. Nenhuma dominação, todavia é exclusivamente burocrática, já que nenhuma é exercida unicamente por funcionários contratados. Isso é totalmente impossível. Com efeito, os cargos mais altos das associações políticas ou são "monarcas" (...) ou são "presidentes" eleitos pelo povo (...) ou são eleitos por um colegiado parlamentar cujo senhores de fato não são propriamente os seus membros mas os chefes, seja carismáticos, seja de caráter dignatários (...), dos partidos majoritários. Tampouco é possível encontrar um quadro administrativo que seja de fato puramente burocrático (Weber, 1986: 30).
Com isso Weber demonstra que os tipos de dominação legítima raramente são encontrados em estado puro na realidade. Eles se apresentam mesclados, pois são tipos ideais.
Outro tipo de dominação é a tradicional e se baseia na crença que valida o poder exercido por um chefe. Seu tipo mais puro é a dominação patriarcal.
No caso do domínio tradicional, a autoridade não pertence a um superior escolhido pelos habitantes do país, mas sim a um homem que é chamado ao poder em virtude de um costume (primogenitura, o mais antigo de uma família, etc.). Ele reina, pois, a título pessoal de sorte que a obediência se dirige à sua pessoa e se torna um ato de piedade. Os governados não são cidadãos, mas sim pares (no caso da gerontocracia) ou súditos, que não obedecem a uma norma impessoal mas sim a uma tradição, ou a ordens legitimada em virtude do privilégio tradicional do soberano (Freund,1987: 168).
Na dominação tradicional, ao contrário do racional-legal, falta a administração qualquer tipo de controle previamente definido, os quadros são compostos de forma não especializada e sua hierarquia não possui racionalidade, visto que não precisa promoção de cargos e muito menos uma promoção financeira. Os membros do quadro administrativo são pares do "soberano" e quase sempre estão intima-mente ligados a ele.
A dominação carismática se baseia na crença "cega" a um líder, que se acredita possuir poderes "sobrenaturais". Este tipo de dominação tem por característica a capacidade de superar a vida cotidiana, pois despreza a autoridade revertendo a ordem constituída desta por meio da dominação exercida pela líder carismático. Sua base está no fato deste líder acreditar estar a serviço de uma missão. Para concretizar sua missão o líder precisa da confiança, da fé cega e fanática de seus seguidores. A dominação carismática se fundamenta na emoção, não possui nada de racional. Suas formas em política podem ser a do demagogo, do ditador, do herói militar ou do revolucionário. Como se constitui o quadro administrativo sujeito a uma dominação carismática? Para Weber:
O quadro administrativo é escolhido segundo o carisma e vocação pessoais, e não devido à sua qualificação profissional (como o funcionário), à sua posição (como no quadro administrativo estamental) ou à sua dependência pessoal, de caráter doméstico ou outro (como é o caso do quadro administrativo patriarcal). Falta aqui o conceito racional de "competência", assim como o estamental de "privilégio". São exclusivamente determinantes da extensão da legitimidade do sequaz designado ou do apóstolo a missão do senhor e sua qualificação carismática pessoal (Weber, 1986: 135).
Weber acrescenta que a dominação carismática não esta sujeita às regras estatuídas e tradicionais. Portanto, a irracionalidade é a sua marca.
A dominação racional-legal tem como tipo mais puro, tal como já colocamos, a burocracia. Weber vai analisar o desenvolvimento da burocratização do mundo moderno, que caminha junto com a racionalização, em todas as esferas da vida social. O Estado moderno ao concentrar em suas mãos os meios de administração (Weber, 1971; Weber, 1993), juntamente com a formação da empresa moderna, lança as bases da burocratização da esfera política e isto é reforçado com a expansão da burocratização para a democracia moderna e surgem outras instituições burocratizadas. O socialismo, na versão conhecida por Weber (a social-democracia alemã) ao propor a estatização dos meios de produção tende a reforçar este processo de burocratização ao invés de aboli-lo[1]Assim, cria-se um processo de "desencantamento do mundo", onde a racionalização e a burocratização invadem o mundo moderno.
Esta discussão é fundamental para se compreender a tipologia weberiana da educação. Para Weber, existem três tipos fundamentais de educação: a) o tipo carismático, b) o tipo tradicional, e c) o tipo burocrático. Weber apresenta a finalidade de cada um tipo de educação.
O tipo de educação carismática visa "despertar o carisma", ou seja, "qualidades heróicas ou dons mágicos" (Weber, 1971: 482). Este tipo de educação corresponde ao tipo de dominação carismática (e, sendo assim, está ligado à ação social afetiva, predominante em sociedades pré-capitalistas). Ela é voltada para heróis e feiticeiros e busca fazer o "noviço adquirir uma nova alma", despertando um "dom de graça exclusivamente pessoal".
O tipo de educação tradicional, ou do "cultivo", visa educar "um tipo de homem culto", cuja natureza é dependente do ideal de cultura do respectivo estamento ao qual se pertence. Visa preparar o aluno para "uma conduta de vida" que pode ser religiosa ou mundana, mas sendo uma "conduta de estamento".
O terceiro tipo é o racional-burocrático, voltado para o treinamento e transmissão do conhecimento especializado e corresponde ao tipo de dominação burocrático. Ela busca treinar os alunos para finalidades práticas, visando treinar o aluno para "finalidades práticas úteis à administração", tanto na organização das autoridades públicas, quanto nos escritórios, oficinas, laboratórios industriais, exércitos displinados (Weber, 1971: 482).
Weber, ao relacionar os tipos de educação com os tipos de dominação legítima, deixa claro que a educação carismática e tradicional são comuns nas sociedades pré-capitalistas e a educação burocrática é a comum na sociedade capitalista. A educação confunciana dos letrados chineses é, na abordagem weberiana, uma educação tradicional e estamental[2]e se diferencia da educação burocrática da sociedade moderna. Weber analisa alguns casos de educação carismática (na Índia) e tradicional (na China) mas é na sociedade capitalista que a educação se desvincula do seu caráter carismático e tradicional e surge como processo cada vez mais racional, especializado e burocrático. Iremos focalizar, a partir de agora, a educação burocrática, que é a forma vigente na sociedade moderna, segundo Weber e é a forma na qual ele forneceu maior subsídios para analisá-la.
Daí ser interessante retomar a discussão weberiana sobre burocracia e sua relação com a educação. Weber afirma que a burocracia moderna funciona através de: a) distribuição de forma fixa, e como deveres oficiais, das atividades regulares necessárias para os objetivos da organização burocrática; b) a autoridade de dar ordens para executar estes deveres é distribuída estavelmente e rigorosamente delimitada por normas ligadas aos meios colocados ao dispor dos funcionários e autoridades; c) existem "medidas metódicas" para a realização regular e permanente de tais deveres e execução dos direitos correspondentes, sendo que somente pessoas qualificadas tal como exigido em um regulamento geral podem ser empregadas.
Este último item que na abordagem weberiana caracteriza o funcionamento da burocracia moderna nos remete diretamente ao problema educacional. A "qualificação" é necessária para a pessoa vir a ser empregada. A burocracia moderna, segundo Weber, é uma característica do capitalismo moderno, sendo mais uma exceção histórica do que a regra, pois nas sociedades pré-capitalistas, a formação burocrática não possuía esta racionalidade. Esta burocracia moderna se caracteriza pela hierarquia, pelos documentos escritos como base da administração de um cargo, pela exigência de treinamento especializado e completo, a plena capacidade de trabalho do funcionário, pela existência de regras gerais assimilados através de aprendizado técnico especial. Aqui temos algumas características da burocracia que remetem imediatamente ao processo educacional, além daquelas que pressupõe rudimentos educacionais, como, por exemplo, o fato da burocracia se fundamentar em documentos escritos, o que pressupõe o domínio da língua escrita. A exigência de treinamento especializado e a aprendizagem:
A administração burocrática, pelo menos toda a administração especializada – que é caracteristicamente moderna – pressupõe habitualmente um treinamento especializado e completo" (Weber, 1971: 231). "O desempenho do cargo segue regras gerais, mais ou menos estáveis, mais ou menos exaustivas, e que podem ser aprendidas. O conhecimento dessas regras representa um aprendizado técnico especial, a que se submetem esses funcionários (Weber, 1971: 231).
Assim, a organização burocrática requer treinamento especializado. Weber aborda a posição do funcionário no interior desta organização e a importância da educação especializada. Para o funcionário, a ocupação de um cargo é uma "profissão". Isto se revela através da exigência de um treinamento rígido e dos exames especiais, pré-requisitos para o emprego (Weber, 1971).
A posição do funcionário na estrutura hierárquica é mais elevada se ele é portador de diplomas educacionais e os funcionários que possuem tal posição são geralmente recrutados nas camadas privilegiadas, pois são estes que podem arcar com os altos custos do treinamento. Segundo Weber, "naturalmente, essas certidões ou diplomas fortalecem o "elemento estamental" na posição social do funcionário" (Weber, 1971: 233). A importância da posição do funcionário pode ser observada não apenas no status de quem se encontra acima na hierarquia, mas também nos seus rendimentos que é derivado de tal posição, já que o salário é medido de acordo com o tipo de função, ligada ao grau hierárquico. A mobilidade no interior da hierarquia burocrática ocorre via sistemas de exames e diplomas educacionais.
Segundo Weber, a burocracia provoca um modo de vida racionalista e isto acaba influindo na natureza do treinamento e da educação. A sociedade moderna, na abordagem weberiana, é marcada por um processo de crescente racionalização e burocratização. A racionalização provoca o processo de especialização e torna a calculabilidade dos fatores técnicos um elemento predominante. A figura do especialista assume fundamental importância:
Quanto mais complicada e especializada se torna a cultura moderna, tanto mais seu aparato de apoio externo exige o perito despersonalizado e rigorosamente "objetivo", em lugar do mestre das velhas estruturas sociais, que era movido pela simpatia e preferência pessoais, pela graça e pela gratidão (Weber, 1971: 251).
Este processo de burocratização e racionalização da sociedade moderna atinge o conjunto das relações sociais e instituições. O processo de especialização transforma todas as atividades humanas em atividades especializadas. A formação especializada se torna uma necessidade. Este processo de burocratização e racionalização atinge o processo educacional, de pesquisa e a própria ciência. Weber cita o caso da burocratização dos institutos de pesquisa das universidades, que, segundo ele, é provocada pela "crescente procura de meios materiais de controle", pois os laboratórios promovem, com a concentração dos seus meios materiais no chefe do instituto, a separação dos pesquisadores e docentes de seus meios de produção (Weber, 1971: 260). Assim, ocorre um processo de racionalização da educação e do treinamento e isto vai reforçar a necessidade do sistema de exames e dos diplomas educacionais.
As instituições educacionais do continente europeu, especialmente as de instrução superior – as universidades, bem como as academias técnicas, escolas de comércio, ginásios e outras escolas de ensino médio – são dominadas e influenciadas pela necessidade de tipo de "educação" que produz um sistema de exames especiais e a especialização que é, cada vez mais, indispensável à burocracia moderna (Weber, 1971: 277).
A burocracia moderna, a partir de seu desenvolvimento pleno, coloca em primeiro lugar o sistema de exames racionais, especializados. Este processo de burocratização traz junto com sua exigência de técnicos, funcionários, todos especializados, a generalização do sistema de exames pelo mundo todo. Isto é reforçado pelo estímulo do "prestígio social dos títulos educacionais", conquistado através do sistema de exames. Isto produz também uma "camada privilegiada":
O desenvolvimento do diploma universitário, das escolas de comércio e engenharia, e o clamor universal pela criação dos certificados educacionais em todos os campos leva à formação de uma camada privilegiada nos escritórios e repartições. Esses certificados apóiam as pretensões de seus portadores, de intermatrimônios com famílias notáveis (...), as pretensões de serem admitidos em círculos que seguem "códigos de honra", pretensões de remuneração "respeitável" ao invés da remuneração pelo trabalho realizado, pretensões de progresso garantido e pensões na velhice, e, acima de tudo, pretensões de monopolizar cargos social e economicamente vantajosos (Weber, 1971: 279).
O prestígio social baseado na educação e treinamento não é específico da burocracia moderna, pois nas sociedades pré-capitalistas este processo já existia, embora a educação visasse outro tipo de formação, tal como na educação tradicional que buscava formar o "homem culto", não especialista. Por isso hoje há uma luta dos especialistas contra a educação tradicional e isto é provocado pela expansão do processo de burocratização que aumenta a importância dos peritos e do conhecimento especializado.
Weber complementa sua concepção de educação burocrática através de sua análise do ensino superior na Alemanha. Através de suas obras, A Ciência Como Vocação e O Sentido da Neutralidade Axiológica em Ciências Humanas e Econômicas (Weber, 1989), ele expõe seu ponto de vista pessoal sobre problemas existentes nas universidades alemãs, polemizando contra representantes de universidades e do governo, bem como postulando o papel do intelectual no ensino superior. Ele reproduz suas concepções científico-metodológicas da neutralidade enquanto papel do professor na sala de aula, bem como enfatiza a questão dos critérios acadêmico-científicos para o processo de ingresso dos professores numa universidade. Também realiza uma forte crítica à interferência do Estado neste processo, bem como os critérios que muitas vezes são utilizados para a aceitação de professores nas universidades alemãs. Assim, defende o ingresso de judeus, socialistas e anarquistas na universidade, e condena que a posição religiosa ou política seja motivo de exclusão da docência universitária. Argumenta, por exemplo, que a postura de um conservador contra o ingresso de um anarquista no curso de direito, já que um anarquista, por princípio, nega o direito e as leis, é equivocada, já que por partir de outros princípios pode levantar questões que normalmente não seriam levantadas e daí ser útil sua entrada numa universidade. Obviamente que toda esta discussão está inserida num contexto histórico preciso, que é o da sociedade alemã de sua época, marcada por um estado autoritário e intervencionista, o da época de Bismarck, e apesar de ter alguns elementos de sua análise sociológica, está mais ligada a suas posições político-ideológicas do que sua "sociologia da educação".
Enfim, sua análise da educação na sociedade moderna é diretamente derivada de sua tese da burocracia e do processo de racionalização que acompanha o capitalismo moderno. A educação burocrática e seu conjunto de procedimentos burocráticos são expressão parcial de um processo global, que é o da racionalização ocidental que acompanha a sociedade capitalista.
A abordagem weberiana da educação burocrática, bem como sua tipologia da educação traz elementos que contribuem para a compreensão do fenômeno educacional mas ao mesmo tempo apresenta limites derivados de sua metodologia e de seus valores e posicionamento político-ideológico. A sua tipologia da educação traz o grave problema de privilegiar o empírico e não compreender a totalidade das relações sociais, criando tipos que apresentam similaridades mas que se tornam anacrônicos do ponto de vista histórico. Os tipos ideais são instrumentos utilizados pelos sociólogos para analisar o mundo inesgotável da realidade, sendo criações unilaterais e não existentes, ou raramente existentes, na realidade. Assim, o tipo ideal da burocracia, um dos mais importantes da sociologia weberiana, é uma produção intelectual utilizada para se analisar a realidade social e histórica. Assim, Weber pode ver burocracia em todas as sociedades e por isso ele deve criar as idéias complementares de burocracia patrimonial (pré-capitalista) e racional (capitalista). Da mesma forma, ele vários "tipos de capitalismo", além do capitalismo racional da época moderna. Weber não percebe que o capitalismo é uma totalidade social e não pode ser compreendida através da "acentuação unilateral" de seu tipo ideal, que isola e seleciona aspectos que, posteriormente, pode ser encontrado em outras sociedades. Daí ele sempre abordar o "tipo puro" de burocracia, capitalismo, etc. Na verdade, esta metodologia leva ao anacronismo e aos adjetivos complementares. Esta é a origem da confusão terminológica weberiana.
Os tipos de educação de Weber são insuficientes e derivados de sua tipologia da dominação legítima e da ação social. Porém, não cabe uma crítica geral da metodologia weberiana e nem de sua tipologia da ação social e dominação legítima, mas tão-somente ressaltar as insuficiências de sua tipologia educacional. O próprio Weber reconhece que sua tipologia é reducionista, que não dá conta da realidade, mais complexa do que seus tipos ideais. Assim, quando trata dos letrados chineses e os tipos de educação, reconhece que, na realidade empírica, seus tipos ideais não são "puros":
Historicamente, os dois pólos opostos no campo das finalidades educacionais são: despertar o carisma, isto é, qualidades heróicas ou dons mágicos; e transmitir o conhecimento especializado. O primeiro tipo corresponde à estrutura carismática de domínio; o segundo corresponde à estrutura (moderna) de domínio, racional e burocrático. Os dois tipos não se opõem, sem ter conexões ou transições entre si. O herói guerreiro ou o mágico também necessita de treinamento especial, e o funcionário especializado em geral não é preparado exclusivamente para o conhecimento. São porém pólos opostos dos tipos de educação e formam os contrastes mais radicais (Weber, 1971: 482).
Na verdade, a tese weberiana de que a realidade é inesgotável e que por isso não se pode abarcá-la com os conceitos é apenas a justificativa para a sua criação de tipos ideais, que promove um empobrecimento da análise da realidade social, pois ao invés de reconstituir a realidade no pensamento, como propõe Marx (1983), ele cria "modelos imaginários" (Freund, 1987) e os aplica à realidade. Estes modelos imaginários, ideais-típicos, são inspirados pela realidade, mas através do seu isolamento que produz características gerais que abandonam a percepção da totalidade social. É por isso que Weber não compreende que não existem "tipos de capitalismo" mas tão-somente um capitalismo. Ele confunde aspectos característicos secundários do capitalismo com o capitalismo, devido sua tipologia de capitalismo que enfatiza as relações de mercado, encontradas em sociedades pré-capitalistas. Isto também promove suas intermináveis comparações (entre tipos de capitalismo, burocracia, educação, etc.) e suas constantes ressalvas relativas às "conexões", "transições", "numerosas combinações", "elos intermediários". Isto provoca, também, sua incompreensão de diversos fenômenos, tal como a educação burocrática, tal como abordaremos a seguir.
A educação burocrática é apontada por Weber como produto do progresso técnico e da racionalização da sociedade moderna. Porém, Weber pensa este processo de forma equivocada. O seu tipo ideal de burocracia é, na verdade, a burocracia assalariada do capitalismo. Esta seria, na equivocada abordagem weberiana, o tipo puro de burocracia. É isso que permite ele afirmar o seguinte:
"Toda forma de atribuição de usufrutos, tributos e serviços devidos ao senhor pessoalmente, ou ao funcionário para a exploração pessoal, significa sempre uma derrota do tipo puro de organização burocrática" (Weber, 1971: 241).
Ora, nas sociedades pré-capitalistas, a burocracia possui sua especificidade e "seu tipo puro", mas este só pode ser compreendido através da análise da totalidade destas sociedades. No caso chinês, por exemplo, a burocracia tributária não pode se caracterizar pelo assalariamento, pois é no capitalismo que a forma de exploração assume o caráter de trabalho assalariado e isto se torna a forma dominante de remuneração nesta sociedade. Nas sociedades tributárias, a forma de retribuição é diferenciada e é isto que explica as prebendas dos letrados chineses, tal como descrito por Weber. Assim, Weber analisa a burocracia de forma a-histórica e anacrônica. Ele cria, assim, uma teleologia que compreende a realidade empírica précapitalista culminando com os seus tipos puros (de capitalismo, de racionalismo, de burocracia...) extraídos da sociedade moderna.
Isto se encontra em sua análise da burocracia. Weber afirma que a natureza específica da burocracia plenamente desenvolvida é "bem recebida pelo capitalismo" e que se desenvolve mais perfeitamente quando é "desumanizada", eliminando dos negócios os sentimentos (amor, ódio, etc.) que fogem ao cálculo (Weber, 1971: 251). Weber comete aqui vários equívocos: a natureza específica da "burocracia plenamente desenvolvida" – na verdade a burocracia moderna, que corresponde ao "tipo ideal" weberiano, em sua concepção teleológica... – não é "bem recebida pelo capitalismo" e sim produzida pelo capitalismo. É o modo de produção capitalista e suas especificidades que gera a burocracia moderna e suas características, inclusive a "desumanização", isto é, o afastamento dos sentimentos. O processo de "racionalização" e o predomínio do "cálculo" são produtos do desenvolvimento capitalista, sendo mais expressão do processo de mercantilização e predomínio da moeda e da abstratificação que ela transmite. Tal como colocaram Marx e Engels:
Onde quer que tenha conquistado o poder, a burguesia jogou por terra as relações feudais, patriarcais, idílicas. Despedaçou sem piedade todos os complexos e variados laços que prendiam o homem feudal a seus "superiores naturais", para só deixar subsistir, entre um homem e outro, o laço frio do interesse, as duras exigências do "pagamento à vista". Afogou os fervores sagrados do êxtase religioso, do entusiasmo cavalheiresco, do sentimentalismo pequeno-burguês, nas águas geladas do calculo egoísta. Fez da dignidade pessoal um simples valor de troca; substituiu as numerosas liberdades, conquistadas com tanto esforço, pela única e implacável liberdade de comércio. Em uma palavra, em lugar da exploração velada por ilusões religiosas e políticas, colocou uma exploração aberta, cínica, direta e brutal. A burguesia despojou de sua auréola todas as atividades até então consideradas veneráveis e encaradas com piedoso respeito. Fez do médico, do jurista, do sacerdote, do poeta e do sábio seus servidores assalariados. A burguesia rasgou o véu de sentimentalismo que envolvia as relações de família e reduziu-as a simples relações monetárias (Marx & Engels, 1987: 7879).
Aqui temos, em um curto parágrafo, as raízes da racionalização e burocratização analisadas por Weber. A calculabilidade, elemento enfatizado por Weber, é produto da expansão da mercantilização. Esta é a fonte do que Weber denominou "desencantamento do mundo". Mas além disso, a expansão da divisão social do trabalho capitalista que não só cria diversas camadas profissionais especializadas como cria novas e as subordina ao assalariamento, tal como o caso da burocracia. Mas além disso tudo vemos, neste pequeno trecho, que este processo não é aleatório, ele está ligado a um processo social de mudanças históricas que promovem a hegemonia burguesa e predomínio dos interesses capitalistas, e sua finalidade é a realização e reprodução da exploração.
O que tem tudo isto a ver com a educação burocrática, tal como analisada por Weber? A educação burocrática reproduz todas as características de todas as organizações burocráticas e, por conseguinte, sua razão de ser é da mesma natureza. E como Weber concebe a razão de ser da burocracia? Vejamos o que ele diz:
"A razão decisiva para o progresso da organização burocrática foi sempre a superioridade puramente técnica sobre qualquer outra forma de organização. O mecanismo burocrático plenamente desenvolvido compara-se às outras organizações exatamente da mesma forma pela qual a máquina se compara aos modos não-mecânicos de produção" (Weber, 1971: 249).
Assim, a "superioridade puramente técnica" também seria a razão da educação burocrática. Tal tese, entretanto, não se sustenta. O próprio Weber fornece elementos para se repensar tal tese quando aborda a questão do controle e dos interesses formados na organização burocrática. Os funcionários lutam por seus próprios interesses, tais como garantias contra afastamento arbitrário do cargo, segurança na velhice, salário de acordo com a hierarquia, etc. Weber também aponta, embora não retire disto todas as suas conseqüências, que a burocratização "beneficiaram freqüentemente os interesses do capitalismo" e cita a aliança entre ela e os interesses capitalistas (Weber, 1971). No entanto, ele se limita as estas constatações e não retira todas as conseqüências dela, inclusive a percepção de que a burocratização é um processo que busca se autonomizar e os burocratas buscam defender seus próprios interesses, mas no fundo serve aos propósitos de reprodução do capitalismo. Esta percepção, presente em Marx (Viana, 2004) e ausente em Weber, marca a diferença da percepção da educação burocrática em ambos os autores. Para Weber, a burocracia é uma questão técnica enquanto que para Marx é política, isto é, está envolta na luta de classes. No entanto, a técnica não é neutra, ela é manifestação de valores e interesses e serve a determinados propósitos (Viana, 2002).
Assim, análise weberiana da educação burocrática é importante na medida em que descreve os procedimentos burocráticos e o processo de burocratização da educação na sociedade moderna, mas é falha e limitada na análise realizada sobre sua razão de ser, devido aos valores de Max Weber, que não supera o universo intelectual burguês e assim não supera os "limites intransponíveis da consciência burguesa" (Marx, 1988).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FREUND, Julien. A Sociologia de Weber. 4a edição, Rio de Janeiro, Forense, 1987.
HIRST, Paul. Evolução Social e Categorias Sociológicas. Rio de Janeiro, Zahar, 1977.
WEBER, Max. Ensaios de Sociologia. 2a edição, Rio de Janeiro, Zahar, 1971.
WEBER, Max. Socialismo. In: DURKHEIM, Emile & WEBER, Max. Socialismo. Rio de Janeiro, Relume Dumará, 1993.
WEBER. Max. Os Três Tipos Puros de Dominação Legítima. In: Cohn, Gabriel. Weber. São Paulo, Ática, 1986.
MARX, Karl. A Miséria da Filosofia. 2ª edição, São Paulo, Global, 1989.
MARX, Karl. A Guerra Civil na França. 2ª ed. São Paulo, Global, 1986.
MARX, Karl. O Capital. Vol. 1. 3a edição, São Paulo, Nova Cultural, 1988.MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. 7ª edição, São Paulo, Global, 1988.
MARX, Karl. Contribuição à Crítica da Economia Política. 2ª edição, São Paulo, Martins Fontes, 1983.
VIANA, Nildo. Marx e a Educação. Estudos – Revista da Universidade Católica de Goiás. Vol. 31, n.º 3, março de 2004.
VIANA, Nildo. A Questão dos Valores. Cultura e Liberdade. Ano 2, n.º 02, Abril de 2002.
Autor:
Nildo Viana
nildoviana[arroba]terra.com.br
Graduado em Ciências Sociais; Especialista em Filosofia; Mestre em Filosofia; Mestre em Sociologia; Doutor em Sociologia pela UnB; Professor da Universidade Estadual de Goiás.
[1] Weber desconhece a reformulação do pensamento de Marx, que passou a propor o "autogoverno dos produtores" e a abolição do estado após a experiência da Comuna de Paris (Marx, 1986) e outras propostas socialistas que excluem a idéia de estatização dos meios de produção. Isto se deve ao fato dele tomar como "modelo de socialismo" a social-democracia alemã e sua interpretação do pensamento de Karl Marx.
[2] é preciso deixar claro aqui a concepção weberiana de que as sociedades pré-capitalistas são estamentais e não "classistas". Obviamente que a posição weberiana é questionável, inclusive sua análise dos letrados chineses que é desvinculada de outras relações sociais, devido sua metodologia típico-ideal, e por isso não percebe as raízes deste agrupamento social nas características do modo de produção tributário (aliás, ele constantemente fala de "feudalismo" na China, concebendo por esta expressão a mera propriedade territorial).
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