Sociedade, Faixa Etária e Idade Penal

Enviado por Nildo Viana


Pretendemos, no presente texto, discutir a questão da idade penal, mas inserindo-a em uma análise da constituição social das faixas etárias, pois este é o ponto de partida mais adequado para se compreender tudo o que está por detrás desta discussão.

Muitos consideram a idade, ou a faixa etária, como um "dado", algo auto-suficiente e que se explica a si mesmo. A idade é o tempo de vida de um indivíduo e pode ser medida rigorosamente. O mesmo ocorre com a demarcação das faixas etárias: a infância, a adolescência, a idade adulta e a "terceira idade". Assim, existe uma abrupta separação nas faixas etárias. No entanto, o que a maioria não percebe é que a demarcação das faixas etárias é convencional, sendo uma criação social. Por conseguinte, a idade do indivíduo não revela exatamente o que ele é ou deveria ser e é por isso também que biólogos, psicólogos, pedagogos e outros profissionais não conseguiram um consenso em demarcar o período de "vigência" da infância e da adolescência. Tal como colocamos em outra oportunidade, "a idade e o desenvolvimento orgânico de um indivíduo é importante mas não suficiente. É preciso acrescentar aqui o aspecto social da questão" (Viana, 2001, p. 103).

O desenvolvimento orgânico de um indivíduo é um elemento para analisarmos sua "idade", mas não é suficiente, pois é preciso saber como a sociedade constitui determinadas relações sociais para os indivíduos dependendo de sua faixa etária. As relações sociais criam uma situação social típica para os indivíduos de uma mesma faixa etária, obviamente com as devidas diferenças de classe, cultura etc. De que forma a sociedade faz isto? Como ela produz tal situação social? Através de vários mecanismos. Iremos destacar alguns deles.

A sociedade capitalista produziu a separação entre a unidade doméstica e a unidade de produção, fazendo da primeira apenas uma unidade de consumo (Viana, 2000). Isto foi acompanhado por uma divisão social do trabalho específica. As crianças e jovens foram jogados no trabalho assalariado durante a revolução industrial mas com as lutas operárias acabaram sendo expelidas da indústria e passaram a serem reclusas nas unidades domésticas ou instituições de ensino (escolas). Isto, obviamente, não impediu o uso e abuso do trabalho precoce e a superexploração dessa camada da força de trabalho, mas nos países onde o movimento operário e demais movimentos sociais eram fortes, seu uso diminuiu enormemente (Viana, 2001).

A reclusão da criança e do jovem na esfera da família e na escola marca o seu espaço social e as relações sociais às quais serão submetidas. A criança e o jovem são aqueles que devem assumir a situação de filhos e estudantes. Muitos, no entanto, não terão esta determinação, pois alguns não terão, devido sua condição de classe, acesso à escola e outros nem sequer terão família.

Outra determinação sobre a idade dos indivíduos se encontra na legislação. Ela estabelece direitos e deveres para os indivíduos e estes devem se orientar por ela. A legislação também atua sobre o imaginário das pessoas, influenciando suas condutas. Assim, aos 18 anos:

"O indivíduo se torna juridicamente responsável pelos seus atos, ganha uma autonomia e independência maior em relação aos seus "responsáveis" e à sociedade (pode votar, dirigir carro, etc.), ou seja, passa a ser considerado um cidadão completo e com plenos direitos e deveres comuns a qualquer outro. Acrescente-se a isso o fato de já possuir mais experiência e saber, estar num estágio avançado de socialização (possibilitado tanto pela escola quanto pelo desenvolvimento histórico de sua vida) e assim se tornar mais capaz de enfrentar o mundo (embora isto nem sempre ocorra no mesmo período de idade entre todos os indivíduos, pois alguns conseguem atingir esta fase mais cedo, outros mais tarde, mas esta geralmente é a idade, ao que tudo indica, e a própria sociedade facilita, que isto ocorra com mais freqüência)" (Viana, 2001, p. 104).

A legislação em vigor ao distinguir o "menor de idade", lhe retira algumas responsabilidades mas também lhe retira diversos direitos, colocando-os na dependência dos seus "responsáveis".

Outra determinação sobre a constituição social da criança e do jovem se encontra no discurso dos profissionais (psicólogos, biólogos, médicos etc.), que também interfere em sua vida e nas representações cotidianas que os adultos fazem sobre os jovens e crianças. Também as imagens veiculadas nos meios de comunicação de massas reforçam a eficácia simbólica de determinados receituários de comportamentos e estilos de vida e de transmissão de valores.

Assim podemos observar que a fase chamada "infância" e "adolescência" são criadas socialmente ao invés de serem um "dado natural". Obviamente que juntamente com isso há a questão do desenvolvimento orgânico do indivíduo. A criança e o jovem não possuem a força física, a experiência de vida, a consciência desenvolvida, e por isso, juntamente com as determinações sociais acima colocadas (a autoridade do discurso dos especialistas, a influência dos meios de comunicação, a legislação, a reclusão em determinadas atividades – escola ou família – ou o mundo da rua e/ou do trabalho precoce) estão submetidos como nenhuma outra categoria social aos outros[1].


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