RESUMO: Os termos democracia e autogestão são considerados, para alguns, como opostos e, para outros, como complementares. A forma de relacionar democracia e autogestão depende da definição e significado atribuídos a estes termos. Após expormos as teses da complementaridade e do antagonismo entre autogestão e democracia, apresentamos uma discussão conceitual e nossa própria definição destes termos, apresentando a partir disto a tese de sua incompatibilidade entre ambos derivada de sua historicidade.
Palavras-Chave: democracia representativa, autogestão social, relações de produção, conceitos, historicidade,
Abstract: The expressions democracy and self-government are seen, a lot of times, in the history of the political thought, as being opposite, and, other times, as being complemental. The form of relating democracy and self-government depends on the definition and meaning of the terms democracy and self-government. After terms exposed the theses of the complementarity and of the incompatibility between self-government and democracy, we presented a conceptual discussion and our self-government definition and democracy, presenting starting from this the thesis of your derived incompatibility of your historical character. Word-key: representative democracy, social self-government, production relationships, concepts, historical character.
As expressões democracia e autogestão são vistas, muitas vezes, na história do pensamento político, como sendo opostas, e, outras vezes, como sendo complementares. A democracia moderna é uma democracia representativa, enquanto que a autogestão geralmente é compreendida como "democracia direta". A forma de relacionar democracia e autogestão depende da definição e significado dos termos democracia e autogestão. No presente texto, apresentaremos resumidamente as teses que defendem a complementaridade e a oposição entre autogestão e democracia para depois realizar uma discussão teórica referente aos conceitos de democracia e autogestão e, posteriormente, apresentar nossa posição neste debate.
Entre os que defendem a tese da complementaridade entre democracia representativa e autogestão ("democracia direta"), temos um conjunto de pensadores, embora nem sempre claros em seus postulados, mas que possuem sua pré-história na social-democracia alemã de Kautsky, nos representantes do chamado austro-marxismo de Max Adler e Otto Bauer, no Gramsci da época de seus escritos na prisão, entre outros (Coutinho, 1985). Mas a concepção compatibilista entre democracia e autogestão (compreendida como "democracia direta", ou democracia de base ou fundada em conselhos operários) teve como primeiros defensores explícitos autores como Togliatti, Ingrao, entre outros, que defenderam a "terceira via", tendência chamada "eurocomunista". Para Togliatti, a luta pelo socialismo não exclui a luta pela democracia (Togliatti, 1966), pois entre elas existe um nexo indissolúvel (Togliatti, 1980). Ele defende o que denomina democracia progressiva, que seria um processo de aprofundamento da democracia no qual chegaria a um momento em que conviveriam harmonicamente as instituições da democracia representativa com as instituições da democracia de base (conselhos de fábrica, de bairros, etc.).
Seguindo esta linha de Togliatti e Ingrao, Carlos Nélson Coutinho defende a "dualidade de poderes", isto é, a convivência entre democracia representativa e democracia direta (1985), tese retomada em outro escrito sem, neste caso, a referência à dualidade de poderes (1992). Coutinho parte da discussão realizada por Lênin e Trotsky a respeito da dualidade de poderes durante a revolução russa, expressando a existência de um poder proletário e um poder burguês, um se manifestando através dos sovietes (conselhos operários) e o outro através do Estado. A tese de Lênin e Trotsky era a de que esta dualidade de poderes era provisória e com a derrocada do poder burguês, se instauraria apenas um poder proletário. Coutinho retoma vários autores para reformular tal concepção e defender sua tese da dualidade de poderes como elemento componente da futura sociedade socialista. Fazendo uma interpretação questionável de alguns autores, entre os quais Rosa Luxemburgo, Max Adler, Otto Bauer, entre outros, e buscando "conquistá-los para suas teses", Coutinho fundamenta sua posição através das mudanças históricas. É desta forma que ele explica o que ele denomina "concepção restrita de Estado" e teoria da "revolução explosiva" em Marx, Lênin e Trotsky. Estes autores apresentaram uma concepção restrita do Estado por não terem ultrapassado um nível de abstração e chegando ao Estado em sua concreticidade mas isto não foi apenas um problema metodológico, pois o Estado, na época e lugar em que eles produziram suas teses, era realmente mais restrito. Com as mudanças históricas, estes autores continuam apresentando contribuições importantes, mas, segundo Coutinho, é preciso ir além da concepção restrita de Estado e de revolução explosiva para constituir uma concepção ampliada de Estado, o que já foi realizado por Gramsci, e uma concepção processual de revolução, na qual haveria "reformas de estrutura" (Coutinho, 1982). É por isso que este autor poderá, posteriormente, postular a tese da "democracia como valor universal" (1980) e, portanto, indo além da sociedade capitalista.
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