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Mots-clés: élite politique ; politique professionnel ; État Nouveau ; São Paulo ; Getúlio Vargas.
Caso se tome dois pontos da história nacional para comparação, 1930 e 1950, por exemplo, fica difícil negar que tenha havido uma renovação ampla - tanto em termos geracionais, quanto sociais, econômicos e ideológicos - das elites políticas brasileiras.
O intervalo entre as duas datas, e os vários subperíodos ao longo desses 20 anos em que as liberdades políticas estiveram ou suspensas, ou controladas, além de todos os eventos importantes dessa época - uma revolução (1930), uma contra-revolução (1932), seis eleições (1933, 1934, 1936, 1945, 1947, 1950), duas constituições (1934, 1946), um golpe de Estado (1937), um contragolpe de Estado (1945), e as respectivas crises que os acompanharam -, aceleraram uma troca de turno que seria mais longa se fosse natural ou "espontânea": por morte, afastamento voluntário, perda de prestígio em função da perda de capital social (status) ou econômico ("renda").
Do mesmo modo, a modernização capitalista (que equivale aqui à industrialização mais urbanização aceleradas) fez com que a classe política do País passasse a ser recrutada também em outros grupos sociais, como Conniff (1989) verificou: nas camadas médias, por exemplo. As "lutas pelo desenvolvimento nacional", para retomar um dito do período, implicaram, por sua vez, que os interesses a serem legitimados e/ou sancionados pelo Estado passassem a ser outros, o que se comprova pelas infinitas disputas do tipo "mercado interno versus mercado externo", "indústria versus agricultura", "burocracia versus burguesia" etc. Isso certamente contribuiu para a decadência política das "oligarquias tradicionais" (as antigas classes dominantes regionais). Tão importante quanto as oposições entre projetos ideológicos que concorriam entre si e que pretendiam definir e dirigir a mudança econômica do país (cf. BIELSCHOWSKY, 2000), as restrições legais e/ou políticas sobre a cena política e, conseqüentemente, sobre os direitos de participação na elite política, produziram um efeito definitivo sobre quem poderia participar do jogo político, como participaria desse jogo, onde participaria, em nome de quem ou de que interesses participaria etc.
Ainda que esses movimentos políticos e processos históricos tenham tido um impacto decisivo e determinante sobre o universo das elites políticas estaduais imediatamente antes, durante e depois do Estado Novo (1937-1945), para ficarmos numa data decisiva, penso que é necessário ser aqui bem mais específico.
A representação política de São Paulo na Assembléia Nacional Constituinte de 1946 possuía algumas peculiaridades em relação àqueles que controlaram as posições-chave no estado durante toda a República Velha (1889-1930). Muito embora a grande maioria dos trinta e oito integrantes da bancada tivesse saído dos antigos partidos oligárquicos, o perfil social e ocupacional da elite política paulista mudou em dois sentidos importantes: ao mesmo tempo em que houve uma ascensão e um predomínio de indivíduos oriundos das camadas médias tradicionais (profissionais liberais, professores universitários etc.), houve também uma maior profissionalização do pessoal político; o quase monopólio dos postos legislativos por parte desse novo tipo social, os "bacharéis", deslocou tanto os "coronéis" como os "oligarcas", em sua maior parte os grandes proprietários que, em geral, eram também os chefões das máquinas políticas estaduais.
Como, quando e por que isso ocorreu? Ou mais exatamente: o que poderia explicar o descasamento entre as classes economicamente dominantes e as classes politicamente dirigentes, em particular em São Paulo em meados do século XX?
O objetivo deste artigo é comparar os predicados da classe política paulista em dois momentos distintos - antes do Estado Novo (1889-1937) e imediatamente depois (1946-1951) - e formular uma hipótese explicativa para o câmbio das origens sociais e, em especial, dos atributos profissionais dos agentes políticos nesse contexto histórico. Há, contra todas as expectativas ideológicas, uma profissionalização da classe política, a de São Paulo inclusive.
"Profissionalização política" pode ser entendida em dois sentidos, um mais descritivo, outro mais analítico.
No primeiro caso, a noção designa a ascensão e a predominância, nos aparelhos políticos, de um agente - o político profissional - que deve exibir quatro características distintivas: vocação precoce para a atividade política; carreira política extensa; recursos extraídos tão somente das posições políticas ocupadas; e qualidades políticas ordinárias: boa figura, domínio da retórica, capacidade de negociação etc. (DOGAN, 1999, p. 171-172)2. No segundo sentido, menos adjetivo e mais substantivo, a profissionalização política deve ser vista como um programa de comutação de um tipo social (o notável) para outro (o especialista) e de conversão da natureza dos recursos políticos legítimos numa sociedade dada.
Nessa linha de argumentação, Angelo Panebianco estabeleceu uma distinção útil entre os diferentes conteúdos da fórmula "profissionalismo político" e uma classificação bastante sensata dos diferentes tipos de dirigentes políticos ordinários. Conforme Panebianco, a profissionalização da atividade política tende a superar a definição weberiana clássica - aquele que vive da política (WEBER, 1994) - em duas direções: há tanto um processo de substituição dos dirigentes dos partidos de notáveis pelos funcionários dos partidos de massa (profissionalização política propriamente dita), efeito da democratização do mercado político ou da ampliação do sufrágio; quanto - nosso caso aqui - um processo de substituição dos parlamentares de origem aristocrática, burguesa ou operária (isto é, de origem classista) pelo político "de classe média", com alto nível de instrução (profissionalização intelectual), exigência e efeito, segundo ele, da "tecnicização" das decisões políticas (cf. PANEBIANCO, 2005, p. 438-439).
A diferença tradicional entre notáveis e profissionais, processo que, no caso brasileiro, engloba o rebaixamento dos "coronéis" e a promoção, ao primeiro plano da cena política estadual, dos "bacharéis" (palavra que designa os titulares de profissões liberais e não apenas de títulos universitários), deve ser vista, entretanto, menos como uma oposição abstrata entre dois tipos ideais; e sim como uma transformação induzida pelo regime do Estado Novo a fim de, justamente, afastar a idéia de uma progressão regular marcada pela profissionalização desinteressada das práticas e pela racionalização abstrata da organização estatal no curso do período ditatorial.
Olhando para todas as discrepâncias da classe política paulista em dois períodos democráticos (os regimes das Constituições de 1891 e 1946), parece promissor considerar que a mudança do seu perfil tenha ocorrido entre as décadas de trinta e quarenta e, mais exatamente, durante o Estado Novo. Essa constatação não chega a ser uma notícia inédita, principalmente quando se recorda a Revolução de 1930 (não o episódio, mas o processo de transformação que se seguiu a ele). Onde está, portanto, a novidade?
O "Estado Novo" (isto é, o regime político e suas instituições políticas) não constitui, como é óbvio, a profissão política no Brasil, mas permite e, em certa medida, incentiva a profissionalização do pessoal político à disposição da ditadura. Uma das peculiaridades aqui é que o regime faz isso, mas sob a cobertura de uma ideologia política que não só dissimula esse processo, mas o nega explicitamente. Assim, mesmo num ambiente de depreciação retórica das funções políticas, de acusação ideológica da inoperância das instituições liberais e de estigmatização social das oligarquias (um exemplo entre muitos do espírito da época: VARGAS, 1938, passim), há a promoção de alguns grupos de elite em prejuízo dos demais graças à sanção de novos espaços institucionais no Estado (interventorias federais, departamentos administrativos, conselhos econômicos etc.) e à legitimação de recursos políticos (ou "capitais", na fórmula de Pierre Bourdieu) de novo tipo.
O ponto a destacar, no entanto, não é apenas esse, é também outro e tão significativo quanto: enquanto a passagem do "notável" - o homem político que dispunha de prestígio, posses e títulos - para o "político de profissão" se fez tradicionalmente num contexto da universalização do sufrágio e avanço da democracia política, conforme Max Weber (1999) observou3, ocorre aqui exatamente o contrário: essa permuta faz-se no contexto ditatorial e -é meu argumento -devido à ditadura.
A suposição geral, portanto, é que a transformação do perfil social da elite política (paulista, no caso) é derivada de duas causas institucionais combinadas: i) das mudanças sucessivas nas condições de competição política ao longo da década de 1930 (o que implica em novos critérios políticos e ideológicos de recrutamento e promoção, em especial antes de 1937) e ii) das modificações na organização e nos modos de funcionamento do aparelho do Estado brasileiro de 1937 em diante (o que implica, por sua vez, em novas formas de recrutamento e na exigência de outros perfis profissionais)4. O processo de circulação das elites políticas que ocorre e que é verificável olhando-se para os atributos da classe política de São Paulo na primeira legislatura depois de 1937, é assim o efeito do Estado Novo (ou melhor: das alterações na forma do Estado e na forma do regime) e não conseqüência automática do processo de renovação geral dos quadros dirigentes que a Revolução de 1930 promoveu e patrocinou.
Este artigo pretende desenvolver essa hipótese. Meu propósito exclusivo é encontrar, porém, variáveis mais específicas para explicar esse processo de "renovação profissional e social" da elite. Nos termos propostos por Wright Mills, uma "sociologia das posições institucionais" (e, por extensão, uma sociologia do pessoal político que ocupa essas posições) deve explicar o "tipo de pessoa" ao mesmo tempo exigida e produzida por elas (GERTH & WRIGHT MILLS, 1970, p. 88).
Na segunda seção, esboço uma alternativa teórica a fim de estipular alguns parâmetros gerais para o estudo dos políticos profissionais em si mesmos (isto é, como objeto próprio de estudos) e do seu campo de atuação por si mesmo (isto é, com o objetivo de compreendê-lo "conforme suas próprias regras").
Essa precaução metodológica deriva de uma especialidade desse contexto histórico (que é, conforme o vejo, mais que uma coincidência temporal). A desfiguração do perfil dos antigos representantes políticos da classe dominante paulista (a profissionalização intelectual, nos termos de Panebianco), embora seja simultânea ao processo de transformação capitalista da economia brasileira (a "industrialização"), não é, todavia, determinada por ela. A compreensão dessa alteração política fundamental (que, em certa medida, viabiliza a própria transição do modelo agro-exportador para um modelo urbano-industrial) passa antes pelo entendimento do rearranjo das regras e dos procedimentos próprios do jogo político (ou de maneira mais ampla: do mundo político) e por sua institucionalização característica durante o Estado Novo.
Na terceira seção, faço um contraste entre as propriedades da elite política paulista da I e da II República (1889-1930 e 1930-1937) e as da IV República (1946-1964), conforme a periodização de Edgard Carone, a fim de delimitar melhor o problema empírico. Ele serve para explicitar o que aconteceu nesse universo durante esse grande intervalo de tempo e indicar onde, em princípio, deve-se buscar a resposta.
Na quarta seção, procuro expor e explicar a combinação de três variáveis contextuais -institucionalização (do poder político), autonomização (do universo político) e profissionalização (dos agentes e das práticas políticas) - que concorrem para definir e dirigir esse processo peculiar de circulação de elites e sacramentar definitivamente a separação da classe dirigente da classe dominante, ao menos no caso paulista. É possível pensar que o caso de São Paulo possa, em certa medida, servir como parâmetro para elaborar uma explicação sobre a metamorfose da classe política brasileira a partir da segunda metade do século XX.
Simon Schwartzman concluiu que na década de 1920 a política, para os paulistas, "era uma forma de melhorar seus negócios; para quase todos os outros [agentes políticos], a política era [o] seu negócio" (SCHWARTZMAN, 1975, p. 123).
Quando a atividade política tornou-se, para a elite de São Paulo, um negócio como outro qualquer, naquele sentido sugerido tradicionalmente por J. Schumpeter? A resposta a essa pergunta depende de como se considere o mundo político: sua autonomia ou heteronomia em relação ao mundo social define o objetivo da investigação; e a heteronomia ou autonomia dos agentes políticos e dos interesses que eles defendem em relação aos agentes sociais aos quais estão ligados (de várias maneiras) e que, teoricamente, "representam", decide o objeto da investigação.
Caso se perceba o mundo político como um "reflexo" de fatores extrapolíticos, isso determina, de saída, o objetivo do inquérito (que só pode ser "compreender os efeitos do mundo social sobre o mundo político"), bem como o objeto do estudo, que nunca podem ser "os políticos" e o seu mundo - a não ser que ambos sejam vistos como a tradução de uma dinâmica (social, econômica) mais importante que os antecede e os dirige. Assim, não se vai estudar a prática dos políticos em si mesma (ou sua fisionomia), justamente porque não se acredita que ela seja determinada por si mesma.
O ponto de partida aqui, contudo, é outro. O "empreendimento político", para falar como Max Weber, é em primeiro lugar um efeito das leis internas do campo político. O que esse princípio significa, exatamente?
O campo político (tal qual o campo burocrático, o campo ideológico etc.) deve ser entendido, com toda prudência que uma declaração de princípios como essa exige, como um microcosmo, como "um pequeno mundo social relativamente autônomo dentro do grande mundo social", conforme sugeriu Pierre Bourdieu. Essa autonomia, se levada ao pé da letra, isto é, etimologicamente, indica que, mais freqüentemente do que se imagina ou se está disposto a aceitar, esse campo trabalha "de acordo com sua própria lei, seu próprio nomos"; isto é, "ele possui em si mesmo o princípio e a regra do seu funcionamento" (BOURDIEU, 2000, p. 52). Bourdieu vai ainda mais longe nesse assunto e sustenta que, em qualquer caso, "seria um erro subestimar a autonomia e a eficácia específica de tudo o que acontece no campo político, reduzindo a história propriamente política a uma espécie de manifestação epifenomênica das forças econômicas e sociais" (BOURDIEU, 1998, p. 175).
Não foi preciso esperar pelas descobertas da Ciência Política da segunda metade do século XX para afirmar que "interesses políticos" não são - sempre e em todos os casos - a conversão, em outra esfera, de interesses sociais. Assim como há uma profissão política, com seus códigos próprios, há interesses especificamente políticos, sendo ambos a confissão da autonomia do político (i.e., o espaço social), da autonomia da política (a prática social) e da sóciológica específica que governa e dirige essa prática. Joseph Schumpeter reprovou com ironia a ingenuidade dos analistas que teimavam em não levar a sério a verdade contida na frase pronunciada por um político eminente: "O que os empresários não compreendem é que, exatamente como eles negociam com petróleo, eu negocio com votos". O próprio Weber (1993, p. 119-120) já observara que os políticos são fundamentalmente "especuladores" de votos e cargos. Esses juízos de fato explicitam tanto o que Schumpeter chamará de "interesse profissional distinto", que está na base das ações dos políticos de carreira, quanto o "interesse distinto do grupo na profissão política enquanto tal" (SCHUMPETER, 1984, p. 356). Ele parece mesmo bem aborrecido em ter de lembrar aos devotos da heteronomia uma verdade tão evidente: a legislação que se fabrica nos Legislativos e a administração que sucede no Executivo não são mais que "subprodutos" dessa "incessante batalha" que acontece "no parlamento e fora dele" pelos empregos políticos e pelos cargos públicos (idem, p. 355-356).
Esse hermetismo que caracteriza e define o universo político implica ter presente tanto os processos políticos e ideológicos de produção dos profissionais da política, que são historicamente diferentes em formações sociais diferentes, quanto os procedimentos efetivos, isto é, o "jogo político", com suas técnicas de ação e de expressão (regras, posturas, crenças, valores, hierarquias etc.), que são a essência de qualquer campo e o pré-requisito para participar dele. A propósito da famosa frase de Weber, para quem se pode viver da política ou para a política, Bourdieu corrige e adiciona uma outra idéia: seria mais exato pensar que se possa "viver da política com a condição de se viver para a política" (BOURDIEU, 1998, p. 176), isto é, conforme se conheça e se adira às regras do jogo, e não conforme uma vocação imaginada. Eu acrescentaria que o oposto também é verdadeiro: só vive para a política aquele que vive da política. Essa profissionalização é a condição para dedicar-se integralmente seja à função de representação de interesses externos ao campo político (interesses sociais), seja à função de representação dos próprios interesses, e mesmo dos interesses do campo político enquanto tal: sua existência, sua permanência, seus regulamentos, seus códigos, seus princípios de seleção e exclusão etc.
Há, no mínimo, três questões que decorrem dessa interpretação do mundo político e de sua relação com o mundo social. Menciono-as de passagem tendo em vista os objetivos limitados deste artigo.
A primeira refere-se à relação efetiva entre a esfera das práticas políticas e a esfera dos interesses sociais. Só é possível pensar na autonomia dos representantes políticos tendo como suposto (lógico e histórico) a autonomia do campo da representação política ("representação" entendida aqui em vários sentidos: como delegação, como encenação e como figuração). Recorrendo a uma imagem a fim de ilustrar a idéia: os jogadores e o jogo pressupõem o tabuleiro.
A segunda questão refere-se à natureza da relação entre todos os jogadores no espaço social ou, para simplificar, entre a "elite social" e a "elite política". Ela - a relação - pode ser pensada em termos subjetivos (a origem social da elite política) ou em termos objetivos (a função social da elite política). O entusiasmo diante de uma ou de outra idéia é, feitas todas as contas, a razão da divergência principal da polêmica Miliband-Poulantzas5.
A terceira questão refere-se às condições sociais de produção dos próprios jogadores. A autonomia do campo (e do jogo) político é a condição para produzir a profissão política e seus especialistas: os profissionais da política. Quanto menos diletantes, mais tendem a desenvolver interesses "corporativos" - ou, para falar como Weber, a buscar "o poder pelo poder"; quanto mais interessados em si próprios, mais tendem a reforçar e ampliar aquela autonomia. Conforme esse raciocínio, a questão fundamental seria compreender e explicar a regra do jogo (político), isto é, sua sócio-lógica implícita. É ela que determina as propriedades do campo de jogo, fixa os pré-requisitos para participar da partida (o background social) e determina o contorno ideal (quem são) e a margem de manobra dos jogadores (o que eles podem, ou não, fazer).
Voltando do céu à terra, os dois dispositivos mais importantes dessa regra (no caso histórico aqui considerado) são: i) a configuração institucional do Estado ditatorial - a forma e a função das instituições políticas autoritárias e ii) os critérios de seleção, ou as normas estritas de admissão estipuladas pelo regime político em vigor. Essas variáveis institucionais - em suma: a forma de Estado e a forma de regime - condicionam e constituem as características dos "jogadores"6. Mas não apenas elas. Sua ação depende, na realidade, de três processos mais gerais ("estruturais", por assim dizer) que são sua condição de possibilidade. Enumero-os e os explico adiante, na seção IV. De acordo com a perspectiva contextual aqui adotada, as variáveis históricas que concorrem para a transformação do universo da elite (dessa elite específica, bem entendido, já que esse não é um "modelo") são: a institucionalização do poder estatal; a autonomização do campo político e a profissionalização dos agentes políticos.
Para o período que analisamos, a caracterização empírica dos "jogadores" teria de incluir o processo de transformação das figuras - estereotipadas - do coronel, no mundo rural, para o bacharel, no mundo urbano, num ambiente político em que predomina socialmente (e ideologicamente) um tipo característico: o oligarca.
As três expressões, apesar da imprecisão conceitual, são, antes de tudo, uma anotação taquigráfica. Elas pretendem reter três formas diferentes de existência social; não são, assim, uma descrição sociológica completa. Contudo, são úteis aqui à medida que reenviam esses "tipos" a origens sociais específicas e a um conjunto de valores e práticas históricas distintas, reconhecíveis intuitivamente.
Essa tipologia ad hoc e impressionista recobre, como se vai ver a seguir, um programa mais geral de diferenciação social que tem na dissociação da classe dirigente da classe dominante (o assunto do item III) e na construção de um campo político autônomo (a discussão do item IV), a gênese da constituição de um papel social novo: o político de profissão.
Seria bem razoável objetar que, nas condições históricas do Brasil da primeira metade do século XX, a separação entre um grupo de indivíduos formado por políticos profissionais e a classe economicamente dominante é uma distinção, na melhor das hipóteses, escolástica.
Joseph Love e Bert Barickman mostraram, ao comparar a elite política paulista ("rulers") com sua elite econômica ("owners"), que, entre a Proclamação da República e o Estado Novo, a primeira praticamente coincide com a segunda. No intervalo 1889-1937, "56% da elite paulista tinha ocupações cujo rendimento tomava a forma de lucros, juros ou renda, mais que salários ou honorários". Segundo os autores, em 1932 o nível de sobreposição entre líderes políticos e líderes empresariais era de admiráveis 60%. O figurino observado em São Paulo deveria sugerir, portanto, a existência de uma "elite do poder" - para utilizar o termo clássico de Wright Mills (cf. LOVE & BARICKMAN, 1986, p. 753, Tab. I, p. 747, 764).
Esses dados são tanto mais relevantes quando se sabe que, no mesmo período, as taxas de "proprietários" na classe política de São Paulo eram mais significativas do que as de Minas Gerais ou Pernambuco.
Para a variável "proprietário rural", por exemplo, enquanto havia 19% de fazendeiros na elite pernambucana e 17% na elite mineira, havia 38% de "donos de fazendas produtoras de bens agrícolas ou pastoris" na elite política paulista7. Diante de outros países, mais ou menos à mesma época, o caso da locomotiva da federação é mais discrepante ainda: contra 56% de proprietários na classe política de São Paulo, os Estados Unidos contavam, entre fins do XIX e início do XX, com 15%, o México com modestos 7% e a Argentina, uma economia também agro-exportadora, com 31% (cf. LOVE, 1983, p. 72, Tab. 8)8.
Entretanto, essa justaposição, que atingiu seu ponto mais alto imediatamente depois da República Velha, possivelmente em função da ascensão política do aristocrático Partido Democrático de São Paulo, não era nem uma tendência brasileira, cujo aumento poderia ser detectável ao longo do tempo, nem uma essência (um "padrão histórico") da política nacional. O estudo de José Murilo de Carvalho mostrou que na elite imperial brasileira o total de fazendeiros mais comerciantes entre os Ministros de Estado não chegava nem a 5%. Em compensação, as profissões ligadas à burocracia imperial (políticos, militares, funcionários, magistrados e diplomatas) somavam exatos 60% (cf. CARVALHO, 1996, p. 91, Quadro 11).
Lendo de trás para diante, a ditadura parece ter exercido um efeito significativo sobre a representação parlamentar de São Paulo. O exame das propriedades sociais e profissionais do grupo na primeira legislatura federal depois do regime de 1937 sugere que o Estado Novo, isto é, seus critérios de seleção ideológica, seus métodos de recrutamento político e modos de operação burocrática funcionaram como uma engrenagem que teve duas conseqüências inesperadas (ou mais propriamente, não planejadas) sobre o universo da elite: descasou a classe economicamente dominante da classe politicamente dirigente e constituiu, no seio desta última, uma classe política naquele sentido defendido acima por Panebianco, resultado, em princípio, da "complexificação" da gestão política (o que ele chamou de "profissionalização intelectual").
Graças à relativa disjunção entre rulers e owners, a bancada paulista na Assembléia Constituinte de 1946 era integrada por menos de 24% de proprietários, média idêntica, aliás, ao perfil social dos representantes dos demais estados na Câmara dos Deputados em todo o período "populista" (1946-1964)9.
O ponto relevante aqui, entretanto, não é saber se o contorno dos comandantes políticos de São Paulo aproximou-se do padrão nacional depois da "redemocratização" de 1945, mas sim explicar quando, como e por que ele mudou.
A Tabela 1 estabelece algumas informações relevantes para essa discussão. Para os nossos propósitos, é suficiente acompanhar a profissão principal dos 38 constituintes, incluídos os cinco suplentes que exerceram mandato. Sérgio Braga (1998) lista as ocupações secundárias, visto que, no período, era comum atuar em mais de um ramo de atividade.
"Proprietários" (de vários tipos) como ocupação principal (em vários ramos) eram somente nove indivíduos, menos de um quarto dos constituintes10. Os proprietários de terras não estavam absolutamente sub-representados, mas também não eram o maior pedaço da bancada dos capitalistas. Esses grandes fazendeiros, aliás, compareciam aqui tanto como "representantes de classe", quanto como políticos profissionais: a fração pessedista - César Costa; Martins Filho; Sampaio Vidal - junto da banda udenista (Toledo Piza) era formada por um ex-PRP (o primeiro) e dois integrantes tradicionais do PD-PC (o terceiro e o quarto) e todos os três políticos do PSD11 paulista chegavam à Assembléia Constituinte tendo estagiado no Estado Novo: César Costa foi membro do Departamento Administrativo do estado de São Paulo (Daesp), Martins Filho dirigiu federações sindicais de patrões e Sampaio Vidal foi "membro da CME - Coordenação da Mobilização Econômica, do Conselho de Expansão Econômica de São Paulo e do Conselho Consultivo do DNC - Departamento Nacional do Café (1942-1945)" (BRAGA, 1998, p. 683).
Indivíduos que tinham "profissões intelectuais" (em geral, atividades liberais) somavam 73% (28 pessoas). Nessa classe, "advogados profissionais liberais" eram 42%. Olhando exclusivamente essa linha e somando os indivíduos que exerciam a advocacia como profissão secundária ou eventual, encontramos 65,5%. Caso incluíssemos os demais "advogados funcionários públicos" nessa conta, a cifra subiria para nada menos de 76% da bancada12.
Essas cifras não são surpreendentes. Em geral, carreiras políticas tendem a ser mais fáceis para indivíduos com brokerage ocupations: professores universitários, sindicalistas, jornalistas, advogados. Além de contarem com condições objetivas mais favoráveis para dedicar-se também ou exclusivamente à vida política (tempo disponível, férias longas, carreiras profissionais descontínuas, independência profissional, segurança financeira, relações na sociedade, status social e habilidades técnicas úteis na vida política: uso hábil da retórica, conhecimento da legislação etc.), há, da parte desses profissionais, uma disposição subjetiva maior para assumirem os riscos e os custos de tentar uma posição no poder Legislativo ou no poder Executivo (cf. Ranney apud NORRIS & LOVENDUSKI, 1997, p. 165-166). Schumpeter resumiu em uma expressão essa idéia: há "um estrato social", esse, no caso, "que se liga à política de forma natural" (SCHUMPETER, 1984, p. 362).
Para desfazer a idéia de uma república de advogados que essa classificação pode induzir, é suficiente incluir nessa tabulação a categoria "político profissional". A grande maioria dos 38 representantes do estado certamente poderia estar contida nela, mesmo aqueles que assumiam pela primeira vez um posto no legislativo. Eram muitíssimo raras as trajetórias realizadas fora da política institucional e, para o PSD-PTB, fora dos empregos políticos proporcionados pelo Estado Novo; os casos de recrutamento lateral, mesmo para o Partido Comunista Brasileiro (PCB), eram igualmente infreqüentes.
Pode-se objetar que, com o fim do Estado Novo, esse processo de remanejamento das posições sociais na elite, se não foi natural, já era esperável, pois teria havido uma renovação geracional importante: novos políticos (isto é, políticos mais jovens), abrigados em novos partidos, criados somente em 1945, justamente contra as máquinas políticas oligárquicas dominadas pelas velhas elites estaduais e depois de um longo hiato institucional.
Todavia, quando se testam essas proposições, o que se verifica, em primeiro lugar, é que a taxa de "antigüidade" do grupo PSD-PTB de São Paulo (o maior bloco da bancada: 25 indivíduos) somado aos políticos da UDN-SP (seis representantes) não era tão baixa: 40% dos constituintes dos maiores partidos possuíam idades acima dos 51 anos13. A UDN sozinha detinha a maior média de idade da representação de São Paulo: 52,5 anos.
É a história que a Tabela 2 conta.
Essas cifras são tanto mais significativas quando se sabe que a maior parte dos constituintes de outros estados somados todos os partidos era até mais jovem (ainda que ligeiramente) que essa amostra da bancada paulista e ficava na faixa dos 41 a 50 anos: 36% contra 30% dos paulistas nessa classe.
Esse dado sobre a distribuição etária sugere uma outra questão: a experiência política prévia dessa elite. Um indicador é a filiação partidária; outro, as posições políticas ocupadas. Desse subgrupo de 12 políticos que tinha, na Revolução de 1930, pelo menos 36 anos de idade, praticamente todos já haviam ingressado naquela altura na carreira política (sete), ou o fariam imediatamente depois (três).
A segunda evidência que se pode mencionar contra a hipótese da "renovação" da política paulista é que praticamente 70% do bloco de 31 políticos do PSD + PTB + UDN fora recrutado nos partidos da oligarquia.
Tabela 3
Até onde foi possível determinar e considerando as informações disponíveis para o intervalo 1910-1937, dos 18 representantes do PSD-SP, pelo menos 72% haviam iniciado sua carreira ou no Partido Republicano Paulista ou no PD/PC; dos sete integrantes da bancada do PTB-SP (cuja média de idade era menor) pelo menos dois haviam integrado o PRP; e da aristocrática União Democrática Nacional de São Paulo, todos os seis deputados federais vinham do Partido Democrático e/ou do Partido Constitucionalista, seu sucessor14.
Havia, contudo, no universo de 38 pessoas, um número razoável de indivíduos em sua primeira legislatura (praticamente a metade, 18), mas essa cifra revela mais a renovação de nomes no plano federal do que o ingresso de noviços na elite política.
Dos dezoito principiantes como deputado federal, apenas um deles possuía nenhuma experiência política e/ou partidária15. Todos os demais haviam sido, em algum momento da carreira, prefeitos (eleitos ou nomeados), secretários de estado, líderes de associações de classe, dirigentes partidários, militantes políticos, publicistas, membros de institutos governamentais, de conselhos econômicos etc.
A tabela 4 discrimina os empregos políticos e os movimentos políticos que os membros da bancada do PTB-SP, do PSD-SP e da UDN-SP tiveram ou se envolveram antes e durante o Estado Novo.
As trajetórias políticas desses 13 nomes que assumiam pela primeira vez um mandato parlamentar eram muito variadas, mas ainda assim há traços em comum.
As carreiras dos pessedistas até poderiam ter começado antes mesmo de 1937, mas o fundamental é que para todos sobre os quais existe informação (cinco), o último posto relevante imediatamente antes da Câmara Federal era uma colocação no regime "varguista": ou funções jurídicas no aparelho do Estado, ou funções políticas no governo ditatorial (Prefeito), ou funções sindicais oficiais.
O PTB acompanha o mesmo padrão - funções burocráticas em agências importantes - e esses estreantes na política parlamentar paulista são exatamente os mais jovens de toda a bancada. A diferença em relação aos pessedistas é que aqueles detinham posições políticas estaduais; os petebistas, em aparelhos federais (Comissão Nacional de Política Industrial e Comercial (Cnpic) e Comissão de Mobilização Econômica (CME)).
Exatamente metade da bancada da UDN - Mário Masagão, Plínio Barreto e Romeu Lourenção - era estreante no legislativo. Esse é, entretanto, um dado enganoso. Masagão fora o Secretário de Justiça e Segurança Pública durante a Interventoria de Armando de Sales Oliveira (em 1933); "nessa condição", enfatiza Braga, "foi encarregado de organizar a participação da bancada paulista na Assembléia Nacional Constituinte (1933-1934)" (BRAGA, 1998, p. 705). Plínio Barreto, por sua vez, havia tido uma carreira tão movimentada quanto: foi "Secretário de Justiça e Segurança Pública após a vitória do movimento" de 1930. "Governador Provisório de São Paulo por um curto período (6 a 25 de novembro de 1930). Participou ativamente e foi uma das principais lideranças civis do movimento constitucionalista ocorrido em São Paulo, tendo sido chefe do Serviço de Censura durante a rebelião (1932)" (BRAGA, 1998, p. 711). Romeu Lourenção era jovem demais para ter assumido postos partidários ou no governo.
Em resumo: sem que tenha havido realmente um processo de circulação das elites (para retomar a fórmula clássica de Pareto: a substituição da elite pela contra-elite), ocorreu uma mudança - que não chegou a ser uma renovação completa, como se comprova pela permanência de vários dos mesmos nomes na elite - nos perfis sociais e ocupacionais dos representantes políticos da classe política paulista. Esse processo consagrou a ascensão dos 'bacharéis', isto é, de um grupo bastante grande (o maior da bancada) que estava separado por sua situação social e por sua posição social da oligarquia reinante na I República, abrindo o caminho para a "profissionalização intelectual" da elite.
É possível que o caso de São Paulo, em função das questões específicas que envolve não seja representativo (em termos estatísticos) da lógica política de cada estado da federação no período posterior a 1930 e mesmo no posterior a 1945. Ainda assim, o interesse em estudá-lo - mesmo sabendo de antemão os impedimentos para produzir testes de hipóteses válidos, inferências causais e generalizações confiáveis em pesquisas em que o n = 1 (cf. KING, KEOHANE & VERBA, 1994, p. 209 e segs.) - deriva do fato dele ser um caso-limite (em que as ocorrências do problema são mais intensas), e não um "caso crucial", na definição de Eckenstein (1975), isto é, um caso único e decisivo para a explicação integral do problema considerado.
De toda forma, as circunstâncias políticas em São Paulo acompanham e respondem a um conjunto de transformações históricas mais gerais, simbolizadas pelo Estado Novo, que qualificam e tornam mais complexa a influência das variáveis institucionais relatadas acima: as mudanças na forma de regime e seus impactos sobre os princípios de seleção política; as mudanças na forma de Estado e a burocratização da atividade política, fato que exige um tipo específico de operador político.
Para explicar as características mais salientes da classe política paulista no período posterior a 1945 - indivíduos oriundos não das oligarquias de proprietários rurais, mas ainda assim provindos das máquinas políticas tradicionais; políticos mais velhos que a média nacional, mas nem por isso com o mesmo perfil profissional dos políticos da República Velha - é preciso entender os processos estruturais de reconfiguração do campo político. Eles indicam que variáveis contextuais são tão ou mais decisivas que variáveis estritamente institucionais.
A profissionalização política não é um fenômeno datável com exatidão, visto que sua evolução (em termos gerais) é inconstante e sua cronologia, imprecisa.
Ela depende de um sem-número de fatores, que são tanto internos quanto externos ao campo político. Por isso é difícil estipular um modelo abstrato que preveja a maior parte das situações históricas. Ainda assim é possível determinar, em função desse contexto, as variáveis especiais que concorrem para a explicação do problema proposto aqui. Todas essas variáveis contextuais dizem respeito a transformações que sucedem apenas no mundo político (em função de sua autonomia característica), ainda que se possa estabelecer uma relação de correspondência mais geral entre a institucionalização do poder do Estado nacional e as mudanças na base econômica desde 1930, ou entre a profissionalização da classe política e a decadência social das oligarquias estaduais, desde 1937.
No caso do Estado Novo há, a respeito dessas questões, um fenômeno triplo e, penso, triplamente interessante, já que assinala e exprime, à primeira vista, três paradoxos. Eles combinam três variáveis construídas indutivamente: institucionalização, autonomização e profissionalização.
Primeiro paradoxo: a temporada que se abre em 1937, com o golpe de Estado, é um período de institucionalização do poder propriamente político (separado do "poder econômico") sem que haja, de fato ou de direito, uma política institucional (partidos, parlamentos, eleições) que institua e legitime esse poder; segundo paradoxo: esse processo de institucionalização do poder, cuja melhor evidência é a constituição de um Estado nacional, ao lado da nacionalização da atividade política brasileira (fenômeno esse verificável somente depois de 1945, graças à formação de agremiações partidárias nacionais, em substituição e em oposição aos partidos estaduais), é paralelo não à autonomização completa do campo político; mas à submissão da lógica e dos valores do campo político à lógica e aos valores do campo burocrático16.
Isso fica particularmente claro quando se analisam inclusive os discursos dos agentes políticos da IV República. Eles incorporam a linguagem administrativa da eficiência, eficácia, objetividade, neutralidade etc. herdada da III República, com todos os rendimentos simbólicos (ou melhor: político-ideológicos) que daí decorrem e dos quais imaginam poder viver às custas. É nesse contexto que ocorre um tipo específico de profissionalização dos agentes políticos: a "profissionalização intelectual", mas no sentido proposto por A. Panebianco (2005). Seu traço mais saliente e mais desconcertante, terceiro paradoxo, é que esse processo não vem acompanhado de uma retórica ou de um conjunto de convicções políticas que o justifique e valide em seus próprios termos, mas de uma arenga que o condena e o nega explicitamente: basta consultar toda a doutrina política desse período em que os intelectuais profissionais imaginam poder substituir a classe política no processo de reorganização da Nação (cf. PÉCAUT, 1990, p. 22ss.).
A retórica autoritária tem, nesse caso, uma função dupla: enquanto ela celebra a despolitização da política, apresentando os agentes do aparelho do Estado como técnicos em administração pública, ela, ao mesmo tempo, encobre a transformação dos atributos sociais e profissionais da classe política. Daí a "nova elite" aparecer em 1946 como tendo brotado do processo de modernização institucional, ou do desenvolvimento nacional, ou da mudança da base econômica etc., e não dos dois requisitos gestados no Estado Novo: i) um universo político relativamente autônomo, que determina regras de seleção próprias, define crenças legítimas e atribui papéis específicos e ii) um aparelho administrativo extenso, complexo e relativamente institucionalizado ("burocratizado") que exige, justamente, a intervenção de um experto - ou, ao menos, de alguém que possa se trombetear como tal.
O mundo político (incluindo aqui também o Estado e seus aparelhos de poder) pode possuir uma extensa rede de instituições políticas e organizações formais, ou mesmo admitir práticas, protocolos e procedimentos próprios, isto é, ser "institucionalizado" (ou estar em processo de institucionalização), sem ser por isso autônomo (ou já completamente autônomo). Nesse caso, ele é guiado (ainda) por uma lógica externa e derivada de um campo ou maior, mais extenso, mais poderoso, ou mais legítimo, mais prestigioso, e que tem o poder de impor, por meio de mecanismos variados, suas normas e regras específicas, seus valores inerentes, seus modos de percepção e expressão próprios. Portanto, a institucionali-zação não supõe autonomização completa.
A heteronomia ou a autonomia não são igualmente dois estados fixos, já que podem comportar, tal qual a institucionalização, gradações. Idealmente, um campo pode estar contido em outro, que o engloba e domina; dois campos podem estar parcialmente sobrepostos, sendo a área de intersecção o objeto da disputa, ou podem ser irredutíveis um ao outro, já que não partilham (mais) nem recursos, nem comportamentos e valores ("capitais" e habitus, na linguagem de Pierre Bourdieu).
Por sua vez, a profissionalização, isto é, o processo de constituição de agentes especificamente políticos, supõe a existência de um universo político relativamente autônomo; mas como ela também é paulatina (e historicamente determinada por um sem-número de variáveis), é provável que essas três coisas - institucionalização, autonomização, profissionalização - aconteçam ao mesmo tempo e se determinem mutuamente.
Há uma diferença perceptível entre esses três fenômenos conjugados que, em geral, não precisam ocorrer de acordo com uma seqüência fixa, ainda que um pressuponha "logicamente" o outro: a institucionalização (do poder político), a autonomização (do universo político) e a profissionalização (dos agentes e das práticas políticas). É possível que haja um paralelismo, e não uma relação de determinação causal, entre a história da construção do Estado nacional brasileiro - e seus correlatos: diferenciação institucional, centralização política, coordenação de funções, conforme definiu C. Tilly (1975), a burocratização das suas rotinas e de seus quadros -, sua progressiva institucionalização como um poder (formal e real) "separado da sociedade", o processo de autonomização do campo político profissional e a profissionalização dos seus operadores. Ou mais exatamente: essa sincronia oculta as relações de causalidade.
Minha idéia básica é que no ambiente de transformações produzidas, planejadas ou simplesmente inspiradas pelo Estado Novo, tende a surgir, inclusive em meio à ideologia da racionalização das práticas administrativas, uma figura política entre o antigo notável (ou o "oligarca"), e o especialista (o que eu chamei até aqui de "profissional"). Panebianco definiu esse tipo como o político "semiprofissional". Ele "dispõe de independência econômica, em razão dos proventos profissionais extrapolíticos", como o notável; e conta com "grande disponibilidade de tempo livre" para dedicar-se à atividade política, como o profissional. Os políticos semiprofissionais são educados, treinados e exibem competências específicas como os peritos (em geral são advogados, professores, jornalistas, médicos), sem deter ainda uma extensa capacidade técnica ou grande experiência em assuntos superespecializados (cf. PANEBIANCO, 2005, p. 460-461).
Essa figura de transição - tal como o ensaísta, entre o beletrista e o cientista, também bastante popular no contexto intelectual dos anos 1930 - que estará na origem dessa classe política formada posteriormente por uma maioria de políticos profissionais e separada da oligarquia resulta de alguns fatos básicos: do processo concreto de redimensionamento do universo político (por meio da redução numérica da classe política); da redefinição dos direitos de entrada nesse universo e a conseqüente depuração político-ideológica da elite que ele permitiu (graças aos novos sistemas de controle das nomeações políticas); e da burocratização dos papéis políticos (o que implicou, ipso facto, no remodelamento das funções sociais dos representantes das "classes agrárias").
Um ponto a destacar para essa discussão, e que nem sempre foi bem dimensionado nas análises, mas que concorreu decisivamente para diminuir a coincidência entre a classe dominante e a classe dirigente, foi a drástica diminuição do número de empregos políticos.
O Estado Novo emagreceu significativamente a classe política porque restringiu significativamente os cargos à disposição dos políticos. Para que se tenha um parâmetro disso: Love (1982) estudou os 263 indivíduos que formaram a elite política paulista entre 1889 e 1937. Para continuar sua pesquisa até 1945, e adotando critérios idênticos, o grupo a ser analisado não somaria 30 pessoas17. Se incluíssemos na conta os 14 integrantes do Departamento Administrativo do estado de São Paulo, descontássemos as sobreposições, o total da elite não seria nem 20% do universo de Love. Conforme estimativas (otimistas), a elite estadual no Estado Novo somaria em São Paulo algo em torno de modestos 40 indivíduos. E talvez menos ainda. Amaral, adotando critérios semelhantes aos de Love, encontrou 31 indivíduos na elite riograndense (cf. AMARAL, 2006, p. 147).
O pré-requisito histórico que tornou todos esses acontecimentos possíveis - "purificação" da elite, limitação do número bruto de representantes e novas formas e novos mecanismos da representação política - foi o "fortalecimento" do Estado federal, isto é, o aumento da capacidade estatal (SCKOPOL, 1985) e, conseqüentemente, o aumento da autonomia política e do poder da elite que o controla.
Esse Estado - autônomo, forte e burocratizado - pode, a partir daí, reconfigurar o universo político nacional, institucionalizar, com base no seu poder, uma forma nova de fazer política e, ao mesmo tempo em que circunscreve e reorienta o poder das elites políticas estaduais, pode definitivamente gerar uma classe política com as virtudes e os predicados exigidos pelo regime ditatorial, justificando-o inclusive com a desculpa da "burocratização" do Estado e a complexidade das suas rotinas. Essa classe política, com os devidos ajustes, e devidamente ampliada, cujos atributos distintivos mais importantes são sua origem social ("de classe média") e seu perfil ocupacional (homens que vivem da política), continuará mais adiante para tornar-se o grupo reinante no regime da Constituição de 1946.
Em suma: os três processos -"estruturais" - de transformação do universo político nacional durante o Estado Novo (que indiquei aqui como autonomização do campo político, institucionalização do poder de Estado e profissionalização das práticas políticas) estão assim no princípio da fabricação de uma espécie muito própria de "contra-elite" por meio do processo de reciclagem dos recursos humanos da própria elite.
Variáveis de tipo contextual (ou histórico) não negam explicações institucionais; tornam essas últimas mais complexas e mais completas.
Certos acontecimentos, como se intui, são mais significativos para o todo sem que se precise estudar tudo. São Paulo antes e depois de Vargas é assim um ponto de partida para circunscrever melhor o problema de pesquisas desse tipo (pesquisas históricas sobre elites), para exemplificar as regras utilizadas para a delimitação e a construção da questão aqui tratada (o transformismo da elite política paulista) ou mesmo para elencar quais são os problemas mais relevantes desse tipo de tema (o profissionalismo político). Esse ponto de partida permite, ao fim, não só produzir alguns achados, mas gerar hipóteses explicativas testáveis em outros contextos históricos (cf. RUESCHEMEYER, 2003).
Em termos menos precisos, mas mais descritivos: o Estado Novo isolou três grupos anteriormente fundidos - homens de riqueza, homens de status, homens de poder.
Como se recorda, os cálculos de J. Love e B. Barickman indicavam uma taxa de sobreposição ente rulers e owners de inacreditáveis 60% no início dos anos 1930 (cf. LOVE & BARICKMAN, 1986, p. 764), um padrão muito alto inclusive para a América Latina (cf. LOVE, 1983).
Quando se olha para a bancada paulista na Assembléia Constituinte de 1946, quinze anos depois, o traço mais relevante não é a renovação geracional, que em rigor não há (40% dos representantes dos três grandes partidos possuíam 51 anos ou mais do que isso). É o fato de a maior parte da representação política de São Paulo ser formada por políticos profissionais, isto é, por indivíduos que tinham na política sua principal atividade: os bacharéis. Na Legislatura que se seguiu ao fim do Estado Novo (1946-1951), dos 38 eleitos pelo estado, apenas sete indivíduos (menos de 24%) poderiam ser classificados como "proprietários" e ainda assim quase todos tinham, paralelamente uma carreira política paralela.
Os atributos (sociais, políticos e profissionais) dos grupos definidos pelo regime ditatorial e sancionados pelos mecanismos e aparelhos encarregados de recrutá-los são, de fato, menos "elitistas" do que aqueles típicos da República Velha, sem serem, contudo, mais populares: há tanto no intervalo 1937-1945, quanto depois, uma ascensão à classe política de indivíduos saídos das camadas médias e com formação jurídica (os "bacharéis" são 76% da representação paulista na ANC) e o quase desaparecimento dos proprietários agrários do pessoal político (os "coronéis" não somam nem 11%). Nem por isso a carreira se torna "meritocrática". Ela deixa de ser "democrática" (isto é, baseada formalmente no princípio eleitoral, a regra de ouro da República Velha) para tornar-se, durante o Estado Novo, "burocrática", o que paradoxalmente irá promover a ascensão dos políticos de profissão, que agora podem apresentar-se, para quem quiser acreditar, como técnicos e especialistas em administração pública, graças à cobertura da ideologia autoritária, inclusive, ou principalmente, após 1945.
Essa transformação, criteriosa e comedida, articulada pelo Estado Novo, mas não necessariamente planejada por ele, ocorre assim porque muda o tipo de recrutamento (a nomeação burocrática substitui a eleição "democrática"), sem que mude radicalmente a fonte do recrutamento: isto é, os mesmos partidos oligárquicos que haviam polarizado a cena política do fim do II Império até 1937 (PRP, PD, PC). Daí que a renovação de nomes no plano federal (havia nada menos de 18 indivíduos, quase metade da bancada, em sua primeira legislatura) não signifique a substituição dos grupos políticos na esfera estadual.
A idéia central é que, mais do que resultado do grande programa de "cooptação" federal, a elite política que reina no Estado Novo e a partir da qual se vai constituir a classe política da "democracia de 1946", é, de certa forma, produzida pelo regime para o regime. Daí que não se trate apenas, embora também, da transposição de integrantes da elite - indivíduos - de um campo político (oligárquico) para outro (autoritário), num primeiro momento, e, depois de 1945, da passagem desses mesmos indivíduos do campo autoritário para o democrático, mas da dominação, decapitação e assimilação das antigas elites a fim de produzir uma nova classe dirigente: processo esse que casa com aquilo que Gramsci designou por transformismo (GRAMSCI, 2002, p. 63).
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Recebido em 11 de maio de 2008. Aprovado em 30 de maio de 2008.
Adriano Codato (adriano[arroba]ufpr.br) é Doutor em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e professor de Ciência Política na Universidade Federal do Paraná (UFPR).
1 Sou grato pela leitura e pelas sugestões feitas por Sérgio Braga, Luiz Domingos e Bruno Bolognesi, do Núcleo de Pesquisa em Sociologia Política Brasileira da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
2 Uma referência clássica para o assunto é Black (1970).
3 Cf. Weber (1999, p. 544-560). Para um teste empírico dessa hipótese, ver o estudo coordenado por Best e Cotta (2000). Foi analisada a relação entre origem social e carreira política em onze países europeus no grande período que vai de 1848 a 2000.
4 O que significa dizer: a mudança da classe política não pode ser explicada somente como um reflexo da mudança na estrutura social. Para uma discussão ponderada desse ponto, ver Rodrigues (2006, p. 165-174).
5 Ver, em especial, os primeiros artigos: Poulantzas (1969) e Miliband (1970).
6 Assim, quando escrevo que a transformação dos perfis sociais das elites políticas estaduais é o efeito tanto das restrições impostas na cena política, quanto das instituições impostas pelo sistema estatal quero de fato dizer que ela é o efeito das duas coisas. Não há aqui uma prioridade lógica ou uma hierarquia fixa de causas, embora "historicamente" (isto é, nesse contexto específico), a primeira tenha acontecido cronologicamente antes (1930-1937) da segunda (de 1937 em diante).
7 Para a comparação, ver Love e Barickman (1991, p. 7). Para esses dados, ver Love (1983, p. 88-89).
8 Os dados referentes à Argentina são uma média ponderada de alguns momentos entre 1889-1946; os dados referentes aos EUA são para os anos 1877-1934; no caso do México, 1917-1940.
9 Santos (2000) demonstrou que de 1946 a 1998 o total de proprietários agrícolas somados aos empresários urbanos variou de um mínimo de 10,2% (1978) e um máximo de 37,2% (1990). No período "populista" a média ficou em 23,1% (cf. Santos, 2000, p. 84, Gráf. 5). Os percentuais foram determinados por mim, a partir dos dados do autor.
10 São eles: Hugo Borghi (Partido Trabalhista Brasileiro (PTB)) (banqueiro); Horácio Lafer (Partido Social-Democrático (PSD)); João Abdala (PSD); Machado Coelho (PSD); Paulo Nogueira Filho (União Democrática Nacional (UDN)) (industriais); César Costa (PSD); Martins Filho (PSD); Sampaio Vidal (PSD); Toledo Piza (UDN) (fazendeiros).
11 Os significados das siglas dos partidos são os seguintes: PRP: Partido Republicano Paulista; PD: Partido Democrático; PC: Partido Constitucionalista.
12 A relação completa de todos os bacharéis em Direito é a seguinte: Altino Arantes (PR); Alves Palma (PSD); Antônio Feliciano (PSD); Ataliba Nogueira (PSD); Aureliano Leite (UDN); Batista Pereira (PSD); Berto Condé (PTB); César Costa (PSD); Cirilo Júnior (PSD); Costa Neto (PSD); Euzébio Rocha (PTB); Gofredo Telles Jr. (PSD); Honório Monteiro (PSD); Horácio Lafer (PSD); José Armando (PSD); Machado Coelho (PSD); Manuel Vítor (PDC); Marcondes Filho (PTB); Mário Masagão (UDN); Martins Filho (PSD); Novelli Júnior (PSD); Paulo Nogueira Filho (UDN); Plínio Barreto (UDN); Romeu Fiori (PTB); Romeu Lourenção (UDN); Sampaio Vidal (PSD); Sílvio de Campos (PSD); Toledo Piza (UDN).
13 A respeito das faixas de idade dos constituintes por partidos na Assembléia Nacional Constituinte (ANC), cf. Braga (1998, v. I, p. 66, Tab. 9, p. 66). A agregação que fiz e as classes etárias que criei são, contudo, diferentes das do autor.
14 Desses 31 constituintes, não dispomos de informações seguras sobre a filiação partidária prévia de cinco deles: Lopes Ferraz e Martins Filho (do PSD-SP); Berto Condé, Euzébio Rocha e Hugo Borghi (do PTB-SP). Os dois últimos, além de Martins Filho, eram muito jovens quando assumiram a cadeira na ANC para terem pertencido às agremiações da oligarquia (ver a tabela 4).
15 Do PSD, Honório Monteiro (suplente; assumiu o mandato substituindo Gastão Vidigal quando este se tornou Ministro da Fazenda). Ele era professor universitário (catedrático de Direito Comercial da Faculdade de Direito de São Paulo) e ocupou apenas posições administrativas em instituições de ensino superior no estado durante o Estado Novo (BRAGA, 1998, p. 671-672).
16 Maria do Carmo Campello de Souza apresentou uma versão aproximada dessa idéia por meio de uma hipótese bastante conhecida: a política brasileira no período 1946-1964 e, em especial, a configuração do sistema partidário, estava condicionada por duas variáveis herdadas do período anterior: a ideologia autoritária dos círculos dirigentes autoritários (antiliberal, antidemocrática, antipartidária, antiparlamentar etc.) e a estrutura institucional do Estado Novo (centralização decisória, hipertrofia do poder Executivo etc.) (cf. Souza, 1990, p. 63-136).
17 Para chegar a essa cifra somei todos os secretários de estado dos três interventores (havia sete secretarias: Justiça, Fazenda e Tesouro, Viação e Obras Públicas, Educação e Saúde, Agricultura, Indústria e Comércio, Segurança Pública e a Secretaria de Governo), os próprios chefes do Executivo estadual, mais o Prefeito da capital, os Chefes do Departamento das Municipalidades (nomeados pelo Interventor).
Autor:
Adriano Codato
Professor de Ciência Política na Universidade Federal do Paraná e coordenador do Núcleo de Pesquisa em Sociologia Política Brasileira da mesma Universidade
Website: http://adrianocodato.blogspot.com/
Universidade Federal do Paraná
Núcleo de Pesquisa em Sociologia Política Brasileira
www.nusp.ufpr.br
Revista de Sociologia e Política, Editor
http://www.scielo.br/rsocp
Revista de Sociologia e Política v.16 n.30 Curitiba jun. 2008
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