Revolução ou revolta? (Um retorno a Albert Camus em seis pontos)

Enviado por Raymundo de Lima


  1. Parte I
  2. Parte II  
  3. Referências

"...foi que admiti para mim mesmo que aquele era um movimento revolucionário de esquerda cuja vitória eu simplesmente não desejava...O que realmente transformou o mundo foi a revolução cultural da década de 1960" Eric HOBSBAWM[1]

"Assim que você pensar que sabe como são realmente as coisas, descubra outra maneira de olhar para elas" (Do filme: Sociedade dos Poetas Mortos)

Parte I

1. Do ponto de vista histórico e existencial, diante das injustiças dos homens e das tragédias do mundo, os movimentos político-sociais se dividem entre duas atitudes de lutas: a revolta e a revolução. Por definição, a revolta se constitui um estado de espírito que é mais individual e subjetivo do que coletivo. "Ela é um conjunto perpétuo do homem e da sua própria obscuridade" (CAMUS, s.d., p. 69) [2]. A revolta é uma filosofia de vida e uma exigência estética, que toma consciência do absurdo e diz "não". Já a revolução[3] - que chegou a formar uma "cultura revolucionária", especialmente a marxista-leninista-guevarista -, se constitui numa ruptura necessariamente "explosiva"[4] com vistas ao projeto de transformação radical da organização da sociedade.

Para o revolucionário de esquerda[5] todas as injustiças e desigualdades têm como causa única as contradições concretas da sociedade capitalista, que precisam sofrer uma ruptura pela ação dos homens, dentro do processo histórico. O existencialismo de Albert Camus concebe um tipo de revoltado que entende a própria realidade como absurda. A sua linha de pensamento primeiramente toma como fonte inspiradora Prometeu e Sísifo, porque são exemplos clássicos de estilos arquetípicos de revolta do homem contra as imposições de uma realidade vivida existencialmente como injusta e absurda. Enquanto que Prometeu, pela sua ousadia sofre o castigo dos deuses, e não vê esperança de mudança na sua condição de dor e sofrimento, em Sísifo a esperança aparece no momento em que "ele toma consciência de sua tragédia e se revolta", analisa Camus.

Assim, no pensamento existencialista de Camus a revolta tem dois significados: o primeiro encara tal atitude como reação natural diante da experiência do absurdo da vida. Trata-se de uma revolta metafísica do homem contra a sua condição e toda a criação. Esta revolta implica tanto num gesto de repulsa contra o criador quanto num ceticismo diante das soluções demasiadamente humanas. O segundo sentido é a revolta política ou histórica, por exemplo, do escravo que aspira sair da sua condição precária e submetida de mera sobrevivência. A revolta política implica numa atitude de suspeita permanente e rejeição para com as soluções simplistas de salvação da humanidade presentes nos discursos políticos e ideológicos de inspiração revolucionária.

A revolta camusiana nasce não apenas do oprimido, enquanto indivíduo ou classe social, mas de qualquer ser humano que vive uma condição de humilhação e de sofrimento imposto por outrem. Enquanto que o revolucionário apenas reconhece a revolta de uma classe - proletária - o revoltado camusiano reconhece a revolta do sujeito consciente visto como impedido de viver uma vida digna e feliz.  

Portanto, a atitude permanente de revolta proposta por Camus é a alternativa para o simplismo e mesmo o fanatismo[6] de algumas tendências pró revolução política-ideológica, porque "a revolta é em última análise o protesto contra a injustiça e incompreensível condição humana" (BARRETO, 1970, p.70), que continuará se reproduzindo depois de uma eventual revolução redentora, que uma vez no poder jamais se propões fazer uma nova revolução sobre si própria. A história tem comprovado que, os revolucionários - de esquerda ou de direita -, uma vez no governo, suspendem seu compromisso e coragem de fazer autocrítica e sufocam todos aqueles que ousam criticar o novo sistema.

2. Assim como toda revolução tende a ser um acontecimento trágico onde a própria revolução devora os próprios revolucionários, também a revolta pode ser tomada pela loucura e fanatismo. Os atos terroristas, por exemplo, são movidos por espíritos revoltados insanos, que negam o valor da vida, lembrando o sentido filosófico dionisíaco proposto por Nietzsche. Como não há projeto de governo no terrorismo - ao contrário da organização ideológica revolucionária que se sustenta na "guerrilha" - ou do que é atualmente chamado de "insurgência" como resistência a ocupação norte-americana e inglesa no Iraque -; a verdade é que o terrorismo se constitui mais como "passagem ao ato" do que como acting out[7]. Ou seja, o terrorismo no mundo contemporâneo não deve ser visto como portador de um projeto revolucionário, primeiro porque ele é movido por grupos não representativos do coletivo, segundo, porque a ausência de um discurso teórico que argumente seus atos criminosos revela sintoma de irracionalismo.

"O terrorista não é irracional. Sua mente exerce uma racionalidade tão absoluta que ignora a piedade, o respeito, a confiança dos seres humanos "comuns". Ele só enxerga alvos e faz tabula rasa dos obstáculos (...). Ele é a sua própria lei sem desejo[8]" (ROMANO, 2006p. 39),


Página seguinte 



As opiniões expressas em todos os documentos publicados aqui neste site são de responsabilidade exclusiva dos autores e não de Monografias.com. O objetivo de Monografias.com é disponibilizar o conhecimento para toda a sua comunidade. É de responsabilidade de cada leitor o eventual uso que venha a fazer desta informação. Em qualquer caso é obrigatória a citação bibliográfica completa, incluindo o autor e o site Monografias.com.