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Primeira Dama, o que é? (página 2)

Isabel Amaral

A crescente relevância da Primeira Dama na vida pública justifica, por isso, a definição de um estatuto e a criação de um aparato (nos vários sentidos da palavra) que consinta, á mulher de um presidente, desempenharse das tarefas que lhe estão confiadas. A todas elas, é reconhecida, como não podia deixar de ser, uma posição de destaque no Protocolo de Estado. E, hoje em dia, todas dispõem de serviços pagos pelo erário público para as apoiarem no desempenho das tarefas que lhes estão confiadas.

A importância protocolar da Primeira Dama, legalmente estabelecida, estendese em Portugal «aos cônjuges das altas entidades públicas, ou a quem com elas viva em união de facto, desde que convidados para a cerimónia». Nesse caso, estabelece a Lei portuguesa das Precedências, sob o título «Equiparações», élhes «atribuído lugar equiparado ás mesmas, quando estejam a acompanhálos».

A este propósito, vale a pena recordar que no projecto inicial desta lei, dispunhase que os cônjuges das altas entidades tinham lugar equiparado ao seu, nas cerimónias públicas, mas não as podiam substituir nem representar. Era uma curiosa reiteração dos bons princípios, que, na prática, são muitas vezes contrariados. Pelo menos no que toca á Primeira Dama.

Com efeito, a Primeira Dama, quando comparece sozinha a um acto público, só ocupa nele uma posição de particular destaque, a principal posição, aliás, porque é mulher do presidente e está, na prática, a substituilo ou a representálo - posto essa substituição ou representação esteja terminantemente proibida por lei…

Por outro lado, nos termos da lei portuguesa, «a fim de prestar apoio ao cônjuge do Presidente da República no exercício das actividades oficiais que normalmente desenvolve, funciona no âmbito da Casa Civil [do Presidente] um Gabinete de Apoio» constituído por dois adjuntos e um secretário.

O mesmo sucede noutros países democráticos e republicanos - a começar pelos Estados Unidos, onde, no site oficial da presidência, a mulher do presidente é designada por Primeira Dama, como se fosse esse o título que, nos termos de uma lei aliás inexistente, devesse ser dada á mulher do presidente norteamericano. Ou do brasileiro, já no que site oficial da presidência da República federativa do Brasil a mulher do chefe do Estado é igualmente tratada por Primeira Dama.

Questão curiosa é a de saber que título será conferido ao marido de uma senhora que ascenda á presidência dos Estados Unidos: primeiro Senhor, primeiro Homem, primeiro Marido?

O caso pode ter bizarras implicações. Admitamos, por um momento, que Hillary Clinton é eleita, em Novembro próximo, presidente dos Estados Unidos. Seu marido, Bill Clinton, ocupará no protocolo lugar de particular destaque, ao lado da presidente. Ocupando esse lugar, terá precedência sobre outros antigos presidentes americanos, como Jimmy Carter e George Bush - que, nos termos das regras protocolares vigentes em Washington, deveriam passar á sua frente por razões de antiguidade no cargo.

Esta situação já aliás se verifica num país sulamericano, a Argentina, com o marido da actual presidente da Nação, o Sr. Nestor Kirchner, ele mesmo um antigo chefe de Estado. De acordo com as regras protocolares, os antigos presidentes argentinos ocupam a sexta posição na lista de precedências, por ordem de antiguidade Isto significa que, á sua frente, o Sr. Kirchner tem uma boa meia dúzia de ilustres antecessores no cargo. Mas, pelo facto de ser o marido da actual presidente (ou devo dizer presidenta?), passará á frente de todos eles.

Sucederá assim, já sucede, que a conjugalidade prevalecerá sobre todas as outras regras, cujo fundamento se deve encontrar nos princípios constitucionais de uma República democrática. O contrato nupcial terá precedência sobre o contrato político, celebrado em cada eleição entre governantes e governados, entre representantes e representados. Para os puristas, a situação pode parecer bizarra, senão absurda. Mas temos de reconhecer que é uma boa notícia para os adeptos do casamento e da família.

E, depois, há exemplos que podem iluminar o futuro primeiro Senhor, ou primeiro Homem, ou primeiro Marido, dos Estados Unidos. Ele poderá por exemplo inspirarse nos vários príncipes consortes da velha Europa - a começar pelo príncipe Filipe, duque de Edimburgo e marido da rainha Isabel II de Inglaterra. Menos recomendável é que siga o exemplo do príncipe Henrique, marido da rainha da Dinamarca.

De acordo com o protocolo dinamarquês, o príncipe consorte - o marido da Rainha - tem precedência sobre o príncipe herdeiro - o filho e sucessor da Rainha - até este ser maior de idade. Mas, quando o herdeiro da Coroa atinge a maioridade, é este quem substitui a rainha nas suas faltas e impedimentos. Ora, sucedeu que numa recepção de fim do ano, no Palácio real de Amalienborg, em Copenhaga, a rainha Margarida, estando doente, fezse substituir, como era de lei, pelo seu filho. O seu marido deu por paus e por pedras e, declarandose «humilhado», chegou a sair de casa. Numa entrevista a um jornal sensacionalista, explicouse: «Depois de tantos anos a exercer o papel de número 2 na Dinamarca, não me agrada tornarme subitamente o número 3!» E, comparando o seu estatuto ao estatuto da PrimeiraDama (o que, como vimos, não é inteiramente despropositado), declarou: «Na Dinamarca, o "Primeiro Homem" sou eu, não o meu filho» …

Há outros exemplos que podem iluminar Kirchner ou Clinton - como é o caso de Denis Thatcher, discreto e amável marido de Margaret, a famosa chefe do governo de Sua Majestade Britânica. Foi ele quem luminosamente definiu o papel do cônjuge de uma alta entidade pública, afirmando que este deve estar «always present, never there».

Não é porém provável que o Sr. Kirchner, ou o sr. Clinton, ou outro «primeiro senhor» qualquer, se disponham a seguir este sábio conselho.

Isabel Amaral Madrid, 28 de Fevereiro de 2007

(Palestra proferida por Isabel Amaral, na EIP -Escuela Internacional de Protocolo- em Madrid, Espanha, no dia 28 de Fevereiro de 2008).

 

 

Autor:

Isabel Amaral
apep_protocolo[arroba]yahoo.com
www.isabelamaral.com



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