Como fazer os Estados Unidos gozarem

Enviado por Alejandro del Carril


A partir do caso do massacre de Virgínia Tech, em sua relação com a "insegurança, o desamparo e o disciplinamento" que caracterizariam a sociedade norte-americana, o autor deste ensaio adverte que "os jovens assassinos, com seu "reality" violento, fazem gozar o grande Outro dos Estados Unidos". Este texto de Alejandro del Carril foi extraído do trabalho "El Otro que sí existe", publicado em julho na revista Psyché Navegante. A presente versão foi publicada no Página/12, 28-07-2007. A tradução é do Cepat.

A matança feita por um estudante na Universidade Virgínia Tech, em 16 de abril deste ano, pode servir para analisar algumas características do grande Outro da época que nos toca viver. Essa matança se inscreve numa série que vem se sucedendo nos últimos anos com epicentro nos Estados Unidos. Mas não só ali. De fato, uma aconteceu em nosso país. De qualquer modo, proponho analisar o que acontece nos Estados Unidos porque esse país é onde mais se multiplicou este fenômeno, que não carece de relação com o fato de que esse país representa o paradigma de sociedade em que se considera a civilização mais desenvolvida da cultura ocidental judaico-cristã; rege ali, como modelo socioeconômico, o que poderíamos chamar de democracia tecnocapitalista.

O homicida em questão era um jovem oriundo da Coréia do Sul, cuja família havia chegado aos Estados Unidos quando ele tinha oito anos de idade. Um mês antes do massacre havia comprado duas pistolas; havia filmado películas em que tentava dar conta de seus motivos para a matança e enviou o filme por correio a uma importante cadeia de televisão. Depois de matar 32 pessoas e ferir outras 19, suicidou-se.

O presidente George W. Bush se declarou "horrorizado" e disse: "As escolas deveriam ser lugares de segurança, refúgio e aprendizagem. Quando esse refúgio é violado, o impacto se sente em cada sala norte-americana e cada comunidade norte-americana". O horror do presidente é produto da constatação de algo que a série de matanças colocou sobre o tapete: o sistema educativo norte-americano produz insegurança, desamparo e sérias dificuldades para a aprendizagem. O que Bush disse, sem saber que o disse, é que o sistema educativo norte-americano é perigoso para seus próprios alunos.

Tomemos como exemplo algumas declarações do pediatra Fernando Polack, que mora nos Estados Unidos (entrevistado por José Ioskyn na revista eletrônica Psyché Navegante, n. 70): "A experiência mais difícil para os argentinos nos Estados Unidos é ser pai. A diferença de valores e costumes coloca em xeque as convicções mais sólidas e, se algo é para mim um orgulho, é ter sustentado os meus filhos através de anos duríssimos em Maryland. Digo isto porque o mais fácil é ceder, ser "convertido", e ver os resultados imediatos dessa manobra na aceitação social ou escolar. Passar de rebelde a bobo bom. Há muitos argentinos cujos filhos passaram anos em escolas de educação especial só por não se comportarem "tão bem" como deviam nas escolas norte-americanas. E os vi agradecerem essa decisão, porque finalmente deixavam de suspender o filho no jardim de infância, de telefonar constantemente para o trabalho para que fossem imediatamente buscá-lo porque estava chorando, de colocar a "falta de adaptação" de seus filhos ao sistema. Há um sorriso impessoal, terrível, na cultura norte-americana".

Continua Polack: "Nos Estados Unidos, o menino deve transformar-se num adulto desde que entra no jardim de infância. Se pertence aos setores mais cultos e ainda "progres", entrará desde os três anos numa carreira para chegar a Harvard; no resto da sociedade, a carreira será para ser um good citizen. Conheço gente que contratou "assessores" para que seu filho de três anos esteja, aos 18, nas melhores condições para competir por um lugar em Harvard, Hopkins ou Yale. Conheço gente que contratou uma instrutora chinesa para suas filhas de seis, quatro e dois anos, além de mandá-las pela tarde a um programa de imersão em linguagem chinesa para prepará-las para comerciarem com a China no futuro. Todas estas coisas não são nenhuma brincadeira quando se vive ali. O menino é um receptáculo vazio que deve ser enchido de informações. Esse é o dever dos pais. Uma hora perdida em jogo é uma hora a menos de informação. Os ingressos no primário se dão com aplicação prévia de entrevistas em que o menino se ostenta nomeando as luas de Júpiter ou os vulcões da Ásia, e cartas de recomendação fechadas escritas pelas professoras do jardim. Logo a escola publica um ranking de crianças de seis anos: aquela que ganhar é um winner e aquela que perder, um loser. E o loser sabe que as coisas são assim, porque "este é o sistema que nos fez o melhor país do mundo".


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