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Colecionismo de “fim-de-século” (página 2)

Agnelo de Souza Fedel

Abraham Moles e Eberhard Wahl[8], a partir de comentários sobre a função semiológica do objeto kitsch na sociedade, propõem uma aproximação desse objeto com a obra de arte, ou com uma espécie de "aura sacralizada e mitificada" desse elemento pela sociedade de massa:

"(...) na sociedade do kitsch existe todo um inferno de objeto "único"(ou de difusão restrita), em sua inutilidade ou excentricidade, todo um inferno do objeto de luxo, que, no fundo, sonha com o Faubourg Sant-Honoré.  Ou seja, sua originalidade forçada deve-se interpretar como um desafio de classes intelectuais marginais ás esferas "legítimas" dos privilegiados da sociedade industrial." [9]

            No caso dos objetos "desviados", os comentários de Moles e Wahl referem-se aos desvios que certos objetos sofrem de suas "funções primárias"[10], ou seja, por meio da crítica ao funcionalismo social dos objetos, o elemento kitsch subverte os valores "impostos" pela própria função primordial do objeto, transformando-o, agora, em "objeto único".  Isso pode significar, antes de um desvio, uma nova proposta de valor, uma nova criação de "aura":

"Os objetos desviados agradam por sua provocação, sua não legitimidade, reivin-dicando, mesmo que por desafio, em sua ilegitimidade, um valor absoluto.  Desafio aos modelos absolutos, são também um desafio aos objetos de série: querem-se absolutos em sua singularidade, conjuntura exata intelectual "fora de série". [11]

            Ora, o mesmo processo de criação de "auras" nas obras de arte discutido por Benjamin (assim como o processo de sua "destruição") se encontra no texto de Moles e Wahl.  é claro que estes dois tratam do kitsch como

"(...) uma secreção artística devida á venda de produtos em uma sociedade burguesa, de que as lojas se tornam com as gares, os verdadeiros templos"[12].

Mas também foram tratados assim os primeiros objetos artísticos, as primeiras obras de arte, ou até com a arte contemporânea, onde o ambiente de exposição nada diferiu ou difere das lojas de departamentos nas quais os objetos de arte são totalmente descartáveis.  E esses "tem-plos", tal qual o modo religioso e "aurático" proposto por Benjamin quanto ás obras de arte, seriam apenas os lugares "sagrados" para a divulgação (e distribuição) desses produtos kitsch.

No atual momento, chamado por alguns de pós-modernidade, as discussões sobre os pro-cessos "auráticos" alcançam discursos interessantes, subvertendo (senão invertendo) as concep-ções anteriores de Benjamin.  Por exemplo, segundo F. Jameson[13], essa chamada pós-moder-nidade

"(...) têm revelado um enorme fascínio justamente por essa paisagem "degradada" do brega e do kitsch, dos seriados de TV e da cultura do Reader"s Digest, dos anún-cios e dos motéis, dos Late Shows e dos filmes B hollywoodianos, da assim chamada paraliteratura - com seus bolsilivros de aeroporto e suas subcategorias do roma-nesco e do gótico, da biografia popular, histórias de mistério e assassinatos, ficção científica e romances de fantasia: todos esses materiais não são mais apenas "cita-dos", como poderia fazer um Joyce ou um Mahler, mas são incorporados á sua própria substância" [14].

            Na chamada pós-modernidade, os objetos com proposição "aurítica" são tão ovacionados quanto as obras de arte da alta cultura.  Estes objetos, quer sejam chamados de kitsch ou não, já possuem até locais onde são classificados e organizados de forma a constituírem coleções completas.  São as coleções caseiras, ou como colocariam Adorno e Horkheimer[15], coleções bur-guesas.

As "auras" das Coleções Caseiras

Colecionar algum objeto, sejam obras de arte, selos, automóveis antigos ou, até então times de futebol de botão, lembranças de festas, álbuns de figurinhas, papéis de carta ou qualquer outro objeto banal é, com certeza, uma prática antiga e ainda muito comum entre as pessoas de diversas faixas etárias[16].  Desde o início de sua convivência social, o homem vem demonstrando um desejo cada vez maior pelo colecionismo, prática muito em voga em séculos anteriores á Revolução Industrial, porém desenvolvido até as últimas conseqüências pela Indústria Cultural, particularmente no Século XX.

é conhecido que em séculos anteriores, mais precisamente a partir dos Séculos XV e XVI, quando as obras de arte começaram a ser reconhecidas e desenvolvidas pelos renascen-tistas, houve muitos nobres que iniciaram coleções particulares por causa do "frisson" da época em relação ás obras de certos artistas e seus novos conceitos estéticos.   Porém, no Século XX, o espírito de mecenato (o qual desapareceu por completo já no fim da Segunda Guerra Mundial) é deixado de lado e é substituído por um novo espírito, mais ligado á novos valores estéticos, psi-cológicos e, porquê não dizer, "auríticos" e míticos desses objetos.

Nesse caso, os colecionadores de objetos advindos da Indústria Cultural são um ótimo objeto de estudo, pois temos o surgimento de uma enormidade de mitos, símbolos e valores criados para sustentar tanto esse mercado como o grupo que dele surgiu e/ou dele fez surgir.

Partindo do ponto proposto por Morin, uma sociedade que valoriza também personagens de revistas em quadrinhos, times de futebol de botão, papéis de carta, cartazes de cinema e filmes em vídeo, não estaria contradizendo suas normas culturais, mas apenas enfatizando essas novas regras que surgem com novos esboços.

Esse chamado capitalismo tardio[17], do qual Jameson tratou como uma nova regra até mesmo para a produção estética, colocando-o como pano de fundo de uma nova concepção de arte, também faz surgir para um número de pessoas hobbies ou passatempos, conscientes ou inconscientes, que tem por pressuposto manter viva essa esfera cultural, ou seja, a criação de um processo de manutenção da história da cultura de massa.  Nesse caso, o papel do colecionador dessas "bugigangas" se presta, agora, para a criação de "auras" e para a manutenção de sua própria cultura ou valores simbólicos, imagéticos ou míticos, surgidos neste momento.

Nada tão diferente dos colecionadores de objetos de culturas indígenas, por exemplo, que detém um alto teor antropológico e histórico de tribos de outros continentes.  Objetos indígenas, tais como carrancas simbólicas ou vasos adornados com imagens míticas, cujos valores estéticos existem apenas porquê tornaram-se referência do modo de pensar de uma determinada sociedade.  No entanto, para os novos colecionadores (aqueles que guardam até mesmo miniaturas de Kinder Ovo) talvez ainda não esteja tão clara a finalidade de sua coleção, servindo muitas vezes apenas como objetos de projeção simbólica pessoal, prestes á criação de sua significação.

Segundo Gino Giacomini Filho[18], que procurou entender, por meio de várias teorias, qual a relação mercadológica no colecionismo, "a promoção de coleções encontra eco perante ás pessoas que buscam nesse hobby algo que complete sua rotina ou estilo de vida...", enfatizando ainda que, para as pessoas, as coleções possuem "a finalidade de atender á necessidades psicossociais" [19].  Utilizando-se de dois modelos teóricos, Giacomini aponta para os aspectos simbólicos como motivação para a aquisição de objetos:

"No Modelo Psicanalítico, as necessidades do homem operam em vários níveis de consciência que não são observadas a priori, pois são internas.  A implicação mais importante de marketing nesse modelo é de que os compradores são motivados tanto por aspectos simbólicos como funcionais do produto" [20].

E o

 "... Modelo Sociológico (...) considera importante a figura do heavy user, grupos que concentram maior intensidade de uso/consumo de certos produtos, podendo representar contingentes de colecionadores "fanáticos" e que formam acervos de grande dimensão" [21].

No entanto, o próprio Giacomini afirma que os vários conceitos sobre o colecionismo, advindos dos vários modelos teóricos, apresentam amplitudes diversas...

"... passando de teores leves e informais, como considerá-lo um tipo de entrete-nimento e passatempo descompromissado, até sentido pesado, identificando-o como obsessão ou neurose"[22].

Além disso, ele próprio nos mostra como o marketing e a publicidade se utilizam "desse desejo natural" para ampliar a aquisição por meio de atos colecionistas.  Por meio da apresentação de vários cases de marketing com o uso de "objetos colecionáveis", Giacomini aponta que

"Havia (nos anúncios) sempre uma mistura de realidade e ficção; ou seja, uma atmosfera lúdica, compatível com a necessidade de captar a atenção e o interesse da garotada.  Constatou-se, também, o direcionamento da narrativa em construir uma história, com começo, meio e fim" [23].

O processo de aquisição de objetos para fins colecionistas nos parece, também, muito relacionado com processos de criação de narrativas sobre o material colecionável.  Da mesma maneira que as obras de arte possuem uma "história" que atestam sua criação e sua própria existência, os objetos da Indústria Cultural também necessitam possuir uma narrativa que lhes confira um "corpo", uma "alma" e uma "aura".

Isso parece, novamente, subverter o quadro de Benjamin sobre as obras de arte.  Enquanto que os processos de reprodução em série de uma obra de arte "única" lhe "destrói" a "aura", aproximando-as da massa; para os novos colecionadores essas próprias reproduções lhes confe-rem determinado poder para desenvolverem processos "auríticos" para seus objetos colecioná-veis, tratando-os como verdadeiras e legítimas, mas distantes obras-primas da Indústria Cultural, destinando-lhes até mesmo "lugares sagrados", tal como as próprias obras de arte.

Revistas em Quadrinhos e seus colecionadores

Algumas das categorias de coleção, muito em voga atualmente entre jovens, adoles-centes e até adultos são as de revistas de H.Q., ou gibis, na linguagem mais vulgar.  As histórias, personagens e estruturas desse meio de comunicação de massa alcançaram, a partir da década de oitenta nos Estados Unidos um status mais arrojado, mais próximo de uma concepção de Arte.  é sabido que na Europa (particularmente na França, Itália, Espanha e Portugal) algumas histórias em quadrinhos já possuiam altos teores artísticos desde a década de sessenta.  Só para citar algumas delas tais como Corto Maltese, do italiano Hugo Pratt; Valentina, do também italiano Guido Crepax; A Saga de Xam, de Nicolas Devil; Barbarella, do francês Jean-Claude Forest, entre muitas outras, que por meio de temas mais adultos chegaram próximas ao experimentalismo dentro da linguagem dos quadrinhos, ampliando as discussões semiológicas sobre a sua utilização.  Nos Estados Unidos, também nessa época, surgiram os quadrinhos undergrounds, com Robert Crumb á frente do movimento. é claro que essa concepção de Arte para as H.Q.s ainda está dividida entre a definição de quadrinhos enquanto obra estética, com conceitos e conteúdos estéticos e um simples produto de mercado, esse último, então, "mascarado" pela indústria norte-americana por meio da deformação desses próprios objetos (mitificação).

Ainda não podemos, também, julgar apenas baseados na proposta de um mercado prestidigitador, que promove uma semiurgia[24] nas formas desse meio de comunicação.  Há, pelo menos, três décadas que vários estudiosos, entre eles estetas, lingüístas, semiólogos e semio-ticistas[25], promovem uma tour de force para apontar as qualidades estéticas das H.Q.s por meio de estudos de suas estruturas.

No Brasil, assim como em outros países, desde a década de sessenta, já existem diversas publicações que desenvolvem teses em diversas áreas que tratam do fenômeno das histórias em quadrinhos.  Na França, Itália e Estados Unidos particularmente, vários autores desenvolveram estudos sobre a importância dos quadrinhos na sociedade atual.  No entanto, poucos deles apresentaram estudos baseados no desenvolvimento mítico e mercadológico (como se agora pudéssemos dissociá-los) desse objeto.  O ensaista e semioticista Umberto Eco foi um dos que procurou desmitificar o fenômeno.  Em seu texto O Mito do Superman[26], Eco desenvolve estudo baseado na sua própria concepção que faz dos meios de comunicação de massa, os quais ele divide entre apocalípticos e integrados.  No entanto, ele toca muito pouco na questão do desenvolvimento do mercado, particularmente, do mercado dos colecionadores de revistas em quadrinhos, foco deste capítulo.  Outros autores acabam partindo apenas para argüições teóricas sobre estética, lingüística e semiologia.  Nada de desmitificador tem surgido nessa área (fora alguns textos críticos com bons argumentos baseados em teorias psicológicas, psicanalíticas e mercadológicas).

Sob as bandeiras da Globalização e da pós-modernidade muita coisa está mudando no mercado das H.Q.s.  As grandes editoras norte-americanas começam a sentir essa mudança, na qual até as maiores delas sentiram de perto o fim.  Com esse novo desenvolvimento do mercado está sendo preciso também mudar as estratégias para ampliar a atuação dessas editoras.  Nesse caso a estratégia, que não é tão nova como já se sabe, é a de criar e desenvolver novos mitos, agora mais avançados e estruturalmente mais complexos.

Uma Tríade Mítica

Já podemos considerar personagens de Histórias em Quadrinhos, como Super-Homem, Homem Aranha, Tintin, Mickey e outros, mitos modernos oriundos dos gibis.  As estruturas de suas histórias justificam esse processo mitificador: heróis ou super-heróis que nascem em outros planetas e que desenvolvem super-poderes em nosso planeta para salvá-lo; ou que por um desejo de vingança iniciam uma escalada de redenção e salvação entre os simples mortais, enfim, uma série de narrativas semelhantes ás dos grandes heróis clássicos, reais ou ficcionais.  Esse processo mitificador já é bem conhecido desde os grande heróis gregos, mas desenvolvido ás últimas conseqüências pela literatura folhetinesca do Séc. XIX[27], pelo cinema, pelas histórias em quadrinhos, enfim, pela cultura industrial de massa.

No caso das H.Q.s que, como já foi descrito, encontra-se em crise de mercado, o mo-mento urge de se reciclar, criar e até desenvolver novos mitos.  Mas parece que o mercado, além de acordar para o esgotamento dos velhos mitos, também reconhece o esgotamento dos proces-sos de mitificação, muito mais mortais para a indústria do que o reconhecimento do fim dos mitos de massa.  Não que haja um reconhecimento dos objetos deformados em mitos, como num momento de consciência da massa em relação ao processo, mas apenas um esvaziamento (como se já não fosse vazio) desse sentido mítico.

Para a indústria norte-americana de revistas em quadrinhos seria morte certa se não fossem criados novos processos dentro e a partir dos mitos originalmente criados.  Um dos exemplos já clássicos desse processo surge na década de oitenta com a criação dos chamados "quadrinhos de autor".  Nessa época, particularmente em 1987, surge Batman, O Cavaleiro das Trevas, de Frank Miller[28], um quadrinhista até então maldito entre seus pares.  Com essa obra, Miller, a DC Comics (editora detentora dos direitos da personagem e da história) e, principal-mente, o próprio mercado de H.Q.s no mundo sofrem uma grande mudança, chamada mais tarde de uma nova Era de Ouro dos quadrinhos norte-americano (esse termo se dá por causa da relação oferta/procura de gibis no mercado - termo explicitamente mercantilista e capitalista).

Uma nova concepção de quadrinhos nasce no mercado norte-americano, então, com temas já muito utilizados pelos autores europeus desde os anos 60, tais como crises de cons-ciência, crises sociais, etc., mas ainda com muito toque mitificador, afastando os problemas reais de seus leitores.  As histórias dos quadrinhos norte-americanos dessa época não eram mais baseadas apenas em seus personagens, mas sim em mais dois outros termos: seus autores (desenhistas, escritores, coloristas, capistas, etc) e no próprio veículo, ou seja, a própria revista de histórias em quadrinhos enquanto produto.  Para os colecionadores, particularmente, se determinava a partir do desenvolvimento desses novos mitos uma época de glória, com a total valorização do objeto.  Nesse instante é desenvolvida uma tríade mítica no mercado das H.Q.s:

1) as personagens ainda enquanto mitos modernos, porém fluidos, voláteis, dependentes de sua história narrativa ficcional e da aceitação de um público que, segundo Morin, já num estado de neurose de massa, que mesmo compartimentada em segmentos de mercado determina como objetos de rituais do entretenimento;

2) os autores "da moda", sejam escritores, desenhistas, capistas, etc, que tornaram-se parte desse mercado agora como objetos de adoração mítica.  Uma personagem, por exemplo, acaba sendo valorizada por ter sido desenhada ou escrita por um determinado artista, cujo "passe" aumenta de valor a cada crescida no mercado.  Revistas especializadas no mercado de comic books, tais como a Wizard[29] norte-americana chegam a contribuir com o avanço do mito do artista de H.Q.s destinando páginas e mais páginas com entrevistas, biografias e até fofocas do meio,

3) e, por fim, as próprias revistas de H.Q.s (gibis ou Comic Books) que a partir da década de oitenta, junto com a valorização dos outros dois elementos da tríade, ganharam "vida nova" na qual a valorização do objeto, seja por causa dos seus artistas, dos seus personagens, ou até mesmo por causa da "antiguidade" da revista de H.Q[30] torna-se o elemento mítico por excelência.  Os colecionadores e o mercado, nesse caso, transformam esse objeto banal em um proveitoso e, porque não dizer, rentável "negócio", no qual são negociadas edições raras, já desaparecidas até mesmo dos catálogos das editoras.

Para este último caso, o qual sabemos que não é por sí só um fato surgido apenas na década de oitenta, mas que, por causa da modernização da indústria gráfica, que contribuiu para o aumento das tiragens, foram criadas várias estratégias de comunicação e marketing que super valorizam as próprias revistas de H.Q.s.  Entre as várias estratégias está a confecção de vários primeiros números de uma mesma publicação, com tiragens limitadas (o que garante maior procura), além de publicações especiais, juntando personagens e autores "da moda".

Também a novelização das histórias, ou seja, o caráter folhetinesco[31] o qual promove a divisão das histórias em capítulos, muitas com duração de quase um ano, pode desenvolver no colecionador novos desejos e, é claro, compelindo-o a sua compra.  Enfim, são várias as formas de fazer com que se crie o desejo de colecionar, até mesmo com a produção de outros objetos, tais como card-games (baralhos que são colecionáveis como se fossem figurinhas); miniaturas de bonecos das personagens; produção de filmes para o cinema e seriados para a televisão, poste-riormente também com outros produtos de mershandising, etc.  O termo "colecionável" também é um dos mais usados nesses casos.  "Colecionar" algum título ou alguns títulos garante para as editoras uma procura bem maior.  A questão que surge agora é: o que realmente desejam os colecionadores de gibis?  Sabemos que essas revistas são mercadorias (e baratas, até certo ponto), no entanto a super valorização de determinados números ou títulos de revistas de H.Q.s promove uma transformação no mercado.

Voltando ás discussões do início deste texto desenvolvidas por Morin sobre "alta cultura" e "mass culture", esses novos símbolos, mitos e imagens não constituiriam, então, uma nova cultura dentro da sociedade?  Partindo do Modelo Sociológico, a partir do pressuposto de uma sociedade capitalista, a qual sugere reproduções[32] dessas forças de consumo como se fossem forças simbólicas, mesmo que diferenciadas ou segmentadas, esses "valores" serão justificados sob a forma de símbolos "tribais"[33] os quais, doravante, se transformarão em elementos culturais, sugerindo unidade de grupo, o que não passará de uma "unidade ideológica estrutural" [34].

O vínculo dos colecionadores com seus objetos de desejo (relação especular) poderia criar certa neurose[35] frente á realidade apresentada.  Assim, a sugestão de uma nova realidade contribui com, não apenas, a geração de certo conformismo, mas também com um objeto de fuga dos problemas apresentados pela realidade.

Minha sugestão é que, particularmente, os colecionadores de revistas de H.Qs são um dos grupos que encontram-se num processo muito parecido com neurose.  Isso se dá, princi-palmente, por causa das características míticas básicas das H.Qs, ou seja, por causa dos universos[36] míticos "naturalmente" criados por essas H.Qs e, porquê não, seu próprio mer-cado.  O universo das personagens, o universo dos artistas e o universo das próprias revistas (tríade mítica) poderão ser cortejados pelos colecionadores como elementos de uma estética e cultura própria de sua tribo e ou grupo social.  Ora, ideologicamente nada disso é justificado, a não ser por uma ideologia que esteja fora desses universos, tal como a ideologia da publicidade e do marketing, manipulando, tal como deuses gregos, os "destinos" daqueles que encontram-se nos três ambientes; dentro de um quarto universo/ambiente mais próximo da realidade, ou seja, o ambiente mercadológico.

Desenvolvendo Mitos Colecionistas

Em "Mitologias", particularmente no capítulo O Mito, Hoje[37], R. Barthes tenta nos responder o que seria um mito na sociedade atual.  O autor nos deixa claro que não procurou dar ou desenvolver um significado para a palavra Mito, mas sim, definir coisas e não palavras[38].  Para ele, o mito é uma fala e não uma fala qualquer, mas sim um sistema de comunicação, uma mensagem.  Partindo dessa proposta, Barthes desenvolve toda uma tese baseada no sistema semiológico saussuriano[39] (de Ferdinand de Saussure) na qual a origem é a lingüística e o dis-curso.  A base da estrutura dessa lingüística é o signo, o qual, por sua vez é parte e resultado de uma relação triádica entre Significante (forma) e Significado (conteúdo).  Para Barthes, o mito se forma por meio do significante, ou seja, pela forma do objeto, a qual, por sua vez, apresenta um novo conteúdo e um novo signo que não os originais.  Isso só pode acontecer por meio de um discurso formalizador e mitificador.

Ora, dessa maneira, nos parece que a proposta de qualquer colecionador, quer seja de obras clássicas de arte, quer seja de objetos ínfimos, banais, tais como papéis de carta ou times de Futebol de Botão, não passa de mitificação que sofre o mesmo processo lingüístico (ou de discurso) proposto por Barthes.  Nesses casos, os conteúdos originais são esquecidos e agora a forma, já mítica, rege a nova estrutura sígnica, ou seja, de representação e significação desses objetos.

As Histórias em Quadrinhos e as Revistas em Quadrinhos

Duas diferenças básicas devem ser expostas: a primeira é a definição de História-em-Quadrinhos (H.Q.), ou como foi chamada nos EUA, "Comics", dado o seu caráter inicialmente cômico, e a outra é a de "Comic Books", ou sejam, as Revistas em Quadrinhos.  A primeira se baseia, basicamente, na linguagem criada pela H.Q., a qual está vinculada á forma de leitura e códigos apresentados; a segunda no meio de comunicação que veicula esse conteúdo.

Suas orígens podem ser colocadas nas próprias inscrições e desenhos nas cavernas dos homens pré-históricos, passando pelos hieróglifos egípcios, pelas Iluminuras e vitrais medievais até aos livros ilustrados do Séc. XIX.

No entanto, o ano de nascimento das H.Q.s, por convenção, foi estipulado pelos norte-americanos em 1894, quando do surgimento de "Yellow Kid", personagem criado por Richard Felton Outcault para o jornal New York World.  Esta personagem acabou transformando-se numa das principais atrações do periódico e um dos primeiros materiais quadrinhísticos a ser utilizado como estratégia diferencial de concorrência das empresas jornalísticas.  A partir daí o desenvolvimento das H.Q.s no meio gráfico e comercial foi enorme.  Porém, até a década de 30, as H.Q.s ficaram presas ao meio jornalístico, já como um subproduto dessa indústria.

Em 1933, por uma estratégia da empresa Procter & Gambler, Max C. Gaines projetou a primeira revista de H.Q. do mundo.  Em formato 8" X 11", impressa em cores, a revista era distribuída gratuitamente entre as pessoas que enviavam cupons recortados das embalagens dos produtos alimentícios da P & G.  Os primeiros dez mil exemplares da revista Funnies on Parade, como foi chamada, esgotaram-se rapidamente iniciando uma nova "era" na história das H.Q.s, inicialmente vinculados a grandes patrocinadores como Milk-O-Malt, Canada Dry, Kinney Shoes e outros durante toda a década.  Nascem, assim, os "Comic Books", ou sejam, os "Gibis", as revistas de H.Q.s, que nas décadas seguintes tornaram-se um forte Meio de Comunicação de Massa (MCM), já quase totalmente desvinculado dos jornais.

Mercado Norte-Americano

Quando estudamos produtos industrializados não podemos, é claro, deixar de falar dos Estados Unidos da América, um país que determinou como seu principal instrumento de manutenção de poder de mercado a propaganda e diversas estratégias de marketing criadas para isso.

"Donos" da criação dos "Comic Books", os EUA são, ainda hoje, um dos maiores consumidores de revistas em quadrinhos do mundo.  Segundo a revista Wizard norte-americana, especializada no mercado de H.Q.s, já são cerca de 150 títulos publicados pelas quatro principais editoras: Marvel Comics, DC Comics, Dark Horse e Image Comics, sendo que algumas dessas edições já chegaram a ultrapassar, em vendas, a casa dos 10 milhões de cópias, somente no mercado interno.

Verificam-se, contudo, várias estratégias utilizadas para atingir um mercado de consumidores de "Comic Books" muito diversificado.  A principal linha desse produto (revistas em quadrinhos) nos EUA é a de super-heróis.  Personagens que nas décadas de 30, 40, 50 e 60 eram dirigidos para crianças e adolescentes (entre 9 e 17 anos), tais como Batman, Super-Homem, Homem-Aranha, Capitão América e outros começaram a ser reformulados já no final da década de 70 nos EUA, enquanto que na Europa e no resto do Mundo a produção de Histórias em Quadrinhos alcança índices jamais atingidos.  As histórias passaram a ter maior consistência, os desenhos e a produção gráfica conheceram um esmero que justificou os "Comics" serem chamados de A 9a Arte no mundo todo.

Já nessa época, a indústria norte-americana de "Comics" havia criado linhas de pro-dução e constituído as profissões de desenhista, roteirista, arte-finalista, colorista e até capista (especializados em desenhar e colorir as capas das revistas).  Na década de 40, quando os EUA já haviam conhecido um "Boom" dos "Comic Books", foram registrados, em alguns casos, números que alcançavam a casa dos 40 milhões de exemplares vendidos, que por razões político-ideológicas (por força do macartismo, principalmente), esses números foram reduzidos drasticamente entre 1950 e 1970.  Com um pouco mais de liberdade e descobrindo um novo mercado (os públicos jovem e adulto), já na década de 80, nos EUA, começaram a surgir revistas com antigos personagens totalmente reformulados.

A publicação de The Dark Knight Returns (Batman - O Cavaleiro das Trevas), desenhado e roteirizado por Frank Miller em 1986 foi um marco mercadológico.  Totalmente reformulado, o agora sessentão Homem-Morcego deu um novo impulso no mercado dos "Comic Books", inaugurando uma nova linha de produtos, baseada em Mini Séries e, depois, nos mais variados subprodutos diferenciais, tais como Card-Games, bonecos em miniaturas das personagens e o surgimento dos Comic Books Stores, com os quais, em termos de logística, a distribuição, a divulgação e a manutenção desses produtos transformaram-se num outro mercado paralelo.

Podemos afirmar isso com base no que tem acontecido nos EUA, por exemplo, com uma das maiores (senão a maior) editoras do setor: a Marvel Comics, já transformada em Marvel Entertainment.  Fugindo das especulações de um suposto "mercado futuro" criado por estes "comic shops", os quais apostaram na super valorização que algumas revistas teriam entre os colecionadores, e da concorrência direta de uma nova editora no mercado: a Image Comics, que conseguiu uma grande parcela do mercado com desenhos e histórias de alto nível produzidas por ex-artistas da própria Marvel, a editora adquiriu, em 1996, uma pequena distribuidora para seus títulos. O fato causou grande desestabilidade no mercado dos "Comic Shops", dando início a uma crise que culminou com a concordata da própria Marvel.

Contudo, durante o período áureo (1980-94) vimos o surgimento de um grande mercado, ou mercados, dos "Comic Books".  Após The Dark Knight Returns, a DC Comics publica, em 1987, o que foi considerada a obra-prima dos quadrinhos: Watchmen, de Alan Moore e Dave Gibbons, decidindo, assim, o mercado das Grafics Novels, ou "Novelas Gráficas", para o público adulto.  Além disso, em 1989, em comemoração aos seus cinqüenta anos, surge o primeiro filme de Batman, produzido e distribuído pela Warner Bros., do grupo Time-Warner, atual proprietária da DC.

Brinquedos, card-games, camisetas, fitas de vídeo, CD"s e mais "Comic Books" sobre o personagem, então cinqüentão, deram novo impulso ao mercado.  Estratégias para atingir mercados internacionais fizeram com que por todo o planeta se comemorasse esse aniversário.  Outras editoras seguiram pelo mesmo caminho criando diversos outros subprodutos.  Outros filmes para o cinema baseados em personagens dos quadrinhos, uns com relativo sucesso, outros nem sequer alcançaram um décimo do resultado esperado.

Outro dos maiores exemplos de grandes estratégias de marketing para o aumento de vendas foi realizada novamente pela editora norte-americana DC Comics para a linha de revistas do Super-Homem em 1993.  Por meio de uma ampla divulgação na mídia, a revista Superman no 75 tornou-se o "Comic Book" mais vendido da história dos quadrinhos, no qual foi publicada a morte do Super-Homem.  Foram mais de 10 milhões de cópias vendidas só no mês de seu lançamento (janeiro de 1993).

Com essa revista, a DC reagiu fortemente num mercado na qual estava prestes a se tornar a terceira maior editora norte-americana, pois estava sendo ultrapassada, em vendas, pela  Image Comics.  Além disso, a editora produziu seis tiragens da edição, uma das quais para os colecionadores.  Essa edição especial trazia, como brindes, um pôster mostrando o funeral do Super-Homem, selos e até uma braçadeira de luto, igual a que foi usada por muitos dos heróis da editora nas cenas do enterro.  Por quase um ano, os leitores acompanharam a saga da morte, do luto e da ressurreição do herói.

Outros personagens, tanto da própria DC, como da Marvel Comics, seguiram passos semelhantes: Batman fica paralítico e é substituído por um maníaco e o Homem-Aranha descobre que é apenas um clone dele mesmo (!?).  Esse tipo de estratégia já havia sido utili-zada pela própria DC no meio da década de 80, com uma história na qual cruzou todos os seus personagens - Crise nas Infinitas Terras.  Essa saga acabou com vários personagens clássicos da editora, como The Flash e Supergirl.  Nessa mesma linha, a Marvel também criou sua saga:  As Guerras Secretas.

Com um mercado superaquecido por essas estratégias de concorrência, os Comic Books Stores se tornaram o ponto crucial para o negócio.  Verdadeiros centros de compra, troca e venda, esses "Shops" foram o centro real de logística para esse mercado.  A concor-rência acirrada entre as editoras fez com que novos personagens surgissem não somente nas revistas de H.Q., mas também já com seus subprodutos já acertados com empresas de outros setores, como os de brinquedos e de vídeo, que também passaram a ser distribuídos pelos "Shops".  Dessa maneira, podemos dizer que a principal estratégia é a atual diversificação de produtos baseados em personagens de sucesso no mundo dos "Comic Books" e a distribuição desse material e a reformulação de personagens.

Mercado Brasileiro

Da mesma forma que nos EUA, o Brasil conheceu os primeiros quadrinhos por meio dos jornais.  O primeiro foi O Malho, que em 1905 publicou a primeira revista infantil de quadrinhos (ainda não era em formato de Comic Book): O Tico-Tico.  A maior parte, para não dizer, quase a totalidade do material impresso era "de fora", ou melhor, dos EUA particularmente.  A concorrência entre os jornais fez com que, entre as décadas de 20 e 30, jornais como a Gazeta e o Globo e a editora Brasil-América (Ebal), de Adolfo Aizen, criassem suplementos com material adquirido por um competente sistema de distribuição criado pelos norte-americanos: os Syndicates, nome dado ás distribuidoras de tiras e histórias em quadrinhos dos EUA, que detiam os direitos autorais de diversos personagens.  Por exemplo, a King Features Syndicate, "proprietária" de vários personagens conhecidos, como Flash Gordon, Jim das Selvas, Tarzan, etc. distribuía para jornais do mundo todo as mesmas tiras de histórias já publicadas pelos jornais norte-americanos.  Essa estratégia, ainda hoje, reduz em mais de oitenta por cento o custo de uma história em quadrinhos, que necessita de pelo menos uma equipe para sua produção.

Por causa disso, até o final da década de 30, os brasileiros conheceram poucos perso-nagens estritamente nacionais.  Na década de 40 surgiram no Brasil as primeiras revistas de quadrinhos nos moldes dos "Comic Books", já com textos e desenhos de artistas nacionais.  As Edições Maravilhosas, da Ebal, foram um marco desse período, nas quais eram quadrinizadas obras literárias brasileiras, como O Guarani, de José de Alencar, por exemplo.

Entre as décadas de 40 e 50 surgiram várias revistas baseadas em personagens do rádio e do cinema nacional.  Grande Otelo e Oscarito, Mazzaropi e outros foram os títulos surgidos com o sucesso desses artistas no cinema nacional.

Em 1950 surge a primeira revista da hoje considerada a maior editora da América Latina: O Pato Donald, da Editora Abril de Victor Civita, que adquiriu os direitos de publicação de histórias com personagens de Walt Disney.  Com um forte esquema de distri-buição e promoção, Civita transformou os já conhecidos personagens Disney em grandes sucessos editoriais.

Em decorrência disso, a Ebal e outras editoras que nasceram e morreram nas décadas de 50 e 60, também adquiriram direitos de personagens de outras editoras norte-americanas.  A Ebal publicou, durante anos, os super-heróis da Marvel e da DC, perdendo seus direitos somente nas décadas de 70 e 80 para a Bloch Editores, a Rio Gráfica Editora e, enfim, para a Editora Abril, respectivamente.

A principal marca da Ebal eram as variedades dos seus títulos (quase 50 em 1960, o que já era superior a maioria das outras editoras) e a distribuição em nível nacional.  Suas revistas, ainda hoje, são itens indispensáveis entre os colecionadores, público cada vez maior entre os brasileiros.

Na década de 80, a Ed. Abril, que já possuia vários títulos infantis, como Disney e Maurício de Sousa (também dono de um dos maiores sucessos editoriais e empresariais do país, império criado com a ajuda da concepção de diversos subprodutos baseados nas personagens Mônica e Cia.), ampliou suas publicações, relançando personagens da DC e da Marvel.  Além disso, acompanhando o sucesso norte-americano dos "Comic Books" e de to-dos os diferenciais que nasciam na medida em que o mercado crescia, a Abril, já transformada num grande conglomerado empresarial, criou a Abril Vídeo e acrescentou em seus produtos desenhos animados.  Assim como as personagens Disney, outras surgiram nesse esteio como Homem-Aranha, Batman, etc., que surgiram nas TVs norte-americanas e que agora já se encontram em vídeo home.

Num mercado de quadrinhos já globalizado, no qual vimos a repetição do sucesso de personagens dos "Comic Books" norte-americanos pelo mundo, no Brasil algo bastante similar também aconteceu.  Na década de 90 vimos, no eixo Rio-São Paulo, o nascimento e o cres-cimento dos Comic Books Stores; o surgimento de exposições, mostras, concursos, e até de diversos fã-clubes que apontaram o culto e o grande mercado brasileiro ascendente.  Isso foi comprovado quando, em 1996, o Brasil foi considerado pela Marvel Comics o seu segundo maior mercado no mundo.

Já na década de 80 outras editoras, como a Sampa Editorial, surgiram publicando e distribuindo histórias com personagens nacionais e importados, aproveitando sistemas de distribuição já montadas pelas grandes editoras, principalmente a Abril Jovem.  Distribuidoras como Fernando Chinaglia e Dinap lotaram-se de vários títulos de muitas novas editoras apontando, novamente, o sistema de distribuição como um dos principais instrumentos de marketing editorial.

O mercado inflamou-se, também, quando começaram a surgir nas bancas de jornais uma variedade de revistas especializadas em quadrinhos, que com o apoio das novas tecnologias gráficas chegaram ao mercado como alternativas de difusão dos mais variados produtos, que já abrange uma infinidade de setores industriais.

Assim, vimos que, como nos EUA, o Brasil também já conhece um novo "Boom" dos quadrinhos. Tanto que essa ampliação de mercado e o surgimento de novas editoras com títulos próprios fez com que as duas maiores editoras, a Abril e a Editora Globo (atualmente com 6 títulos no mercado) pressionassem as distribuidoras, principalmente a Dinap, para que trabalhassem apenas com seus títulos e umas poucas outras editoras já firmadas.  Esse tipo de "estratégia desesperada" aponta o quão esse mercado se encontra sensível e aberto e o quanto é competitivo e ainda há para ser explorado.

Mercado Abrangente

Poderemos dividir o mercado entre consumidores ocasionais, cujo consumo de revistas em quadrinhos se dá por ocasiões muito específicas e que qualquer cálculo se mostraria ineficiente; consumidores naturais, uma faixa que abrange uma grande parte de crianças e adolescentes que compram o Gibi como material de lazer apenas, e os aficcionados pelos quadrinhos, os quais encontraríamos entre os colecionadores, mercado que se mostra cada vez maior a cada estratégia oferecida pelas editoras.

O Diretório dos Colecionadores de H.Q., publicado por Jan Hendriks e que já se encontra em sua 14a edição, revelou pelo menos cerca de 680 colecionadores sérios em todo o Brasil.  Outros pesquisadores já acreditam que esse número não alcance um décimo da realidade e que o número pode ser bem maior do que o registrado.  Isso aponta um mercado estável e cada vez mais crescente, dado o aumento dessas publicações.

Esse mercado de colecionadores de Revistas em Quadrinhos contribui com o desenvol-vimento e com uma nova relação produto/preço.  Outras revistas em quadrinhos não ficam muito atrás: a primeira revista do primeiro grupo oficial da Marvel Comics - The Fantastic Four - lançada em 1961, já chegou á US$ 16.000,00 (dezesseis mil dólares).  No Brasil, algumas publicações, segundo a Wizard brasileira - guia sobre quadrinhos da Editora Globo, como a revista Batman no.1, primeira série, publicada pela Ebal em 1954, alcançou o valor máximo de R$ 3.000,00 (três mil reais), enquanto outras caminham para o mesmo patamar, conforme a data de publicação e o estado de conservação das mesmas.

Por outro lado, uma pesquisa realizada pela McCann-Erickson do Brasil em 1995, que apontou comportamentos de crianças na faixa dos 8 aos 13 anos de idade, mostrou algumas particularidades interessantes nas novas gerações.  Por exemplo, o atual poder e a decisão de compra entre crianças na faixa etária dos 10 e 13 anos aumentou vertiginosamente em relação á geração anterior.  Muitas das crianças pesquisadas ganham "mesadas" ou algum dinheiro extra com trabalhos caseiros e gastam muito com produtos para o seu lazer, principalmente vídeo-games e "gibis".

Observando alguns dos Comic Books Stores de São Paulo, percebí a grande quantidade de crianças que, sozinhas, decidem suas compras, principalmente por materiais de RPG (Roler Play Games), que muitas vezes unem heróis dos quadrinhos em jogos de estratégia, o que já aproxima esse público das H.Q.s.  Essa pesquisa ainda fornece a informação de que, com a permanência cada vez menor dos pais em casa, e com a cultura dos Shopping Centers, onde esses pais podem deixar seus filhos sozinhos sem algum perigo aparente, essas crianças acabam decidindo suas compras, principalmente suas revistas em quadrinhos.

Orlando Miranda, em seu livro Tio Patinhas e os Mitos da Comunicação, publicado em 1976 levantou uma série de pesquisas.  Nelas foram apontados alguns resultados: dos que lêem H.Q. 85,7% eram crianças de 9 a 12 anos; 80,0% estavam entre adolescentes de 13 a 19 anos; 67,9% entre jovens de 19 a 30 anos, e 36,1% entre adultos com mais de 30 anos.

Como já foi mostrado anteriormente, nos parece que esses números já estão bem defasados, principalmente no que tange aos adultos, que a partir de 1980 constituíram-se como mais uma parte do Mercado Potencial Disponível e que a cada estratégia torna-se cada vez mais qualificado para esse setor.

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[1] BENJAMIN, Walter. "A obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica". in BENJAMIN, ADORNO HORKHEIMER E HABERMAS - Coleção Os Pensadores, São Paulo, Abril Cultural, 1980.

[2] STRINATI, Dominic. Cultura Popular: uma introdução.  São Paulo, Hedra, 1999.

[3] STRINATI, Dominic. Obra citada (1999).

[4] BENJAMIN, Walter. Obra citada (1980).

[5] MORIN, Edgar. Cultura de Massas no Século XX - Vol.1 - Neurose. 8a ed., Rio de Janeiro, Forense-Universitária, 1990.

[6] MORIN, Edgar. Obra citada (1990).

[7] MORIN, Edgar.  Obra citada (1990).

[8] MOLES, A. e WAHL, E.  Kitch e Objeto. In Semiologia dos Objetos. MOLES, Abraham e outros, Petrópolis, Vozes, 1972.

[9] MOLES, A. e WAHL, E.  Obra citada (1972).

[10] Definidas pelos funcionalistas como as funções principais dos objetos, ou seja, de seu uso primário.

[11] MOLES, A. e WAHL, E.  Obra citada  (1972).

[12] Idem.(1972).

[13] JAMESON, F. Pós-Moderno. São Paulo, Ática, 1996.

[14] Idem (1996).

[15] ADORNO, T. e HORKHEIMER, M. A Indústria Cultural. In Teoria da Cultura de Massa, LIMA, Luiz C. (org.). Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1980.

[16] Comentado pelo prof. Gino Giacomini Fo em seu texto "Colecionismo na comunicação mercadológica", in Comunicação, Marketing Cultura - Sentidos da administração, do trabalho e do consumo, CORRÊA, Tupã Gomes e FREITAS, Sidinéia Gomes (orgs.), São Paulo, Centro Lusitano de Cultura, 1999.

[17] JAMESON, F. Obra citada. (1996).

[18] GIACOMINI Fo, Gino. Obra citada (1999).

[19] Idem. (1999).

[20] Ibidem. (1999).

[21] GIACOMINI Fo, Gino.  Obra citada (1999).

[22] Idem. (1999).

[23] Ibidem. (1999).

[24] BAUDRILLARD, Jean.  (Semiurgia = neologismo que une os sentidos das palavras signo e cirurgia) in A Transparência do Mal - Ensaio sobre os fenômenos extremos. 2a ed., São Paulo, Papirus, 1992.

[25] Para citar alguns: Umberto Eco (Itália), Claude Moliterni (França), Scott McCloud (EUA), Álvaro de Moya, Moacy Cirne, Flávio A. Calazans e Antônio Luis Cagnin (Brasil).

[26] ECO, Umberto. Apocalípticos e Integrados. 4a ed., São Paulo, Perspectiva, 1991.

[27] ECO, Umberto. O Super-Homem de Massa. São Paulo, Perspectiva, 1991.

[28] Essa publicação inaugura nos EUA uma nova série de revistas em quadrinhos, agora sob o título de Grafic Novels, destinada ao público adulto, mais selecionado.  O termo Grafic Novel foi criado pelo quadrinhista Will Eisner.

[29] Revista norte-americana especializada em H.Qs.  Muito usada pelos colecionadores norte-americanos por publicar tabelas de preços de revistas antigas e "fora de catálogo".

[30] O número 1 da revista norte-americana Action Comics, de 1938, na aparece pela primeira vez o Super-Homem, foi arrematada em leilão em 1987, nos EUA, por US$ 175 mil, provando que esse tipo de coleção também é um ótimo negócio.

[31] ECO, Umberto. Obra citada (1991).

[32] ALTHUSSER, L. Ideologia e aparelhos ideológicos de Estado. In Um mapa da Ideologia, S, Zizek (org.). Rio de Janeiro, Contraponto, 1996.

[33] Referentes ás Tribos Urbanas, ou sejam, grupos sociais urbanos com interesses comuns, os quais não se justificam por uma relação ideológica, mas apenas por uma "força de consumo" comum.

[34] ALTHUSSER, L.  Obra citada (1996).

[35] Neurose: meio termo entre um distúrbio da mente e a realidade; concessão a que uma pessoa se acomoda, em troca de um fantasma, um mito ou um rito (MORIN, E. 1962)

[36] Entendemos Universo como um ambiente de realidade própria, diferente da conhecida, no qual a relação com a nossa realidade é, ao mesmo tempo, muito próxima sob alguns aspectos estéticos, e longe, particularmente sob outros aspectos, tais como elementos morais, éticos e lingüísticos.

[37] BARTHES, Roland. Mitologias. 4a ed., São Paulo, DIFEL, 1980.

[38] Idem. (1980).

[39] SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de Lingüística Geral. São Paulo, Cultrix, 1989.

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Autor:

Agnelo de Souza Fedel

agfedel[arroba]bol.com.br

Jornalista e professor universitário. Além de ser especialista em Teorias e Técnicas da Comunicação e mestre em Comunicação e Mercado, ele também é colecionador de revistas, "gibis" e de outros produtos oriundos da Indústria Cultural, por isso um entusiasta das discussões sobre essa área.

Agnelo de Souza Fedel é jornalista e professor universitário. Especia-lista em Teoria e Técnicas da Comunicação e mestre em Comunicação e Mercado, é sub-coordenador do Curso de Comunicação Social da FACFITO e coordenador de Publicações das Faculdades Integradas São Paulo - FISP.



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