Página anterior | Voltar ao início do trabalho | Página seguinte |
4) Em quarto lugar encontraremos uma longa mancha SE/NE de gravuras picoteadas que, de acordo com N. Guidon (1991), comportam um fácies ocidental e outro oriental. Estes painéis apresentam maior sinuosidade linear e detalhamento compositivo que as três tradições anteriormente mencionadas. Todavia, as três compartilham diversas semelhanças temáticas e formais, podendo, facilmente, serem reunidas numa única macro-tradição sobreposta á área de ocupação dos grupos Macrogê no território brasileiro;
5) Tradição Planalto foi a denominação dada por PROUS, da UFMG, para signos [encontrados] em mais de 100 painéis presentes em São Paulo, Minas Gerais e Bahia. Nesta tradição são numorosos os zoomorfos pintados com vermelho de hematita apresentando corpos chapados, pontilhados ou estriados. Aí, também, aparecem duplas antropomórficas tendo nos braços outra figura, menor, aparentemente humana, como se fosse a entrega de um bebê. Um trângulo aparece sempre junto destas três figuras. Outra recorrência nesta área é a série de antropomorfos em fila, conduzindo um elemento com o abdômen expandido. Estas figuras são, no geral, filiformes e apresentam cabeças resolvidas em forma de "C", discutidas na tradição seguinte;
6) A Tradição Nordeste foi reconhecida por Guidon, na Serra da Capivara, Sudeste do Piauí. Comporta subtradições ou estilos que tem como elemento comum o dinamismo, as cenas de ação, de dança, caça e cópula. Antropomorfos em oposição "dorso a dorso" são frequentes, com o elemento triangular sempre associado. Aparecem muitos zoomorfos e sinais geométricos irreconhecíveis. Nesta tradição são notadas as subtradições "Serra da Capivara", com os já citados grupos de pequenos antropomorfos; a "Serra Branca", com antropomorfos de corpos retangulares, alongados verticalmente, cocares e corpos completamente desenhados, no interior, como representação de pinturas corporais; por fim, a "Subtradição Seridó", reconhecida nesta região por G. Martin, com figuras antropomórficas ou zomórficas apresentando a característica cabeça em forma de "C". Esta representação humana está presente nos Abrigos Vermelhos (MT), Sete Cidades (CE) e algumas partes da Califórnia e do México. Estas convergências foram estudadas recentemente pelo norte-americano Richard ("Dito") Morales, na sua tese de doutoramento;
7) A Tradição Agreste foi estabelecida por Alice Aguiar em diferentes sítios nordestinos, tendo como elemento diagnóstico os grandes "bonecões"-antropomorfos fatura grosseira, desprovidos de detalhes -, que aparecem também na a região de Irecê, na Bahia;
8) Na tradição São Francisco, padrões policrômicos altamente complexos compreendem quase 100% das figuras. São, na maioria, polígonos, muitos quadriláteros divididos, internamente, por linhas vermelhas ou ocres, muitas apresentando sinais de repintura e retoque. Em Barrinha, perto de Carinhanha, na Serra do Ramalho, um sítio contendo centenas desses grafismos foi localizado por este autor, no teto de um abrigo rochoso encravado numa cratera de dificílimo acesso sem equipamentos de alpinismo. Vasos de cerâmica indígena estavam ainda intactos, a céu aberto, sobre cinzas de fogueiras protegidas da chuva, do vento e de curiosos naquele local inóspito. Estes grafismos São Francisco lembram, vagamente, padrões decorativos cesteiros ou a complicada decoração da cerâmica marajoara;
9) As tradições amazônicas, apesar de terem sido primeiramente descritas por Koch-Grunberg, no XIX e, por Silva Ramos, nas primeiras décadas do XX, são hoje as menos conhecidas tradições rupestres brasileiras; M.Consens e E. Pereira (1997) trabalharam na classificação dos dados disponíveis relativos a esta vastidão territorial. No geral, a arte rupestre amazônica apresenta poucas correlações com congêneres das outras regiões brasileiras.
Fontes históricas apontam á presença de diferentes grupos etnolinguísticos no atual território baiano. Estão os Kiriri, possivelmente, entre os mais antigos homens a se assentarem na área, com vocabulário algo relacionado a certas línguas andinas contemporâneas. Embora outrora reconhecidos como grupo lingüístico independente, os dialetos Kiriri são hoje associados ao tronco Macrogê, de ampla distribuição no atual estado baiano. Estes são representados pelos Acroá, Kaiapó, Masakará, Aimoré (Botocudos), Guerém (Krem), Kamakã, Patashó e Sokó; Os grupos tupifônicos, habitaram principalmente na costa marítma e nas margens dos grandes rios do interior, onde podiam pescar com suas canoas, caçar, coletar mariscos, praticar a silvicultura e a sua agricultura incipiente de feijões, milhos, batatas e abóboras. Foram expulsos ao sertão pelo colonizador, ali deixando, eventualmente, traços da sua marca étnica na arte rupestre local. Os assentamentos europeus na região central da Bahia apareceram após o XVIII, quando descendentes do " Caramurú" estabeleceram currais na ribeira sãofranciscana e na região de Serrinha. Joana Guedes de Brito, herdeira da Casa da Torre e proprietária das terras entre Serrinha e o Rio das Velhas, próximo á atual Belo Horizonte, abriu sobre milenares caminhos indígenas a legendária "Estrada da Tropeira Joana", onde hoje corre, asfaltada, a Estrada do Feijão, ligando Feira de Santana a Xique- Xique. Artefatos desta época são encontrados nas propriedades á margem desta antiga estrada. Longas estações secas e falta de programas efetivos de irrigação estagnaram a economia de grandes áreas do semi-árido baiano, onde se localiza grande parte da arte rupestre local. Isso contribui, de certo modo, para minimizar a destruição destes sítios arqueológicos, como ocorreu com os sítios costeiros, perturbados por intensiva agricultura, mineração e urbanização.
O Estado da Bahia, em grande parte, cobre as partes mediais da Cordilheira do Espinhaço e da bacia do São Francisco. Devido á sua variedade temática, a arte rupestre local aparenta ser fruto da convergência de diferentes grupos humanos que ali viveram (Martin,1996:242), trazendo e transformando práticas culturais diversas. A maior parte da obras pictoriais rupestres são pinturas digitadas em hematita, carvão, branco de magnésio e tauá ocre, todos estes apresentando diferentes matizes cromáticos, ou pela sua própria composição físico-quimica ou pela seu estado tafonômico . Os temas mais freqüentes são:
1) Séries de linhas verticais paralelas, com ou sem uma linha horizontal as ligando, por cima. Em outras partes do país, estas linhas aparecem totalmente, ou em parte, com cabeças, cocares, pernas e braços acrescentados, sugerindo assim serem recenceamentos de grupos humanos que passam por certos locais;
2) Composições redondas usando círculos simples, concêntricos ou radiados, muitas vezes associados á figura de um réptil, como se vê na Toca do Cosmos, escavada por Bryan (1993). Este painel apresenta mais de 40 grafismos circulares no seu teto. Beltrão classificou estas figuras numa tradição "Astronômica" e, Caldeirón, na sua tradição "Simbolista";
3) Zoomorfos, incluindo quadrúpedes (isolados ou em grupo), sapos e répteis, classificados por Caldeirón numa "Tradição Naturalista";
4) Antropomorfos, estáticos e em ação; mãos impressas, chapadas e decoradas; pinturas de pegadas de pés;
5) Seqüências de pontos, campos quadrangulares ou circulares pontilhados; elipses pontilhadas, com marcações regulares intermediárias, semelhantes ás encontradas nas grutas de Toquepala e Tacna, no Sul do Peru (Kaufmann Doig, 1996:1996:54). Os campos pontilhados e os grafismos circulares ("solares"?) são, freqüentemente, associados á figura do réptil e podem ser relacionados a rituais pluviomágicos (Ott, 1993:84);
6) Signos geométricos variados de significação imprecisa, repetidos com alguma variação, em certas áreas;
7) Longas linhas finas, riscadas a carvão, nos intermédios de figuras mais antigas, vermelhas; D.VIALOU anotou este mesmo elemento gráfico em Rondonópolis, MT(c. p.).
8) Bastonetes (linhas verticais paralelas) soltos ou ligados pelo topo por uma linha horzontal [da extensão da seqüência de linhas verticais ou mais comprida], como se fosse um quipo andino, pintado;
9) Grafitti históricos de diferentes da tações
Como em toda parte do mundo, a arte rupestre na Bahia parece ser fruto de intenções multifuncionais, servindo como memorial de mitos, rituais ou servindo a propósitos prático-mnemônicos, como assinaturas pessoais, marcas étnicas ou simples atividades lúdicas. A morfologia do desenho, técnicas de aplicação e composição do pigmento apontam para diferentes inserções produzidas por diferentes grupos humanos que agiram em diferentes momentos. Esta asserção baseia-se, parcialmente, na presença de pinturas quase transparentes, "desgastadas", junto de outras apresentando camadas de tinta mais espessa. Poucos sítios foram sistematicamente estudados na área em foco sendo quase todo o trabalho de mapeamento estilístico ainda está por ser realizado, permitindo algum entendimento dos movimentos étnicos pré-históricos. Os grafitti contemporâneos, juntamente ás mineradoras e ao fabrico da cal constituem os maiores riscos enfrentados, no momento, pela arte rupestre local.
"¿Preguntas, comentarios? escriba a: rupestreweb[arroba]yahoogroups.com"
Cómo citar este artículo:
Albagli de Almeida,
Guilherme y Farias, Luiz Henrique
"Considerações sobre a arte rupestre no estado Da Bahia, Brasil".
En Rupestreweb, http://www.rupestreweb.info/dabahia.html
2008
AB"SABER,
A - Paleoclimas
quaternários e Pré-história da América Tropical. Dédalo, 1:9-25, MAE/USP, São
Paulo,1980
AZEVEDO,
A.- Brasil, Terra e Homem. CEN,
São Paulo,1972
BRYAN,
N.A - Archaeological research at six cave or rock
shelter in Interior Bahia, Brazil. Center for Study of the first Americans,
Oregon, EUA,1993
ESPINET-MOUCATEL,
J. - étude tracéologique de deux piéces lithiques de
la Toca da Esperança, Région de Central, Bahia, Brésil. L"Antropologie,
N4 Paris,1998
GUIDON,
N. - Peintures Préhistoriques de Brésil: L"Art
Rupestre du Piauí. ERC, Paris,1991
KAUFFMANN-DOIG,
F. - Historia del Peru Antiguo. Kompakta, Lima, 1992
MARTIN,
G. - Pré-História do Nordeste do Brasil. UFPE,
Recife, 1996
MENTZ
RIBEIRO, P. A. - A Arte Rupestre no Brasil. CEPA
Faculdade de Ciências e Letras de Santa Cruz do Sul 7:1-27.1978
OTT,
C. - As culturas pré-históricas da Bahia Vol 1
Cultura Material. Bigraf, Salvador,1993
PEREIRA,
E. - As pinturas e gravuras rupestres do Nordeste do
Pará, Amazônia, Brasil, CLIO, V1N1, UFPE, Recife,1997
PROUS,
A - Arqueologia Brasileira UNB, Brasília,1992
ROHR,
J.A - Petroglifos da Ilha de Santa Catarina. São
Leopoldo,1969
Este trabalho é dedicado á Profa. Dra. Janete Ruiz de Macêdo e á sua valorosa
equipe que, com muito empenho e amor, conduzem os trabalhos do Centro de
Documentação e Memória (CEDOC) da Universidade Estadual de Santa Cruz.
Autores:
Guilherme Albagli de Almeida
guilhermealbagli[arroba]hotmail.com
DLA/UESC
Luiz Henrique Farias
Imprensa Universitária
Pareceristas:
Prof. Durval Pereira da França Filho, Profa Sandra Regina Mendes
Revisão Vernácula:
Profa. Dra. Gessilene Silveira
Estagiárias:
Dayse Rodrigues, Miura Almeida, Carol Gresik, Vanessa Damasceno
Página anterior | Voltar ao início do trabalho | Página seguinte |
|
|