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Como a autora afirma: "se os judeus da Europa Ocidental e Central tivessem prestado alguma atenção ás realidades políticas de seus países, teriam percebido as razões para não se sentirem nada seguros".(ARENDT, 2004 : 80) Assim, a postura a-política de boa parte dos judeus europeus será decisiva para o domínio posterior dos nazistas sobre eles.
De maneira geral, Arendt sugere que esse movimento de negação da Política é algo bastante presente nas sociedades "ocidentais" contemporâneas e que devem ser restringidos.
Voltando ao Brasil, parece não haver dúvidas que as recorrentes soluções conservadoras dos principais problemas sociais estão ligadas a um distanciamento cada vez maior de grande parte da população em relação á Política. Claro que aqui não está se afirmando a existência de um "totalitarismo" na sociedade brasileira. De qualquer forma, esse constante fim dos espaços da Política, pode gerar conseqüências ainda mais conservadoras.
Os próprios componentes do aparelho estatal, em sentido strictu, privilegiam um certo tipo de política, muito mais ligado ás questões mesquinhas do dia-a-dia do que com o princípio maquiaveliano da fundação de novos Estados. Aqui, novamente as idéias de Gramsci são fundamentais para refletir, quando distinguem a grande política da pequena política:
"Grande política (alta política) - pequena política (política do dia-dia, política parlamentar, de corredor de intrigas). A grande política compreende as questões ligadas á fundação de novos Estados, á luta pela destruição, pela defesa, pela conservação de determinadas estruturas orgânicas econômico-sociais. A pequena política compreende as questões parciais e cotidianas que se apresentam no interior de uma estrutura já estabelecida em decorrência de lutas pela preponderância entre as diversas frações de uma mesma classe política" (GRAMSCI, 2000 : 21)
Essa passagem revela uma grande atualidade, possibilitando uma interessante análise sobre a crise política do Estado brasileiro. Neste, todo o movimento político apresenta-se completamente preso no que Gramsci chama de "pequena política". As brigas de corredor, o "mensalão", as diversas CPI's, as lutas internas em cada partido, etc, revelam toda a parcialidade do fazer política dos dias atuais. E essa política imediata e mesquinha, acaba predominando entre os indivíduos, grupos e classes, no interior da "sociedade civil". A agenda política se coloca muito mais como uma agenda "jornalístico-policial" do que como um programa orgânico de novos projetos econômico-sociais. Com isso, os conflitos de classes travados tanto no âmbito do "sociedade política" quanto na "sociedade civil", tornam-se confusos e obscuros.
Tudo isso parece privilegiar muito mais as forças conservadoras do que as progressistas. Afinal, a desorganização das classes antagônicas ao sistema sempre foi um pré-requisito para a manutenção da ordem estabelecida pelo capital.
Aqui é possível estabelecer um ponto de contato entre Gramsci e Hannah Arendt. Mesmo de modos diferentes e com propósitos díspares, tanto um quanto o outro reivindicam para o domínio "público", ou para as "classes subalternas", a presença da grande política. A política que realmente faz os indivíduos, os grupos e as classes, organizarem-se e se afastarem do caos e dos movimentos conservadores e reacionários. Somente se inserindo nesta política é que a história ficará livre de certas manifestações de extrema destruição. E isso os dois sentiram na própria pele, Gramsci preso político do fascismo e Arendt refugiada, também política, devido á perseguição nazista. Gramsci por ser comunista e Arendt por ser judia, sentiram em suas experiências pessoais o quanto a política é importante para se barrar certos movimentos e regimes ditatoriais e totalitários.
E como nenhum desses regimes podem ser considerados como completamente eliminados do processo histórico contemporâneo, parece ser bastante atual e urgente a reivindicação da Política, no cotidiano da vida social. A criminalização e a racialização de diversos movimentos das classes populares revelam o risco de uma radicalização dos grupos de Direita. Obviamente que nada pode ser considerado como definitivo no interior dos embates históricos. No entanto, em se tratando de refluxo das forças progressistas e avanço dos mais diversos conservadorismos, o risco de se estabelecer um cotidiano cada vez mais fascistizado é bastante real.
Não é por simples acaso que partidos ideologicamente conservadores, como o PFL, estão decididos a lançar candidatos próprios nas próximas eleições. Alguns setores conservadores sentem realmente a possibilidade de conquistar cada vez mais espaços no aparelho estatal. E isso sem o apoio de qualquer outro partido defensor de certos valores e princípios social-democratas.
Entretanto, toda crise política assistida atualmente no Brasil não pode ser desvinculada da ampla crise estrutural do próprio Capital. E é justamente em conseqüência desse mau funcionamento sistêmico que as soluções anti-populares ganham espaços na vida social. E ao que parece esse modo de resolver seus problemas está sendo colocado em prática. A ausência de "pensamento" político está cada vez mais presente entre os indivíduos. Cada vez mais, a política está sendo retirada dos grupos e das classes. Em muitos casos, nem mesmo a burguesia está sabendo controlar essa ampla crise. Nem mesmo ela possui uma saída minimamente humana para seus problemas. Neste momento, o que resta para a manutenção do status quo é a força bruta, os racismos, as xenofobias e a criminalização de tudo que é emancipatório - tudo se transformou em "terrorismo".
Portanto, ou a Política ganha vida no cotidiano dos indivíduos, dos grupos e das classes, ou o seu antípoda, ou seja, o caos e os conservadorismos, determinarão os caminhos a serem seguidos.
Bibliografia
GRAMSCI, A. Cadernos do cárcere, Ed. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2000, V.3.
ARENDT. H. Origens do totalitarismo: o anti-semitismo, instrumento de poder, Ed. Documentário, Rio de Janeiro, 1975.
_________. La tradición oculta, In: La tradición oculta, Paidós, Barcelona, 2004.
Autor:
Claudio Reis
Doutorando em Ciências Sociais pelo IFCH/Unicamp. Membro do Grupo de Pesquisa Cultura e Política do Mundo do Trabalho. Revista Espaço Acadêmico - www.espacoacademico.com.br
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