Página anterior | Voltar ao início do trabalho | Página seguinte |
Os tipos penais privilegiados, em outros términos são também uma espécie legal
de perdão expresso, diretamente no código penal
Percebe-se que o perdão judicial (art. 120 CP parte geral) é tão magnânimo, que
inclusive não se leva em conta para efeito de reincidência. O
"veredicto" que o concede é de natureza meramente declaratória, por
isso, como diz, Cernicchiaro (Luiz Vicente, in "Reforma Penal, ed.
Saraiva, SP, pg. 35) trata-se de um incentivo judicial, apesar da existência do
crime afasta a sanção, em nome do princípio da humanidade para o caso em
concreto; além, como entende Brussolo Pacheco (Wagner, in "O perdão
judicial no Direito brasileiro - Natureza jurídica e consequências, Rev. Justitia
116/157) afasta qualquer pretensão executória, em face da não caracterização do
"status poenalis", se assim não fosse, exemplifica, é o mesmo que
"o fogo se apague, mas continuasse a produzir luz e calor...".
A concessão do perdão judicial isenta inteiramente o réu de culpa; vale dizer,
continua o acusado na condição de primário, excluindo tanto a pena principal
como qualquer efeito legal originário, vez que é ilógico subsistir condições de
remanescência de fato que foi judicialmente perdoado. A essência do perdão é a
não aplicação de nenhuma espécie de sanção ou condição legal e judicial.
Também pode o ofendido renunciar o direito de queixa e/ou perdoar, tacita ou
expressamente o acusado nas hipóteses de "ilícitos" de ação penal
privada (arts. 104/105/106/107, inc. v, da lei n. 7209/84), produzindo efeitos
legais para a extinção da punibilidade.
Existe outra maneira legal de perdoar o réu, ainda que já sentenciado e
condenado, através das clemências do Chefe do Poder Executivo, via indulto
(individual ou coletivo, que vige nas épocas de páscoa ou natalina), anistia
(individual ou coletiva, sempre nos períodos de mudança de regime de governo,
própria para delitos definidos como políticos), e a graça presidencial de
comutação, seja pela diminuição ou permutação da pena, sempre do mais grave
para o mais brando (arts. 107, inc. II lei n. 7209/84, c.c. inc. xii do art. 84
Constituição federal), princípio da aplicação mais favorável e da proibição de
majorante sancionatória.
Quanto a estas últimas formas legais de perdão, parte da doutrina lança suas
críticas, alegando quebra da independência dos Poderes do Estado nos sistemas
democráticos, ingerência ou interferência do Executivo frente ao Judiciário.
Data vênia, conceder ao Presidente da República o direito de clemência nada
mais é do que abrir possibilidades ao "direito penal do perdão", e,
aumentar o espectro de controle entre os Poderes do Estado no sistema
democrático, extremamente exigido, em face a retração das agências penais - nas
palavras de Zaffaroni - ou melhor da falsa consciência arraigada de defesa
social dos protagonistas da administração de Justiça.
O professor Zaffaroni, ainda, chega a colocar que ao Presidente da República
lhe compete, indultar na fase anterior a sentença judicial (ver "Systemas
Penales y Derechos Humanos en America Latina, ed. Depalma, 1986, Buenos Aires,
pg. 102), argumentando que se lhe é dado o direito de conceder clemência depois
do trânsito em julgado da sentença condenatória, pode, perfeitamente lançar mão
de sua atribuição legal, antes do "veredicto", até para diminuir o
excessivo efeito estigmatizante que possuem os processos criminais. Somente uma
questão pode ser levantada, na hipóteses do acusado desejar continuar no
processo para ver o "decisium" de mérito (com trânsito em julgado
sentença firme), e provar sua inocência.
A autorização dos governantes do Executivo para indultar, surge de tempos
imemoriais, onde podemos citar, o indulto de Cristo conforme descreve a Bíblia,
no novo evangelho quando Jesus foi libertado em troca do ladrão Barrabás.
Tudo que possa levar a maior repressividade social, individual ou coletiva,
através de movimentos de terror, via teorias do tipo "lei e ordem", "tolerância
zero", "direito penal espasionista", "direito penal do inimigo", "direito penal
de autor", que propugnam pelo aumento de penas, criminalizações, ampliações da
segurança pública como a criações de mais órgãos policiais eminentemente
repressivos, construções de cárceres para a reclusão no atacado, etc. (ver
Dotti, René Ariel, in "Movimento AntiTerror" ed Juruá, Curitiba-PR, 2006),
devemos ser contrário; e amplamente receptivos ás propostas de indulgências aos
seres humanos, principalmente, se levarmos em conta o "status"
sócio-econômico das pessoas "vulneráveis" ao sistema de administração
de Justiça penal em nossa América Latina (ver Maia Neto, Cândido Furtado, in "O
Promotor de Justiça e os Direitos Humanos", ed. Juruá, 2004, Curitiba-PR; e
"Promotor de Acusação ou Promotor de Justiça", www.andep.org.br - Associação Nacional
dos Defensores Públicos, e www.aidp.org.br - Associação Internacional de
Direito Penal).
Os sistemas judiciais penais que atuam em nome dos Estados autoritários, usam
expressõess do tipo "ordem pública" e "bem comum" para
justificar prisões e processamentos, acusações e condenações indevidas, em
desrespeito ao "ius libertatis" e ao princípio da presunção de
inocência (ver Damascena de Farias, Edno: in "O Estado-Gendarme-Acusador", ed.
UNIMAT, Cáceres-MT, 2006).
O perdão judicial nada mais é do que um diálogo entre o Estado-Juiz e o
processado, onde se realiza um ideal estágio de entendimento via conciliação
entre a autoridade e o cidadão, com vistas á aplicação do "direito penal
do perdão".
Perdoar significa descobrir ou procurar compreender outras verdades, que não
sejam somente aqueles dogmas trazidos ao longo dos tempos, sem nenhuma
utilidade prática e muitas vezes inúteis, irracionais e ilógicos, de condenar
por condenar, aplicar alguma espécie de sanção para dar resposta á sociedade.
O perdão judicial penal não deve ser entendido como sinônimo de impunidade,
descaso ou benevolência, mas o acatamento de princípios penais democrático que
se coadunam com as exigências básicas dos direitos fundamentais da cidadania.
No Juri Popular, por exemplo, a sociedade perdoa, até o delitos considerados
atrozes. Estatísticamente, pode-se afirmar que a maioria dos julgamentos
efetuados pelo Tribunal do Juri (crimes dolosos contra a vida, "ex
vi" do inc. xxxviii, art. 5º CF, cc. art. 121 usque 128 do Código penal,
crimes de homicídio; induzimento, instigação ou auxílio a suicídio;
infanticídio e aborto) resultam em sentenças absolutórias e quando não são, na
pior da hipóteses, os juizes de fato, desclassificam a imputação, no sentido de
minorar a pena, para não fazer sofrer ainda mais o réu, qua na sua qualidade de
acusado vem carregando um estigma durante todo o tempo da
"persecutio". O processo penal por si só, caracteriza
constrangimento, o que é muito diferente ser réu em açao civil ou procedimento
administrativo.
As leis nsº 9.099/95 e 10.259/01, que dispõe sobre os Juizados Especiais
Criminais Estaduais e Federal, é um exempo de tendência a adoção do "Direito
Penal do Perdão". Trata-se de procedimento com base na conciliação e transação,
simplicidade e informalidade processual-penal (da Justiça criminal) para
julgamento de infrações de pequeno potencial ofensivo, cuja pena não ultrapasse
a 2 (dois) anos.
Sem sombra de dúvida a idéia de proporcionar uma justiça mais humana, moderna,
rápida e celere, será sempre bem acatada por toda a sociedade.
Para o direito penal do perdão ser ainda mais eficiente bastaria que o
legislador ampliasse o instituto incluindo no Código Penal e Processual Penal,
outros dispositivos, como por exemplo:
a) estabelecer critérios mais elásticos que autorizem o magistrado a conceder
perdão judicial, em nome dos princípios da proporcionalidade e de humanidade,
ampliando-se desta forma a dsicricionariedade do Poder Judiciário e o próprio
conteúdo do art. 120 do Código Penal;
b) abrir a possibilidade de perdão ou de excludente no artigo 15 do Código
Penal, quando por desistência voluntária e arrependimento eficaz, não ser
responsabilizado criminalmente pelos atos praticados;
c) no Código de Processo Penal, a proposta é inserir um parágrafo com alguns
incisos no artigo 28, permitindo ao Ministério Público, na qualidade de dominus
litis da ação penal pública e titular da persecutio criminis, arquivar o
inquérito policial e/ou abrir mão da denunciação, em nome do princípio da oportunidade,
utilidade e economia processual, nos delitos de bagatela (princípio da
insignificância), em alguns crimes sem vítimas ou sem danos; nas hipóteses de
reparação do dano á vítima ou quando esta desiste ou ainda quando o ofendido
não tem interesse em continuar com o litigio; e outras hipótese mais.
é a ampliação legal na norma penal substântiva e adjetiva, em nome da
humanização e racionalização da administração de justiça criminal.
A observância de princípios reitores do direito penal, como o da proporcionalidade
da sanção, e da humanidade na aplicação da pena devem predominar
permanentemente a fim de se efetivar o denominado e tão almejado "direito
penal do perdão".
Se faz necessário que não se permita a quebra das garantias fundamentais da
cidadania, que se continue preservando todas as espécies de proteções judiciais
da cidadania no Estado Democrático de Direito, por serem os direitos
individuais constitucionais indisponíveis, inderrogáveis e irrenunciáveis, como
cláusulas pétreas de Direitos Humanos, auto aplicáveis e de hierarquia vertical
prevalentes frente as normas ordinárias, razão pela qual as garantias
processuais-constitucionais são blindadas, onde não se admite qualquer espécie
ou forma de aniquilamento, mitigação, restrição ou supressão, seja por
intermédio do direito interno com interpretações extensivas prejudiciais ou por
meio de jurisprudência anti-democrática, que atenta contra os instrumentos
internacionais de Direitos Humanos, devidamente aderidos e ratificados (ver
Maia Neto, Cândido Furtado, in "A Blindagem das Garantias Fundamentais no
Processo Penal, www.andep.org.br - Associação Nacional dos Defensores Públicos;
e Revista Jurídica nº I da UNISEP, Faculdade de Direito do Sudoeste do Paraná).
No sistema constitucional-penal democrático brasileiro as regras de direito
internacional, como os tratados, pactos e convenções de Direitos Humanos,
possuem prevalência e soberania na ordem de validade hierarquica, permitindo-se
a interpretação extensiva quando favorável ao réu, bem como a aplicação de
analogia in bonam partem; jamais a interpretação prejudicial ou a analogia in
malam partem, nos termos do arts. 1º, I e 3º do Código de Processo Penal pátrio
vigente, c.c. art. 4º, II, e parágrafos do art. 5º da Carta Magna (ver Maia
Neto, Cândido Furtado, in "Código de Direitos Humanos para a Justiça Criminal
Brasileira", ed. Forense, 2003, Rio de Janeiro-RJ) .
O pai perdoa o filho, mesmo nas maiores faltas, e ainda, busca solucionar e
amenizar a situação criada por ele. Porque o Estado-Acusação ou o Estado-Juiz,
não tem autorização e legitimidade para perdoar nos termos da lei dos
princípios gerais democráticos e humanitários.
Cito João Batista Herkenhoff, renomado e ilustre magistrado do Estado do
Espírito Santo, cujo espírito humanista ressalta em seu caráter de profissional
ético, responsável e preocupado com uma verdadeira justiça humanitária, quando
em sua obra "Uma Porta para o Homem no Direito Criminal", diz: "A rigor, o
perdão do ofendido não extingue a ação penal pública. Contudo, essa situação se
modifica quando o Ministério Público acolhe os fundamentos do pedido...não é a
Justiça a única e mais eficaz força de restabelecimento do equilíbrio social
rompido pelo crime... Há outras forças, poderes e instrumentos que restauram o
equilíbrio, a Justiça e a paz social: um desses é o perdão" (in ed. Forense,
RJ/1980; pg. 84).
Até nos sistemas de justiça penal mais fechados, como o muçulmano
fundamentalista que se rege em base ao Alcorão, onde o direito se confunde com
a moral e com a religião, admitindo-se a sanção capital para determinados
delitos graves, consta Deus como misericordiosíssimo; porque então o
homem-juiz, gerado e criado por ele, a sua semelhança, também não o é, para
conceder o perdão da pena.
Concluo com a universal oração que aprendemos quando criança: "Pai Nosso que
estáis no Céu;...Perdoai nossas ofensas como perdoamos nossos ofensores", para
um Novo Direito Penal sem vingança pública, com mais amor no coração dos homens
de Boa Vontede - juízes, promotores de justiça, delegados...-, caminhemos cada
um de nós, com responsabilidade e ética nas nossas missões terrenas, com muita
fé em Deus e grande Esperança na JUSTIÇA, com letras maísuculas.
Anexo
ESTADO DEMOCRATICO DE DIREITO versus ESTADO DITATORIAL- DE POLÍCIA
Devido Processo (Penal) Legal Processo-Penal repressivo
Garantias fundamentais da cidadania Ordem pública imperante
Direito Constitucional Direito Penal Autoritário
Direitos Humanos Estado Gendarme
prevalência dos Direitos Humanos versus prevalência da lei ordinária
presunção de inocência versus presunção de culpabilidade
in dubio pro reo versus in dúbio pro societate
analogia in bonam partem versus analogia in malam partem
interpretação favorável versus interpretação prejudicial
descriminalização versus criminalização
despenalização versus penalização
segurança jurídica versus (in) segurança pública
p.p.l. "ultima ratio" versus p.p.l. "prima ratio"
"no bis in idem" versus duplo processo-condenação
predomina atenuantes versus predomina agravantes
direito penal de ato versus direito penal de autor
princípio da isonomia versus tratamento diferenciado
princípio da verdade real versus princípio da verdade formal
princípio da oportunidade relativa versus princíp obrigatoriedade plena
inviolabilidade intimidade-privacidade versus quebra sigilo bancário e fiscal
inviolabilidade de comunicação versus interceptações telefônicas
asseguramento do direito adquirido versus expectativa de direito
princípio da liberdade de pensamento versus censura - restrições
juízo natural (Promotor Natural) versus Tribunal/juízo de exceção
princípio da indelegabilidade versus princípio da delegabilidade
tipo penal fechado-preciso versus tipo penal aberto-incerto
"no judez ex officio" e inercia versus parcialidade judicial
excepcionalidade da prisão preventiva versus generalização p. preventiva
individualização da prisão-condena versus generalização prisão
limite do cumprimento da p.p.l. versus prisão perpétua
inviolabilidade do direito á vida versus pena capital
medidas alternativas á prisão versus prisão como regra geral
ampla defesa versus cerceamento da defesa
ônus pobandi ministerial versus ônus probandi - invertido
publicidade dos atos judiciais versus segredo de justiça
indelegabilidade de função versus delegação de função
representação popular versus lei penal de outros órgãos
Autor:
Prof. Dr. Cândido Furtado Maia Neto
Professor Pesquisador e de Pós-Graduação (Especialização e Mestrado). Associado ao Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (CONPEDI). Pós Doutor em Direito. Mestre em Ciências Penais e Criminológicas. Expert em Direitos Humanos (Consultor Internacional das Nações Unidas - Missão MINUGUA 1995-96). Promotor de Justiça de Foz do Iguaçu-PR. Membro do Movimento Nacional prol Ministério Público Democrático (MPD). Secretário de Justiça e Segurança Pública do Ministério da Justiça (1989/90). Assessor do Procurador-Geral de Justiça do Estado do Paraná, na área criminal (1992/93). Membro da Association Internacionale de Droit Pénal (AIDP). Conferencista internacional e autor de várias obras jurídicas publicadas no Brasil e no exterior.
Página anterior | Voltar ao início do trabalho | Página seguinte |
|
|