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As Práticas Curriculares e a Extensão Universitária (página 2)

Edineide Jezine

Embora persista a concepção assistencialista em alguns projetos de extensão, observase no panorama das atividades extensionistas das universidades federais uma mudança de concepção, que se expressa em uma nova postura para a extensão universitária, pautando-se pelo princípio educativo, entendido por Gramsci (1989, p. 130) como a relação teóricoprática, proporcionando um novo pensar e fazer, capaz de desenvolver uma concepção histórica de sujeito e sociedade.

Nessa perspectiva a extensão universitária, pretende deixar de ser uma função esporádica e assistemática para caracterizar-se como uma função acadêmica, que compõem o pensar e o fazer universitário, constituindo-se parte integrante do currículo em uma perspectiva de interdisciplinaridade e indissociabilidade entre ensino e pesquisa. Para tanto, Serrano (2001:26) alerta para a necessidade dessa consolidação, apontando indicadores para essa nova prática:

A institucionalização de uma extensão verdadeiramente acadêmica exige, naturalmente, uma intensa articulação interna e externa ás universidades; tanto na formulação de uma política pedagógica onde de fato a indissociabilidade entre a extensão, o ensino e a pesquisa se materializem; quando na formulação de parcerias de dimensão interinstitucional, e na integração com os agentes sociais dos projetos de extensão.

Assim, alicerçado no princípio da extensão como um processo educativo, os projetos de extensão baseados na concepção acadêmica objetivam relacionar os diversos saberes, em uma íntima relação da produção do conhecimento com a realidade social.

Função acadêmica da extensão

Na busca de superação da dimensão de prestação de serviços assistencialistas, a extensão universitária é redimensionada com ênfase na relação teoria-prática, na perspectiva de uma relação dialógica entre universidade e sociedade, como oportunidade de troca de saberes. Esses pilares passam a integrar o conceito de extensão formulado pelo Fórum

Nacional de Pró-Reitores de Extensão Universitária das Universidades Públicas Brasileiras, em 1987, e reafirmados no Documento Universidade Cidadã de 1999 e no Plano Nacional de Extensão de 2000 ., cabendo destacar neste último documento o objetivo a seguir:

Reafirmar a Extensão universitária como processo definido e efetivado em função das exigências da realidade, indispensável na formação do aluno na qualificação do professor e no intercâmbio com a sociedade, o que implica em relações multi, inter ou transdisciplinar e inter-profissional. (apud. Nogueira, 2000, p. 121).

A concepção de extensão como função acadêmica se opõe a idéia de que constitua uma atividade menor na estrutura universitária, a ser realizada por professores sem titulação, nas sobras de tempo disponível e que o trabalho junto ás comunidades carentes é uma solidariedade individual. Diante dessa nova visão de extensão universitária, esta passa a se constituir parte integrante da dinâmica pedagógica curricular do processo de formação e produção do conhecimento, envolvendo professores e alunos de forma dialógica, promovendo a alteração da estrutura rígida dos cursos para uma flexibilidade curricular que possibilite a formação crítica.

A adoção dessa concepção pelas diferentes universidades não as conduz a relegar a prestação de serviços, nem o compromisso social da universidade com as classes populares.

Assim, o caminho não é unilateral da universidade para a sociedade, mas há a preocupação em auscultar as expectativas produzidas pela sociedade, bem como em valorizar o contexto em que as atividades se inserem, na busca de uma relação de reciprocidade, mutuamente transformadora, em que o saber científico possa se associar ao saber popular, a teoria á prática em um constante movimento dialético permeado pela realidade social e a experiência do pensar e fazer.

Observa-se que a perspectiva ideológica não é mais a mesma da concepção assistencialista, embora se priorize a comunidade carente, trabalha-se junto a ela no sentido de potencializar a sua organização política e autonomia. Assim, a universidade como a extensão universitária, ganham um novo sentido, deixam de ser redentoras da sociedade e passam a ser instrumento capaz de promover a organização política, social e cultural dos grupos desagregados, a partir da relação entre a alta cultura e cultura popular, entre teoria e prática, estabelecendo o "nexo instrução-educação", que para Gramsci (1989, p.131) é; [...]

representado pelo trabalho vivo do professor, na medida em que o mestre é consciente dos contrastes entre o tipo de sociedade e de cultura que ele representa e o tipo de sociedade e cultura representado pelos alunos, sendo também consciente de sua tarefa, que consiste em acelerar e em disciplinar a formação da (criança) conforme o tipo superior em luta com o tipo inferior.

Os princípios da integração ensino-pesquisa, teoria e prática que embasam a concepção de extensão como função acadêmica da universidade revelam um novo pensar e fazer, que se consubstancia em uma postura de organização e intervenção na realidade, em que a comunidade deixa de ser passiva no recebimento das informações/conhecimentos transmitidos pela universidade e passa a ser, participativa, crítica e construtora dos possíveis modos de organização e cidadania.

A confirmação da extensão como função acadêmica da universidade não passa apenas pelo estabelecimento da interação ensino e pesquisa, mas implica a sua inserção na formação do aluno, do professor e da sociedade, na composição de um projeto político-pedagógico de universidade e sociedade em que a crítica e autonomia sejam os pilares da formação e da produção do conhecimento. Tarefa que se torna desafiante para a extensão, pois sem ter a função específica do ensino deve ensinar, sendo elemento de socialização dos conhecimentos.

E sem ser pesquisa, deve pesquisar para buscar os fundamentoos das soluções dos problemasda sociedade. Nesse sentido, a interação ensino-pesquisa-extensão é o pilar que alicerça a formação humana/profissional, bem como a interação universidade e sociedade, no cumprimento da função social da universidade.

Assim, a extensão como uma função da universidade, objetivando se firmar a partir da concepção acadêmica, inserida no contexto de contradições inerentes ao próprio processo de produção do conhecimento em uma sociedade capitalista, busca uma nova dimensão de universidade, sociedade e sujeito, consubstanciada na perspectiva ideológica do "compromisso social" como instituição pública, viabilizando a organização política do grupo, em que além da promoção de uma consciência crítica se almeja a intervenção na realidade em um perspectiva transformadora e libertadora, da autonomia do sujeito.

O trabalho da extensão universitária numa perspectiva acadêmica pretende assim, ultrapassar o limite da ciência técnica, do currículo fragmentado e da visão de homem como objeto a ser manipulado, encaminhando-se para uma visão multidimensional, em que as dimensões político-social-humana estejam presente na formação do sujeito, concebido como ser histórico.

A prestação de serviços na perspectiva mercantilista.

Contudo, as transformações econômicas e políticas de globalização da economia, abertura de mercados, flexibilização do trabalho e redução dos gastos do Estado com as instituições sociais, ocorridas no contexto da sociedade brasileira a partir das políticas neoliberais, têm provocado significativas mudanças no que se refere ao papel social da universidade e da extensão universitária, bem como na forma e nos mecanismos de promoção da interação universidade e sociedade, gerando implicações de cunho teórico e metodológico

na prática curricular.

A acelerada produção tecnológica e informatização do conhecimento têm exigido das universidades, como instância produtora de conhecimentos, uma nova postura no que diz respeito ás condições materiais de produção do seu trabalho. Ou seja, a competitividade do mercado coloca em "xeque" a qualidade do seu produto e a sua própria existência como instituição destinada á produção do saber, instigando com isso o estado de crise por que passam as instituições públicas sociais, em especial as universidades.

Diante desse contexto, as concepções ideológicas de universidade e extensão universitária adquirem outras significações na prática curricular. Não mais se acentua a preocupação no atendimento ás necessidades sociais da comunidade, a exemplo da concepção assistencialista, ou mesmo a integração do ensino-pesquisa, da relação universidade e sociedade e/ou da relação teoria-prática, em uma perspectiva dialética, como proposto pela concepção acadêmica. Outra concepção ideológica tem se constituído frente ás novas exigências da sociedade globalizada, acentua-se a dimensão exterior á universidade, bem como os aspectos econômicos e de parcerias com outras instituições, deixa-se de privilegiar o atendimento aos grupos excluídos e passa a tratar a todos como consumidores. Dessa forma, o produto da universidade transforma-se em mercadoria a ser comercializada e a extensão passa a ser um dos principais canais de divulgação e articulação comercial.

A análise de projetos de extensão, discursos de Pró-reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras e outros documentos revelam que a extensão é o principal órgão de articulação de parcerias entre a universidade e setores externos da sociedade na busca de financiamentos e institucionalização das atividades extensionistas. Tal perspectiva, para alguns Pró-Reitores de Extensão, tem-se tornado inevitável, primeiro pelo encolhimento do Estado, segundo pelo fortalecimento do mercado e terceiro pelo desenvolvimento de tecnologias, que passam a requerer da universidade, como instância produtora de conhecimentos, respostas ás demandas geradas pela nova ordem econômica, tanto em termos de formação profissional como em termos de produto destinado á sociedade.

Essa concepção de extensão universitária, caracterizada como mercantilista, traz em seu contexto a formação ideológica de um projeto de privatização da universidade, que substitui a possibilidade de igualdade de acesso pelo pagamento de taxas e pela adoção de outros instrumentos que não representam a identidade de uma universidade pública e gratuita.

Há de se considerar, diante dessa nova concepção teórica e prática que se esboça na extensão universitária, que o ensino superior oferecido pelas universidades públicas continua escasso para as camadas mais pobres da população, porém entende-se que não será via extensão universitária, seja, em uma perspectiva assistencialista, acadêmica ou mercantilista que vai ocorrer a diminuição das desigualdades sociais, próprias da estrutura do sistema capitalista. Contudo, assinala-se a necessidade da universidade e da extensão universitária, cada vez mais tornar relevante o seu compromisso social, qual seja, o comprometimento com a crítica e autonomia dos sujeitos sociais, princípio a ser desenvolvido na prática curricular do ensino, da pesquisa e da extensão.

Para tanto, torna-se importante refletir, discutir e analisar as concepções ideológicas de universidade e extensão universitária, detendo-se nas implicações que tais concepções podem trazer para a prática curricular universitária, no sentido da perspectiva do tipo de formação, de sujeitos e sociedade que se pretende desenvolver. Portanto, o desafio que se impõe ás universidades brasileiras e á extensão universitária no mundo da globalização e de perda das fronteiras, é o de procurar ser elemento articulador da comunicação entre teoria-prática, universidade-sociedade, construindo a teoria da reciprocidade, integração do pensar, fazer e viver a partir do rompimento da dimensão dicotômica, dualista e fragmentada que tem sido implementada no cotidiano universitário.

Assim, partindo das abordagens teóricas e fases históricas apresentadas, pode-se encontrar na extensão três concepções ideológicas que foram incorporadas nos diversos contextos históricos e se entrecruzam adquirindo materialidade nas práticas extensionistas das universidades.

A primeira concepção constitui-se desde a origem da extensão sob a ótica do atendimento ás demandas sociais por intermédio da prestação de serviços, passando de uma dimensão transformadora-redentora da sociedade para uma assistencialista-conservadora, uma vez que as ações extensionistas em sua maioria são voltadas para a manutenção de desigualdades sociais. Nessa concepção, as ações extensionistas caracterizam-se por programas e atividades esporádicas nas comunidades, objetivando a "resolução" imediata e paliativa de problemas sociais, sem discussão previa dos fatores que provocam desigualdades sociais, nem incentivo a formas de intervenção organizada, daí serem denominadas assistencialistas.

A segunda concepção, formulada inicialmente no bojo dos movimentos sociais, via na relação universidade/extensão universitária - sociedade a possibilidade de uma ação transformadora da sociedade. Trata-se de concepção que influenciou a formulação do conceito de extensão universitária elaborado pelo Fórum Nacional de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras e que é defendida por este e por muitos estudiosos como função acadêmica da universidade.

E a terceira concepção tem-se formado ao longo das mudanças ocorridas na estrutura do Estado e da sociedade, em concomitância com a luta da extensão para confirmar-se como função acadêmica com o mesmo nível de valorização do ensino/pesquisa. Concebe as ações como atendimento ás demandas advindas da sociedade, que não são mais vistas como carências sociais, mas como novas expectativas de serviços geradas pela sociedade globalizada. A parceria ou venda de serviços seria o meio de articular a universidade aos demais setores da sociedade civil, tornando-a uma produtora de bens e de serviços, concepção aqui denominada mercantilista.

Nesse sentido, as concepções extensionistas preponderantes expressam ideologias circulantes nos diversos contextos históricos e se evidenciam nas práticas extensionistas das universidades e nas abordagens teóricas elaboradas pelos estudiosos do assunto, enquanto uns defendem a extensão como função acadêmica da universidade, com o papel de integrar ensino/pesquisa/extensão, outros concebem a extensão inerente ao processo de ensino e pesquisa, não tendo necessidade de uma função específica para a socialização do conhecimento, pois este é papel do ensino e da pesquisa e meio a polaridade teórica se firma a necessidade da universidade como instituição social atender as necessidades da sociedade em sua totalidade, como isso firma a concepção dos serviços sob a ótica da venda, impondo assim, a ideologia da racionalidade empresarial que coloca em xeque a institucionalidade e a hegemonia da universidade.

Diante do exposto e da nova perspectiva que se forma de extensão universitária, não se pode permitir que a universidade abra mão de sua identidade histórica, como instituição produtora de conhecimentos, sendo fundamental nesse momento de formulação de novas abordagens teóricas ter uma ação pró-ativa de valorização do seu que fazer, caso contrário corre o risco de torna-se passiva diante dos constantes desafios de produção do conhecimento.

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Autor:

Edineide Jezine

edjezine[arroba]bol.com.br 

Dra. em Sociologia

Universidade Federal da Paraíba - UFPB



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