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A morte de uma inocente,
inválida em um leito de hospital, como resultado de uma longa batalha judicial,
política e social entre pais e esposo, apenas provou mais uma vez que se houve
uma vitória, se alguém atingiu um objetivo, estes se perderam na bruma da
tristeza e da prostração de pessoas que ainda acreditavam na verdade e na
justiça igualitária para todos.
Diferentemente, temos de
outro lado que enquanto instituições tão caras para nós parecem desfalecer ante
o inimigo invisível, homens como o Santo Padre mostraram que a diginidade
humana deva estar acima de tudo e de todos. Guardadas as devidas proporções,
este homem incomum mostrou ao mundo que algo podia ser feito para que ele
ficasse melhor e não pior do que já se encontrava. Jutamente com outros como o
Mahatma Ghandi, o Dhalai Lama e Madre Tereza de Calcutá, o Papa João Paulo II,
demonstrou que era possível buscar-se justiça enquanto uma ideal plenamente
realizável e que institutos como a Constituição e a Declaração Universal dos
Direitos do Homem, não eram apenas palavras colocadas no papel, mas verdades a
serem praticadas diuturnamente, adotando-se o princípio do imperativo
categórico, inicialmente enunciado pelo filosófo alemão Emmanuel Kant de que
devemos agir de acordo com regras em que não devemos desejar para nossos
semelhantes aquilo que não desejaríamos para nós mesmos.
Trata-se, então, de uma
verdadeira renúncia em favor de nossos semelhantes, ou melhor, um ato de
solidariedade, pelo qual devemos nos orientar tal qual uma bússola que nos
mostra se estamos no caminho certo rumo a realização plena da existência
humana, qual seja, viver mais e melhor. Foi exatamente isso que o Homem Santo
nos mostrou, a mesma dedicação, o mesmo amor, a mesma coragem para enfrentar as
vicissitudes da existência que não é um mar de rosas, mas também não deva ser
um vale de lágrimas.
Viveu este homem permeando
suas atitudes e suas palavras com uma orientação muito mais próxima dos
princípios constitucionais do que qualquer estadista já tenha tentado fazer.
Sua atuação não tornou o mundo melhor, mas certamente possibilitou que pessoas
que até então o viam em tons acinzentados, passassem a vislumbrar pequenas
nuances e matizes multicoloridas.
A presente revolta que não é
algo tão recente assim conduz ao raciocínio imediatista e primário de que
instiga-se a revolta ou a revolução como forma de inssureição contra o que se
encontra estabelecido. Porém a verdade é outra: prega-se a não-violência, até
porque o mundo está repleto de violência; prega-se a concórdia em lugar do ódio
separatista que nutre pessoas radicais, cujos interesses possam ser
honestamente políticos ou sociais, em contrapartida aos meros interesses
financeiros e econômicos que rondam o atual trajeto das nações e também dos
indivíduos. Prega-se um pouco mais de moralidade e seriedade em lugar da
idiossincrasia particular dos donos da mídia que tendem a conduzir o povo tal
faz o vaqueiro com o gado, dirigindo tanto seu caminho como suas emoções.
Não podemos mais aceitar que
um punhado de pessoas inescrupulosas usem e abusem dos demais, valendo-se de
institutos tão caros e preciosos como a vida e o amor fruto da solidariedade.
As instituições do direito precisam ser reformadas sim, até porque sabe-se que
se trata de uma ciência dinâmica sujeita e acompanhante da evolução do próprio
homem, porém, não se pode mais aceitar que seja ela também o repositório de
doutrinas inertes e sem qualquer fundamento que venham a autorizar
prerrogativas em favor de pequenas oligarquias que transformam sua existência
na razão de ser da opressão, do medo, do ódio, da ambição e da cobiça. Não
podemos aceitar que este ato possa vir a se tornar comum, como um processo
retrógrado de desconstitucionalização das relações sociais e políticas.
Inobstante o que foi até
aqui exposto e sem perder a linha mestra que orienta não só o presente ensaio
mais também toda uma existência baseada em princípios, gostaríamos de salientar
que não se está aqui levantando uma bandeira contra a eutanásia, até porque
sabemos que esta parece ser uma realidade muito próxima e que deve ser
analisada e discutida com a maior seriedade e eticidade possíveis.
Desde de tempos imemoriais o
homem esteve sujeito ao seu livre arbítrio no que se refere a sorte de sua
existência, inclusive porque têm-se notícias até o presente momento de práticas
de eutanásia por tribos que, mesmos inseridas no século vinte e hum ainda
permanecem atreladas aos conceitos que foram firmados há milhares, ou até mesmo
milhões de anos atrás. Persistir em permanecer vivo por meios artificiais é uma
prática ináceitavel, independentemente do estágio que a ciência médica tenha
alcançado ou mesmo que ainda possa alcançar, posto que todos esse recursos são
apenas meios postiços de afastar-se a morte e não de salvar vidas.
Prova irrefutável disto está
na própria atitude adotada pelo Santo Padre que preferiu seu quarto como
derradeiro leito de sua morte, semo uso de sistemas mais artificiais do que
aqueles que já haviam sidos postos a sua disposição, escolhendo morrer sim, mas
de forma digna e em consonância com toda uma existência fundada no amor e na
solidariedade.
O mesmo é plenamente
aplicável a norte-americana Terry Schiavo, desde que acredite-se ter sido uma
opção dela dar cabo do próprio sofrimento, sem que isso configure uma
contradição com o imperativo categórico anteriormente enunciado. Ninguém
poderia agir contra a intenção de um indivíduo que, hoje, sabedor de ser ele
portador de uma doença degenerativa, optasse por tirar sua própria vida,
valendo-se para tanto de meios que só a ele fossem cabíveis, concorrendo para o
seu próprio fim. No caso em tela, não podia ela fazê-lo por seus próprios
meios, razão pela qual poderia valer-se da ajuda externa, pelo menos em tese.
Contudo, as evidências não
conduzem a essa conclusão simplória, pois a batalha judicial que se descortinou
mostrou intenções recônditas de ambos os lados: um marido declarando que sua
mulher havia lhe confidênciado a vontade de morrer caso uma fatalidade viesse a
lhe suceder; de outro os pais apregoando que, mesmo em estado de letargia quase
que total, a moribunda jovem teria demonstrado intenção de permanecer viva e
lutando. Quem estará com a verdade ? Ou melhor, quem estaria já que o alvo
desta discussão não está mais entre nós ? O que ela realmente desejava ? Quais
os interesses que se encontram camuflados nesta batalha que parecia não ter
mais fim ? Essa busca insana pela verdade é uma das razões de ser do direito
enquanto ciência e a justiça enquanto aplicação do direito. E não podemos nos
distanciar dessa busca, uma vez que, quando nos distanciamos da meta perdemos
foco, acabando por divagar em torno de nosso próprio umbigo.
Não se faz direito
intestino, mas sim direito que espraia seus efeitos para o mundo real,
construindo uma sociedade que, espera-se, seja melhor do que aquela que já
existia. A defesa dos princípios constitucionais é hoje uma vertente mundial,
mas pode, a qualquer momento sofrer um processo de subversão, dando-se ênfase a
um aspecto diferenciado que mostre um caminho melhor. E, enquanto este não se
descortina a nossa frente, é uma tarefa primordial dos operadores do direito
defender com unhas e dentes a conservação dos institutos constitucionais, e
também aqueles que se encontram nele insculpidos, seja de forma explícita
(direito a vida e a liberdade), seje de forma explícita ( eticidade,
solidariedade e perenidade de instituições).
Não podemos a esta altura
ousar uma conclusão definitiva até porque os temas aqui expendidos não se
defluem de per si, mas sim pelo movimento da alma e da paixão humanas. Temos
ainda e tão somente que lidar com fatos e através deles tentar apenas tentar
compreender, ou melhor apreender outras formas de coexistência mais adequada
aos avanços que a ciência e a tecnologia nos oferecem a cada novo momento que
se descortina perante a vida e sua multifaceta possibilidade de vigir no
presente e no futuro.
Ousar significa transpor
barreiras que até então acreditávamos intransponíveis e que o mundo, em
princípio, parecia nos impor de forma cruel e imperdoável. Somos aquilo que
somos: imperfeitos, repletos de dúvidas e inconsistências, eternamente
insatisfeitos e profundamente incongruentes com o modo de pensar geral.
Pregamos a solidariedade, desde que esta possa ser vista a distância.
Defraldamos bandeiras apaixonadas por assuntos polêmicos, desde que esses
apenas atinjam os outros e apenas possam molhar os nossos pés ; Sofremos com o
Santo Padre, mas nos esqueceremos brevemente da mensagem de amor, de renúncia
de si mesmo e de dedicação aos demais que ele passou a vida a defender.
Somos de fato antagônicos,
contraditórios, polêmicos e orientados por um instinto de sobrevivência que
sobrepuja qualquer possibilidade de sublimar o interesse próprio em face do
coletivo.
Porém, não nos esqueçamos
que se somos assim é porque assim fomos concebidos. Que maior beleza poderíamos
vislumbrar que aquela que frutifica de nossa própria imperfeição, já que muito
provavelmente é da imperfeição que se extrai a perfeição. Que mais podemos
esperar de individuos que matam aos seus semelhantes, muitas vezes sem
quaisquer justificativas plausíveis e, de outras, de forma sanguinária e
justificada por motivos étnicos, religiosos, políticos e até mesmo sociais e
que, toleram-se quando tal situação se faça oportuna e necessária a interesses
alimentados por uns poucos.
O falecimento do Santo Padre
e da mulher americana guardam entre si a exata proporção do confronto presente
e constante na existência humana: o enorme abismo que se configura entre o
certo e o errado a eterna busca pela verdade e como muitas vezes nos rendemos a
uma verdade trazida até nós por outros a quem confiamos o nosso destino e até
mesmo a nossa existência. A renúncia social e coletiva que, segundo Rousseau,
devemos fazer em prol de uma forma superior de existência comum, perde sua
eficácia e até mesmo sua própria razão de ser na exata medida em que,
observando-se os últimos acontecimentos, constatamos com profundo pesar que a
resultante não tem sido das melhores.
O homem, a humanidade estão
sendo postos em cheque ante suas convicções alimentadas por vários séculos e
insufladas pela crença cega de que tudo se soluciona com um texto de lei; a
prerrogativa Kelsiana redundada na atualidade, e até mesmo a justificativa
retórica abarcada por Perelmann, foram atingidas a queima-roupa por eventos
inesperados que nos colocaram frente a frente com uma realidade nova,
inesperada e assustadoramente verdadeira. Nossos valores foram contraditados e
nossas expectativas se resumem a um processo de escolha aparentemente simplista
ou mesmo maniqueísta entre o que somos hoje e o que realmente queremos ser
amanha.
O mais importante a
ressaltar é que esse desejo do que seremos amanha não deva, novamente, ser
tomado de forma estática, mas sim repleto do dinamismo natural que a própria
existência humana pressupõe e que mortes como a do Santo Padre e da norte
americana não tenham sido em vao; ou melhor, que suas existências tenham tido
um significado mesmo pequeno qual uma semente que, a qualquer momento, possa
germinar, florescer e frutificar dentro de nossos espíritos e de nossas almas
repletas de dúvidas, incertezas e inseguranças que nos tornam um pouco melhores
que os animais e muito piores do que pensamos ser.
São Paulo, 05 de abril de
2005.
(*) - O autor é graduado em
Administração de Empresas pela Escola Superior de Administração de Negócios
ESAN/SP e pós-graduado em Administração Estratégica pela mesma escola superior.
Atualmente, cursa o quarto ano de direito na Universidade São Francisco Câmpus
de São Paulo é servidor público do Judiciário Federal em São Paulo.
Autor:
Antonio de Jesus Trovão
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