Execução da
pena privativa de liberdade em violação aos Direitos Humanos
Anexo:
Modelo para requerimento de interdição de estabelecimento , Ministério Público
e Ordem dos Advogados do Brasil
Os Estados instituídos como democráticos e sociais de direito expressam em suas Cartas Magnas, a exemplo da Constituição federal brasileira, promulgada em 05 de outubro de 1988, que "não haverá penas cruéis" (art. 5º, inc. xlvii, "e"), muito menos tratamento desumano ou degradante (inc. iii, artº 5º CF), proibido ainda, sanção penal de tipo infamante e atentatória á integridade física e corporal do ser humano, posto que á dignidade da pessoa deve ser respeitada e assegurada, pelo Estado e suas autoridades constituídas.
Trata-se de observância ao princípio da hierarquia vertical das normas ou da
validade dos Documentos internacionais de Direitos Humanos de aceitação
universal aderidos pelos governos, como previsto no art. V da Declaração
Universal dos Direitos Humanos (10.12.1948); o art.7º do Pacto Internacional de
Direitos Civis e Políticos (16.12.1966); o art. 5º, item 2º da Convenção
Americana sobre Direitos Humanos ou Pacto da San José/Costa Rica (22.11.1969);
os dispositivos das Convenções contra a Tortura das Nações Unidas (10.12.1984)
e da Organização dos Estados Americanos (09.12.1985); as Regras Mínimas para
Tratamento dos Reclusos; e o Projeto de Conjunto de Princípios para a Proteção
de todas as Pessoas submetidas a qualquer forma de Detenção ou Prisão
(Resolução n. 633 CI - XXIV, de 31.07.1957, e Resolução 43/173, de 09.12.1988)
da ONU.
As leis criminais ordinárias - infra constitucionais - nos regimes democráticos
proíbem taxativamente qualquer espécie de sanção que produza na prática efeitos
torturantes, degradantes, infamantes e/ ou desumanos.
Rege a Declaração Universal dos Direitos Humanos: "Ninguém será submetido
a tortura nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante".
Estes Tratados, Pactos e Convenções fazem parte dos ordenamentos jurídicos
nacionais dos Estados, e são fontes soberanas de direito público, de plena e
irrestrita vigência interna.
As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação
imediata, isto é, são auto-aplicáveis. Desta forma, os direitos e garantias não
excluem outros decorrentes do regime e dos princípios adotados pelo governo
brasileiro e constante nos tratados internacionais (Constituição da República
Federativa do Brasil, parágrafos 1º e 2º, art. 5º CF).
Nesse sentido, a Convenção de Viena, sobre Direito dos Tratados, de 1969, em
seu artigo 60, prescreve como obrigação "erga ommes" que não se podem
usar subterfúgios e invocações do direito interno para justificar o
não-cumprimento de um Tratado aderido, nem a Constituição pode, contra-dizer
norma de Direito Público humanitário, vez que possui caráter imperativo
("ius congens") e não simples disposição.
Os Estados devem fazer valer a salvaguarda dos interesses comuns superiores
protegidos pelas Convenções, para não afetar o seu próprio grau de validade
hierarquica, sob forma de restrição ou de rebaixamento, mas sim, para aumentar
os mecanismos de supervisão e respeito a um tratamento humano mínimo (ver Cançado
Trindade, Antonio Augusto; in Direito Internacional Humanitário, IPRI, Brasília
- 1989).
Dentre os Direitos Humanos dos presos, por exemplo, dispõe a Lei de Execução
Penal brasileira (art. 1º e 10) que a sentença ou decisão criminal tem por
objetivo proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado
e do interno, e que a assistência material, á saúde, jurídica, educacional,
social e religiosa, é dever do Estado, para prevenir o crime e orientar o
retorno á convivência do apenado em sociedade. Teoria do "res", segundo E.Raúl
Zaffaroni, como justificativa ao encarceramento humano e restrição ao "ius
libertatis".
"Nenhuma pessoa submetida a qualquer forma de detenção ou prisão será
submetida a tortura ou a tratos ou penas cruéis, desumanas ou degradantes. Não
poder-se-á invocar circunstância alguma como justificação da tortura ou de
outros tratos ou penas cruéis, desumanas ou degradantes", estatui o
princípio (6) do Projeto de Conjunto de Princípios para a Proteção de todas as
pessoas submetidas a qualquer forma de detenção ou prisão da ONU (Resolução n.
43/173).
A expressão "tratos ou penas cruéis, desumanas ou degradantes" deve
ser interpretada de maneira que abarque a mais ampla proteção possível contra
todo tipo de abuso, sejam físicos ou mentais, incluído o de manter o preso ou
detento em condições que o privem temporária ou permanentemente do uso de um de
seus sentidos, como a visão ou a audição, ou de sua idéia de lugar ou do
transcurso de tempo. (in LA REVISTA, Por el Imperio del Derecho, da Comisión
Internacional de Juristas, n. 42, Junio 1989).
O contido no artigo 1º Convenção Contra a Tortura da ONU, e dispositivo 2º da
Convenção da OEA, rezam que "as dores e os sofrimentos por consequência de
sanções legítimas ou "medidas legais", não estão compreendidos no
conceito de tortura". Obviamente que devemos interpretar no sentido de
que, desde não afetarem os princípios humanitários básicos. De outro lado, a
execução da pena privativa de liberdade deve observar as Regras Mínimas das
Nações Unidas para os detentos, do contrário pode caracterizar a prisão, na
prática, pena infamante, cruel e desumana, visto que atenta contra a dignidade
da pessoa encarcerada, ferindo inclusive os princípios elementares de justiça
de um Estado Democrático de Direito.
Não devemos admitir e legitimar nenhuma das condições degradantes que estão
sujeitos todos os presos, a prisão por si só causa dores, sofrimentos físicos e
psicológicos nefastos e irreparáveis ao ser humano que o Estado pretende
recuperar, ressocializar, reintegrar, reeducar ou readaptar.
Contradições desta ordem e deste nível de desrespeito jurídico e legal não
podem existir e ser admitidos pelos Documentos de Direitos Humanos; pois, sem
exceção alguma, visam a prevenção e a repressão das violações fundamentais
inerentes ao direito de viver com dignidade, seja "intra" ou "extra" "murus".
é público e notório que a maioria, ou quase a totalidade, dos estabelecimentos
prisionais da América Latina e do Brasil, efetivamente, tem transformado o
cumprimento da pena privativa de liberdade, em sanção cruel e desumana. Ainda
que esteja expresso em documento internacional que "nenhum funcionário
encarregado de fazer cumprir a lei poderá inflingir, instigar ou tolerar nenhum
ato de tortura ou outros tratos ou penas cruéis, desumanas ou
degradantes", reza o artigo 5º do Código de Conduta para Funcionários
Encarregados de Fazer Cumprir a Lei (Adotado pela Assembléia Geral da ONU em
17-12-79 - Resolução n. 34/169).
Segundo a doutrina especializada, a expressão "funcionários encarregados
de fazer cumprir a lei" inclui todos os agentes, nomeados ou eleitos, que
exercem funções de polícia, com faculdades de arresto ou detenção, inclua-se,
ao nosso ver, também as autoridades judiciárias, magistrados que determinam a
prisão e membros do Ministério Público que requerem a condenação á pena
privativa de liberdade ou que postulam a prisão provisória.
Em geral, sabemos que a pena privativa de liberdade teve sua origem na
revolução industrial e que seu objetivo foi e é eminentemente utilitário, ainda
que o discurso ideológico tenha sido humanitário. Para isso, se faz
indispensável o respeito a norma com rigidez em nome do princípio da legalidade
("Violência e Criminalidade. Propostas de solução". prof. René Ariel
Dotti, in Damásio Evangelista de Jesus e outros, Rio de Janeiro, 1980, p. 143).
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