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Situação diversa ocorrerá quando a nomeação recair sobre pessoa que seja credora do agente público ou cujos interesses pessoais estiverem diretamente relacionados ao exercício do cargo para o qual fora nomeado, caminhando em norte contrário a ele. Como exemplo, podemos mencionar a nomeação do proprietário da maior rede hospitalar privada do Município para o cargo de Secretário Municipal de Saúde; neste caso, seria do interesse do Secretário o aprimoramento do atendimento nos hospitais públicos? Contribuiria ele para o decréscimo de seus próprios lucros? Em situações como essa, entendemos ser patente a violação á moralidade administrativa, o que já não ocorre pelo simples fato de o ocupante do cargo ser parente do agente que o nomeou.
Buscando contornar o óbice acima exposto, tem sido comum a edição de normas vedando a nomeação de parentes para o preenchimento de cargos em comissão. Esse tipo de norma em muito contribui para a preservação do princípio da moralidade, pois evita que as nomeações terminem por ser desvirtuadas da satisfação do interesse público e direcionadas ao atendimento de interesses a ele estranhos. À guisa de ilustração, podem ser mencionados:
a) o Estatuto dos Servidores da União (Lei nº 8.112/90), cujo art. 117, VII, veda ao agente "manter sob sua chefia imediata, em cargo ou função de confiança, cônjuge, companheira ou parente até o segundo grau civil";
b) o Regime Jurídico dos Servidores do Poder Judiciário da União (Lei nº 9.427/96), em seu art. 10, veda a nomeação de cônjuge, companheiro ou de parentes até o terceiro grau, pelos membros de tribunais e juízes, a eles vinculados, salvo os servidores ocupantes de cargos de provimento efetivo das carreiras judiciárias;
c) os arts. 355, § 7º e 357, parágrafo único, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal restringem a nomeação de parentes como forma de combate ao nepotismo;
d) o art. 326 do Regimento Interno do Tribunal Regional Federal da 4ª Região veicula comando semelhante;
e) a Lei nº 9.165/95, que disciplina o funcionalismo no âmbito do Tribunal de Contas da União, também veicula restrições á nomeação de parentes;
f) o Provimento nº 84/96, da Ordem dos Advogados do Brasil, em seu art. 1º, "veda a contratação de servidores pela OAB, independente do prazo de duração do pacto laboral, vinculados por relação de parentesco a Conselheiros Federais, Membros Honorários Vitalícios, Conselheiros Estaduais ou integrantes de qualquer órgão deliberativo, assistencial, diretivo ou consultivo da OAB, no âmbito do Conselho Federal, dos Conselhos Seccionais e das Subseções", acrescendo o parágrafo primeiro que "a vedação a que se refere o caput desse artigo se aplica aos cônjuges, companheiros e parentes em linha reta ou na colateral até o terceiro grau";
g) o art. 4º, parágrafo único, da Lei Estadual nº 7.451, de 1º de julho de 1991, que criou cargos no quadro do Tribunal de Justiça de São Paulo e vedou a nomeação, como assistente jurídico, "de cônjuge, de afim e de parente em linha reta ou colateral, até o 3º grau, inclusive, de qualquer dos integrantes do Poder Judiciário do Estado de São Paulo"; e
h) o art. 20, § 5º, da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, com a redação determinada pela Emenda nº 12/95, estabeleceu restrições á nomeação de parentes no âmbito da administração direta e indireta dos três Poderes, do Ministério Público e do Tribunal de Contas.
Existindo vedação legal e sendo ela descumprida, ter-se-á a violação ao princípio da legalidade e, ipso iure, um relevante indício da prática de ato de improbidade. Neste caso, tem-se um impedimento legal ao exercício da função pública, o qual, apesar de restringir a esfera jurídica dos parentes do agente público, em nada compromete a isonomia que deve existir entre estes e os demais, isto porque a restrição é razoável e pontual, evitando que os laços de afinidade terminem por preterir outros pretendentes quiçá melhor preparados.8
A efetividade de normas como essa, no entanto, pressupõe que tenham amplitude semelhante ás da Constituição gaúcha, o que evitará que colegas do agente contratem os parentes deste e este os daqueles, conferindo uma aparente legalidade ao ato. é necessário, ainda, que a matéria seja regida de forma linear e igualitária, alcançando toda a estrutura administrativa de determinada esfera da Federação, o que evitará qualquer discriminação dos servidores conforme o Poder ou o órgão perante o qual atuem.
é de todo aconselhável que a norma dispense tratamento diferenciado áqueles parentes que, após regular aprovação em concurso público, sejam ocupantes de cargo efetivo. Em casos tais, a vedação deve restringir-se á impossibilidade de ocuparem cargos em que estejam diretamente subordinados ao agente com o qual mantenham o vínculo de parentesco. Esse entendimento, aliás, foi encampado pelos arts. 355, § 7º e 357, parágrafo único, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.
Nessa linha, a Lei Estadual nº 3.899, de 19 de julho de 2002, que dispôs sobre o quadro permanente de serviços auxiliares do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, estatuiu, em seu art. 25, que "é vedada a nomeação ou designação para exercer Cargo em Comissão de cônjuge, companheiro ou parente até o 3º (terceiro) grau, inclusive, de membros do Ministério Público, salvo se servidor do Quadro Permanente dos Serviços Auxiliares, caso em que a vedação é restrita á nomeação ou designação para servir junto ao membro determinante da incompatibilidade".
Com isto, evita-se que o agente que ascendeu por méritos próprios ao funcionalismo público deixe de ocupar uma posição de igualdade em relação aos demais; e, pior, ainda seja penalizado por ter um parente em posição de superioridade no escalonamento funcional.
Por derradeiro, o nepotismo poderá ser associado ao desvio de finalidade, o que demandará a análise do contexto probatório, diga-se de passagem, nem sempre fácil de ser construído. O provimento de determinado cargo, ainda que sujeito á subjetividade daquele que escolherá o seu ocupante, sempre se destinará á consecução de uma atividade de interesse público.
Assim, é necessário que haja um perfeito encadeamento entre a natureza do cargo, o agente que o ocupará e a atividade a ser desenvolvida. Rompido esse elo, ter-se-á o desvio de finalidade e, normalmente, a paralela violação ao princípio da moralidade. Os exemplos, aliás, são múltiplos: um cargo que exija o uso das mãos não pode ser ocupado por quem não as possua; uma pessoa que sequer é alfabetizada não pode ocupar um cargo que exija conhecimentos técnico-científicos; um adolescente, filho ou sobrinho de Desembargador, que sequer concluiu o ciclo básico de estudos, não deve ser nomeado Assessor deste, máxime quando estuda em outro Estado da Federação9 ; etc. Em situações como estas, restará claro que ao nomear um parente para a ocupação do cargo buscou o agente unicamente beneficiá-lo, já que suas limitadas aptidões inviabilizavam o exercício das funções inerentes ao cargo para o qual fora nomeado.
O Superior Tribunal de Justiça reconheceu a prática do nepotismo na remoção por permuta realizada entre pai e filha, respectivamente titular de Ofício de Cartório de Imóveis da Capital, em vias de se aposentar, e Escrivã Distrital, já que, ante a inexperiência desta, não se verificava a satisfação de qualquer interesse da Justiça em tal permuta, sendo flagrante que o ato visava á mera satisfação do interesse pessoal dos envolvidos.10
Identificada a ocorrência do nepotismo, prática de todo reprovável aos olhos da população, devem ser objeto de apuração as causas da nomeação, as aptidões do nomeado, a razoabilidade da remuneração recebida e a consecução do interesse público. A partir da aferição desses elementos, será possível identificar a possível inadequação do ato aos princípios da legalidade e da moralidade, bem como a presença do desvio de finalidade, o que será indício veemente da consubstanciação de ato de improbidade.
Rio de Janeiro, 22 de julho de 2002.
Notas de rodapé convertidas em notas de fim, e referências
1 (1) Cf. Francisco Torrinha, Dicionário Latino Português, pp. 550/551.
2 "Nepotismo s.m. 1. Política adotada por certos papas que consistia em favorecer sistematicamente suas famílias. - 2. Abuso de crédito em favor de parentes ou amigos. - 3. Favoritismo, proteção escandalosa, filhotismo." (Grande Enciclopédia Larousse Cultural, p. 4187). "Népotisme e.m (it. nepotismo, du lat. nepos "neveu")> 1. Attitude de certains papes qui accordaient des faveurs particuliéres á leurs parents. 2. Abus quun homme en place fait de son crédit em faveur de sa famille: Il a eu ce poste de haut fonctionnaire par népotisme". (Dictionnaire Encyclopédique Illustré pour la maítrise de la langue française, la culture classique et contemporaine, p. 1074).
3 Cf. Aluísio de Souza Lima, Visão do Nepotismo numa Perspectiva Histórica, Política e Sociológica, Revista Cearense Independente do Ministério Público, p. 9.
4 Art. 37, II e V.
5 A 5ª Turma do STJ, no entanto, ao julgar o REsp. nº 150.897-SC, sendo relator o Min. Jorge Scartezzini, ressaltou que a nomeação de parentes para a ocupação de cargos em comissão violava os princípios da moralidade e da impessoalidade na administração, ainda que, diversamente do caso sub judice, não houvesse lei que proibisse as nomeações (j. em 13.11.00, DJ de 18.02.02). O TJRS decidiu da seguinte forma: "Constitucional e administrativo. Cargos Públicos. Investidura de agentes políticos e de servidores em cargos e em funções de confiança. Nepotismo. Inverossimilhança da restrição ao direito fundamental de acesso a cargos públicos pela falta de norma legal restritiva e pelo princípio da moralidade. 1. O acesso aos cargos públicos só pode ser restringido por lei em sentido formal. Não se aplicando aos municípios o art. 20, § 5º, da CE/89, em razão de sua autonomia, por igual, o 130, X, da Lei Orgânica do Município de Capão da Canoa aos poderes do Chefe do Executivo local, não infringe ao princípio da legalidade. Por outro lado, a exteriorização do valores da comunidade, que preencherão os fluidos princípios da moralidade e da impessoalidade, é matéria de prova. Inverossimilhança da pretensão antecipatória. 2. Agravo de instrumento desprovido." (4ª CC., AI nº 70003412020, rel. Des. Araken de Assis, j. em 28/12/01).
6 Para maior desenvolvimento do tema, vide a obra de nossa autoria intitulada Improbidade Administrativa, sendo a segunda parte da lavra de Rogério Pacheco Alves, 1ª ed., 2ª tiragem, Rio: Editora Lumen Juris, 2002, pp. 38/52.
7 Será admissível, inclusive, a perquirição do ato de improbidade previsto no art. 10, XII, da Lei nº 8.429/92 ("permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente."), que configura um plus em relação á mera violação aos princípios regentes da atividade estatal. Para maior desenvolvimento do tema, que apresenta múltiplas variantes, remetemos o leitor á obra de nossa autoria intitulada Improbidade Administrativa, sendo a segunda parte da lavra de Rogério Pacheco Alves, pp. 290/297.
8 O STF proferiu decisão do seguinte teor: "Cargos de confiança. Parentesco. Nomeação e exercício. Proibição. Emenda Constitucional. Adi. Liminar. A concessão de liminar pressupõe a relevância do pedido formulado e o risco de manter-se com plena eficácia o preceito. Isso não ocorre quando o dispositivo atacado, de índole constitucional, confere ao tema chamado "nepotismo" tratamento uniforme nos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, proibindo o exercício do cargo pelos parentes consangüíneos e afins até o segundo grau, no âmbito de cada Poder, dispondo sobre os procedimentos a serem adotados para a cessação das situações existentes (...). (Pleno, ADIMC nº 1.521/RS, rel. Min. Marco Aurélio, j. em 12.03.97, RTJ nº 173/424). O STJ, do mesmo modo, assim decidiu: "Constitucional. Recurso em mandado de segurança. Alegação de inconstitucionalidade de norma estadual que veda a contratação de parentes dos magistrados para cargos do Judiciário Paulista. Improvimento. I. O princípio atacado não é inconstitucional. Ao contrário, visa defender os princípios da moralidade no serviço público e os do Estado Republicano, combatendo o nepotismo e reforçando, mesmo, a idéia de isonomia, já que para provimento de tais cargos não há concurso público. E o próprio artigo 37, inc. I, da CF, diz que o acesso de brasileiros aos cargos públicos deve obedecer aos requisitos estabelecidos em lei. II. Recurso improvido." (6ª T., ROMS nº 2.284/SP, rel. Min, Pedro Acioli, j. em 25/04/94, DJ de 16/05/94, p. 11.785).
9 O exemplo foi colhido do Jornal do Brasil, edição de 27 de junho de 2002, p. 2, sendo a reportagem de autoria de Diego Escosteguy. Segundo o periódico, uma juíza do TRT de Roraima, em 1988, teve a filha, então com 14 anos de idade e cursando a 8ª série do 1º grau, contratada para trabalhar em seu gabinete. Dois meses depois foi a vez de sua sobrinha, de 12 anos de idade e que cursava a 6ª série. Foram exoneradas em 1989, por ordem do então Presidente do TRT e readmitidas em 1991, tendo recebido salários e gratificações até 1997. Em 1995, a filha foi promovida á condição de chefe de gabinete da mãe, á época Presidente do TRT-RO. A sobrinha, por sua vez, teve seus vencimentos aumentados por sua benemérita três dias após a assunção da Presidência do Tribunal. O curioso é que, durante boa parte deste período, estudavam em Ribeirão Preto, a 2.759 Km de Porto Velho. Os fatos foram investigados pelo Ministério Público e encaminhados ao TCU, o qual fixou o prazo de 15 dias para apresentação de defesa ou devolução das importâncias recebidas. No julgamento da Petição nº 1.576-3, também oriunda de Roraima, sendo relator o Min. Nelson Jobim, o STF reconheceu a suspeição de cinco dos sete Desembargadores do Tribunal de Justiça local - cujos parentes foram nomeados para cargos em comissão no Tribunal e, posteriormente, afastados por decisão de Juiz de Direito, atendendo pleito do Ministério Público em ação civil pública - para apreciar representação ofertada por um deles contra o Juiz de 1ª instância que proferiu decisão contrária aos interesses de seus parentes. No procedimento disciplinar, o Juiz chegou a ser afastado de suas funções sob a acusação de "insubordinação, excesso de linguagem e atitude desrespeitosa". Como frisou o relator: "em tribunal suspeito, não existe desembargador legitimado" (Pleno, unânime, j. em 24.09.98, DJ de 18.02.00). Hipótese similar ao primeiro caso mencionado foi julgada pelo TJGO: " Ação Civil Pública. Atos de improbidade administrativa. Defesa do patrimônio público. Legitimidade do Ministério Público. O Ministério Público tem legitimidade para propor ação civil pública que objetiva a proteção do erário municipal. 2. Sentença ultra e extra petita. Não há se falar em sentença ultra ou extra petita quando ela é proferida nos estritos limites do petitum. 3. Nomeação de menor impúbere para o exercício de cargo comissionado. Caracteriza-se ato de improbidade administrativa a nomeação de filho menor de 18 anos para a função pública, uma vez que ofende os princípios da administração. Apelo conhecido e improvido. Decisão unânime". (2ª CC, AP nº 54530-7/188, rel. Des. Fenelon Teodoro Reis, j. em 21/11/00, DJ de 06/12/00, p. 6).
10 2ª T., ROMS nº 1.751/PR, rel. Min. Américo Luz, j. em 02.04.94, R
Autor:
Emerson Garcia
emersongarcia814[arroba]hotmail.com
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