Breve reflexão sobre o conceito de direito adquirido

Enviado por Leandro Sarai


O que é direito adquirido?

Será que tal conceito já está claro o bastante para enfrentar os casos práticos que lhe são postos?

Vejamos até que ponto vai a tranqüilidade:

A doutrina costuma buscar em GABBA algum subsídio. Mas GABBA realmente ajuda?

JOSé AFONSO DA SILVA (2006:133) leciona:

A doutrina ainda não fixou com precisão o conceito de "direito adquirido". é ainda a opinião de Gabba que orienta sua noção, destacando como seus elementos caracterizadores: (a) ter sido produzido por um fato idôneo para sua produção; (b) ter-se incorporado definitivamente ao patrimônio do titular.

ROQUE ANTONIO CARRAZZA, no mesmo sentido (2005:840):

...que vem a ser direito adquirido?

A resposta a esta intrincada questão é-nos dada, com propriedade, pelo grande Gabba. Ouçamo-lo: "é adquirido cada direito que: a) é conseqüência de um fato idôneo a produzi-lo, em virtude de a lei do tempo no qual o fato se consumou, embora a ocasião de fazê-lo valer não se tenha apresentado antes da atuação de uma lei nova em torno do mesmo; e que b) nos termos da lei sob cujo império ocorre o fato do qual se origina, passou imediatamente a fazer parte do patrimônio de quem o adquiriu" (Teoria della Retroavitá delle Leggi, Turim, Utet, 3ª ed., 1891, p.191)

Gabba, que já era citado nas referências bibliográficas de CLÓVIS BEVILÁQUA (1940:99), teria influenciado a redação do §2.º do art. 6.º da Lei de Introdução ao Código Civil:

Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.

§ 1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou.

§ 2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por êle, possa exercer, como aquêles cujo comêço do exercício tenha têrmo pré-fixo, ou condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem

.O que vem a ser, contudo, um direito incorporado ao patrimônio?

Segundo CLÓVIS BEVILÁQUA (1940:101), "acham-se no patrimônio os direitos que podem ser exercidos, como, ainda, os dependentes de prazo ou de condição preestabelecida, não alterável ao arbítrio de outrem."

Seria, então, o direito adquirido um direito subjetivo?

JOSé AFONSO DA SILVA (2006:133/4) esclarece que o direito adquirido é a transmutação do direito subjetivo, que, quando não exercitado, permanece apesar do advento de lei nova:

Para compreendermos um pouco melhor o que seja o direito adquirido, cumpre relembrar o que se disse acima sobre o direito subjetivo: é um direito exercitável segundo a vontade do titular e exigível na via jurisdicional quando seu exercício é obstado pelo sujeito obrigado á prestação correspondente. Se tal direito é exercido, foi devidamente prestado, tornou-se situação jurídica consumada (direito consumado, direito satisfeito, extinguiu-se a relação jurídica que o fundamentava). Por exemplo, quem tinha o direito de se casar de acordo com as regras de uma lei, e casou-se, seu direito foi exercido, consumou-se. A lei nova não tem o poder de desfazer a situação jurídica consumada. A lei nova não pode descasar o casado porque tenha estabelecido regras diferentes para o casamento.

Se o direito subjetivo não foi exercido, vindo a lei nova, transforma-se em direito adquirido, porque era direito exercitável e exigível á vontade de seu titular. Incorporou-se ao seu patrimônio, para ser exercido quando lhe convier.[...] Vale dizer - repetindo: o direito subjetivo vira direito adquirido quando lei nova vem alterar as bases normativas sob as quais foi constituído.

O que é exercer o direito?

Distingamos entre direitos reais e pessoais.

Se somos proprietários de um bem, nosso direito é exercido pelo uso de quaisquer das faculdades inerentes ao domínio, como, por exemplo, uso, gozo, alienação do bem.

Tratando-se de direitos pessoais, possuímos direito a uma prestação. Exigir o cumprimento da prestação é exercício do direito ou exercício da pretensão?

Ainda que não tenhamos recebido o objeto da prestação, conforme o caso, podemos, por exemplo, ceder nosso crédito. Podemos concluir assim que o crédito integra nosso patrimônio, uma vez que, nemo plus juris transferre potest, quam ipse habet.

A exigência da prestação está para o direito pessoal da mesma forma que o direito de seqüela está para o direito real.

Também são adquiridos aqueles direitos cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem.

Ocorre que tudo isso não parece suficiente para resolver certas questões. Por isso, começaremos efetivamente a refletir, embora brevemente, sobre direito adquirido, bem como tentaremos resolver certas questões demonstrando a insuficiência da conceituação acima.

Cremos que o fundamento do direito adquirido é dar sentido ás legítimas expectativas surgidas das manifestações de vontade, bem como assegurar equilíbrio das relações jurídicas.

Qualquer manifestação de vontade prometendo algo a outrem gera direito adquirido?

Não. Pode gerar direito, mas não lhe dá necessariamente o atributo de "adquirido".

Enquanto a lei que concede o benefício de isenção está vigendo, o direito pode ser exercido sem que com isso se diga haver direito adquirido.

O direito adquirido é aquele cujo exercício não pode ser obstado pela vontade de outrem, inclusive pela vontade da Lei, conforme art. 5.º, XXXVI, da Constituição Federal.

Se tal direito pode ser extinto pela vontade alheia, não se trata de direito adquirido.

Quando é então afinal que se pode extinguir o direito alheio ou alterar o termo ou condição de que trata o art. 6.º, § 2.º, parte final, da LICC?

Quando não houver expectativa legítima de sua permanência.

O que é "legítimo" varia no tempo e no espaço, só se aferindo através de um juízo de valor, que pode ser obtido com base na boa-fé objetiva que rege os negócios jurídicos, nos termos do art. 113 do Código Civil (REALE, 2006).

O direito adquirido decorre do "pacta sunt servanda", da mesma forma que o ato jurídico perfeito, e busca equilibrar as relações sociais.

Agora sim poderemos tentar resolver alguns casos práticos.

Primeiro exemplo: uma isenção incondicionada de IPTU, que começa a vigorar em janeiro de 2006.

Entrando a lei em vigor, os beneficiados com a isenção possuem direito subjetivo? Sim.

Podem exercer o direito? Sim. Inclusive, se for exigido o IPTU de 2006 de um indivíduo isento, ele poderá pleitear administrativamente ou judicialmente a declaração de inexistência do débito.

E se vier uma lei nova e revogar a lei que concede a isenção?

A doutrina costuma afirmar que nesse caso não há direito adquirido (CARRAZZA, 2005: 836). Por quê? O que tínhamos a respeito de direito adquirido não resolvia esta questão.

Analisando-a sob o prisma da legítima expectativa de acordo com os ditames da boa-fé objetiva, verificamos que nesse caso não se pode pretender a manutenção eterna do benefício.

Sabe-se que o benefício só dura enquanto permanecer a base legal que o garante, pois esta mesma lei não foi feita para valer para sempre, bem como não especificou o termo final do benefício.

A única garantia é o princípio da anterioridade, de modo que, revogado o benefício, somente os fatos geradores do exercício gerarão obrigações tributárias exigíveis, conforme art. 104, III, do Código Tributário Nacional - CTN.

Até o fato de o CTN prever expressamente acerca da revogação da isenção demonstra não caber expectativa da permanência eterna do benefício.


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