Página anterior Voltar ao início do trabalhoPágina seguinte 


Ação judicial para liberação de hipoteca e obtenção de escritura definitiva (página 2)

Jaques Bushatsky

III

Os fins sociais que a lei pretende contemplar e a boa-fé que há de permear os contratos, consistem sob distinto ângulo, alicerces á pretensão liberatória de titular de compromisso, que se veja surpreendido por hipoteca celebrada nos moldes ora descritos.

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul já teve oportunidade de proclamar11 com veemência que "Indubitavelmente, é o caso sub oculis, porquanto os autores, na melhor da boa-fé, adquiriram o apartamento que retrata a exordial, com os respectivos estacionamentos, adimpliram o preço e, de modo imoral e ilícito, visando resguardar interesses econômicos de uma grande instituição bancária e as falcatruas de uma grande construtora, hoje falida, vêem-se na iminência de perderem verdadeiro bem de família, já que nele é que residem os autores e um filho".

Diga-se, se a hipoteca se concretiza mediante uso de mandato outorgado pelo adquirente (esta é a situação corriqueira), ocorre flagrante violação12 do inciso VIII do artigo 51 da Lei 8078 de 11/09/90.

Não fosse o bastante, é fácil a verificação de que estipulação da ordem da que é tratada, irrita enorme rol de dispositivos protetivos presentes na legislação do consumo, colocando o consumidor em risco desmesurado, restringindo-lhe direitos, impondo-lhe excesso13 , o que, se de um lado erege o direito do adquirente á liberação da hipoteca, a patamar de indiscutibilidade (sob o prisma legal), evidentemente sugere futuras discussões acerca dos mecanismos legais que poderão emprestar viabilidade a empreendimentos imobiliários que dependam de financiamento14 .

De resto, o novo código civil, mantendo a inteligência da antiga legislação, coibiu qualquer tipo de atentado ao constitucional direito de propriedade (art. 1.228 - NCC)15 , mantendo-se fiel ao comando constitucional (art. 5º, incisos XXII e XXXV - CF).

IV

Pois bem, se o único impedimento para a lavratura da escritura definitiva é a existência de hipoteca inscrita na matrícula do imóvel em razão de obrigações mantidas com a Instituição Financeira, passa a justificar-se o ajuizamento de ação, em busca da liberação.

é notória a condição de fragilidade que acoima tais adquirentes, a par de integralmente honradas as suas obrigações, cumprindo minimizar-lhes inúmeros constrangimentos e os não descartados prejuízos econômicos, lhes possibilitando o regular exercício do direito de propriedade.

Somem-se, o efetivo conhecimento pela Instituição Financeira da destinação para venda do empreendimento e da integral quitação do preço do imóvel pelo adquirente (nessas hipóteses); a necessidade de outorga de escritura somente obstada em virtude da hipoteca estipulada ao alvedrio das regras específicas; a evidência de que o direito á escritura não pode ser abalado em razão de tratos formulados entre vendedora e instituição financeira.

Mais recentemente, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 308 (A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior á celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel).

Malgrado as críticas que vêm sendo dirigidas ao texto (deveria cuidar de incorporadoras e não de construtoras; embaralharia hipotecas dentro e fora do SFH; não especificaria as situações de anuência do adquirente com a hipoteca; e assim por diante), no que diz respeito á questão ora debatida, não há margem para dúvida: a Súmula 308 deitou ares morimbundos ás recusas formuladas por Instituições; reforçou com nitidez a postulação judicial pelos adquirentes que perseguem a liberação de suas hipotecas.

São esses alguns tópicos que evidenciam a possibilidade da intervenção judicial, através do deferimento de antecipação de tutela , para que seja determinada a liberação da hipoteca incidente sobre o imóvel de propriedade em condições tais.

Sublinhe-se, essas condições, ora resumidas, permitem inferir a existência de fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, bem como a inexistência de temor de irreversibilidade da medida, tendo em vista a integral satisfação do preço do imóvel, consubstanciada na ausência de perigo de dano á Instituição, que sempre poderá valer-se de mecanismos processuais adequados para a satisfação de eventuais créditos em face da empresa vendedora.17

São razões que tornam legal decreto de nulidade do ônus hipotecário incidente sobre o imóvel adquirido nas condições descritas, para a definitiva liberação da hipoteca e seguinte outorga da definitiva escritura, mostrando-se possível a antecipação de tutela, tendo em vista o preenchimento dos requisitos impostos pelo Código de Processo Civil.

Notas de rodapé convertidas

1. "Art. 43. Os empréstimos destinados ao financiamento da construção, ou da venda de unidades imobiliárias poderão ser garantidos pela caução, cessão parcial ou cessão fiduciária dos direitos decorrentes de alienação de imóveis, aplicando-se, no que couber, o disposto nos §§ 1º e 2° do artigo 22 da Lei n° 4.864 de 29 de dezembro de 1965".

Parágrafo único: As garantias a que se refere este artigo constituem direitos reais sobre os respectivos imóveis".

2. O Decreto Lei 70/66 autoriza o funcionamento das associações de poupança e empréstimo, institui a cédula hipotecária e dá outras providências.

3. "Art. 22 Os créditos abertos nos termos do artigo anterior pelas Caixas Econômicas, bem como pelas sociedades de crédito imobiliário, poderão ser garantidos pela caução, a cessão parcial ou a cessão fiduciária dos direitos decorrentes dos contratos de alienação das unidades habitacionais integrantes do projeto financiado.

§ 1°. Nas aberturas de crédito garantidas pela caução referida neste artigo, vencido o contrato por inadimplemento da empresa financiada, o credor terá o direito de, independentemente de qualquer procedimento judicial e com preferência sobre todos os demais credores da empresa financiada, haver os créditos caucionados diretamente dos adquirentes das unidades habitacionais, até a final liquidação do crédito garantido.

§ 2°. Na cessão parcial referida neste artigo, o credor é titular dos direitos cedidos na percentagem prevista no contrato, podendo, mediante comunicações ao adquirente da unidade habitacional, exigir diretamente, o pagamento em cada prestação da sua percentagem nos direitos cedidos.

4. Art. 23. Na cessão fiduciária em garantia referida no artigo 22, o credor é titular fiduciário dos direitos cedidos até a liquidação da dívida garantida, continuando o devedor a exercer os direitos em nome do credor, segundo as condições do contrato e com as responsabilidades de depositário.

§ 1°. No caso de inadimplemento da obrigação garantida, o credor fiduciário poderá, mediante comunicação aos adquirentes das unidades habitacionais, passar a exercer diretamente todos os direitos decorrentes dos créditos cedidos, aplicando as importâncias recebidas no pagamento do seu crédito e nas despesas decorrentes da cobrança, e entregando ao devedor o saldo porventura apurado.

§ 2°. Se a importância recebida na realização dos direitos cedidos não bastar para pagar o crédito do credor fiduciário, bem como as despesas referidas no parágrafo anterior, o devedor continuará pessoalmente obrigado a pagar o saldo remanescente.

§ 3°. é nula a cláusula que autoriza o cessionário fiduciário a ficar com os direitos cedidos em garantia, se a dívida não for paga no seu vencimento.

§ 4°. A cessão fiduciária em garantia somente valerá contra terceiros depois que o seu instrumento, público ou particular, qualquer que seja o seu valor, for arquivado por cópia no registro de títulos e documentos."

5. artigo 1479 do Código Civil

6. artigo 1481 parágrafo 4o do Código Civil.

7. STJ - RESP 239557 -SC-4a T. - Rei. Min. Ruy Rosado de Aguiar - DJU 07.08.2000 - p. 00113.

8. STJ - QUARTA TURMA - RESP 237538 / SP - Min. ALDIR PASSARINHO JÚNIOR - DJ DATA:30/06/2003 PG-.00251.

9. STJ - TERCEIRA TURMA - RESP 431440 l SP - Min. NANCY ANDRIGHI - DJ D ATA: 17/02/2003 PG-.00273.

10. 1°Tacivil - 9° Câmara; AP n. 910.677-2-Campinas-SP; Re/. Juiz José Luiz Gavião de Almeida; j. 25/06/2002 - Boletim AASP n. 2337, pg. 2827/2828.

11. Apelação Cível n. 70003385168, 19a. Câmara, julgamento aos 02/04/02, relator Desembargador GUINTER SPODE, RDI 53/292. A falida mencionada no acórdão é a "ENCOL".

12. A propósito, a Súmula 60 - STJ "é nula a obrigação cambial assumida por procurador do mutuário vinculado ao mutuante, no exclusivo interesse deste".

13. Convém a lembrança do inciso V do artigo 39 e do inciso IV do artigo 51, ambos do Código de Proteção do Consumidor, aliados á Portaria 03 de 15/03/01 da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça, a qual dá por nula (item n. 15) previsão contratual em que " o adquirente autorize ao incorporador alienante constituir hipoteca do terreno e de suas acessões para garantir dívida da empresa incorporadora...[SIC]"

14. E para tal, forrando as necessidades de incorporadoras e dando atenção ás exigências dos bancos, vêm sendo regulados institutos tais como o "patrimônio de afetação", a "alienação fiduciária de imóvel", tudo a robustecer a certeza de que hipotecas ajustadas ao arrepio dos dispositivos legais lembrados agora, sequer possuem justificativa de índole negocial ou econômica.

15. "Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha" .

16. Ordem que estaria inserida nos parâmetros pretendidos, a teor de "A decisão que antecipa a tutela não pode ir além da sentença possível, que por sua vez, está limitada ao pedido inicial" (STJ, 3a. Turma, RESP 194156-RS, relator Ministro ARI PARGENDLER, DJU 23-06-2003)

17. Em idêntica demanda, o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo proferiu o seguinte V. Acórdão:

"Está bem demonstrado que os cedentes de direitos e os autores cumpriram todas as suas obrigações para com a promitente vendedora. Não importa que tenham autorizado a contratação da hipoteca, porque o cumprimento integral de seus deveres contratuais os autoriza a obter a liberação do imóvel e a escritura definitiva". (10a. Câmara, Agravo de Instrumento nº 93.940-4/0 -Campinas [MV 4.152], julgamento 03/08/99, Relator Desembargador Maurício Vidigal).

 

 

Autor:

Jaques Bushatsky



 Página anterior Voltar ao início do trabalhoPágina seguinte 



As opiniões expressas em todos os documentos publicados aqui neste site são de responsabilidade exclusiva dos autores e não de Monografias.com. O objetivo de Monografias.com é disponibilizar o conhecimento para toda a sua comunidade. É de responsabilidade de cada leitor o eventual uso que venha a fazer desta informação. Em qualquer caso é obrigatória a citação bibliográfica completa, incluindo o autor e o site Monografias.com.