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A positivação do princípio protetor após à CRFB/88 (página 2)

Diogo de Souza Freitas

Não se trata de uma conotação ideológica ou política, mas de uma fragilidade real existente, em relação ao trabalhador, num contrato com a parte economicamente mais forte. Tendo em vista o alcance do princípio protetor ao trabalhador, fazem-se necessárias algumas observações.

2.1 - Fonte

Não consiste num método especial de interpretação, mas um princípio que instrui a criação das normas de direito do trabalho e deve ser levado em conta quando da sua aplicação. A proteção do direito do trabalho destina-se á pessoa humana (art. 1º, III, da CRFB/88). O direito do trabalho surgiu para proteger o trabalhador. Visa o equilíbrio entre o capital e o trabalho, impondo direitos e obrigações entre empregados e empregadores.

2.2 - Limitaçã

Como limitador da aplicação, temos o princípio da segurança jurídica, notadamente quando a aplicação do princípio da proteção implicar normas que suponham violação daquele. é um risco que se corre: o da má aplicação. Se utilizado corretamente, não há o que temer. O princípio da segurança jurídica, então, é um limitador da aplicação do princípio protetor.

2.3 - Evolução

Existente em todas as etapas do direito do trabalho. No início, quando havia lacuna na legislação, a sua aplicação era maior. Hoje, embora a legislação abranja um maior número de tópicos, sua aplicação continua sendo de suma importância. Afinal, com o princípio não se pretende substituir a lei, apenas, em caso de dúvida, aplicá-la de acordo com a vontade do legislador.

2.4 - Positivação

Como o princípio é norteador da própria criação da norma, está acima do direito positivo, não sendo necessária sua consagração. Não obstante o inciso I, do art. 7º da CRFB/88 e o inciso VIII, do art. 6 do CDC.

3 - DIVISÃO

O princípio protetor resulta das normas imperativas e, portanto, de ordem econômica, caracterizando a instituição básica do Estado nas relações de trabalho, visando opor obstáculos á autonomia da vontade. Essas regras cogentes formam a base do contrato de trabalho, ou seja, traçam uma linha divisória entre a vontade do Estado, manifestada pelos poderes competentes, e a dos contraentes. Estes podem complementar ou suplementar o mínimo de proteção legal.

Os fundamentos jurídicos-políticos e sociológicos do princípio protetor geram outros: in dubio pro operário; norma mais favorável e condição mais benéfica.

3.1 - In dúbio pro operário

Trata-se de um critério que deve ser utilizado pelo juiz e técnicos de direito para escolher entre vários sentidos possíveis de uma norma, aquele que seja mais favorável ao trabalhador, com ênfase á vontade do legislador. A aplicação desse princípio, todavia, só é permitida se atendidas algumas condições como a existência de dúvida sobre o alcance da norma legal e sempre que não esteja em desacordo com a vontade do legislador.

3.2 - Norma mais favorável

Em relação á regra da norma mais favorável, ao contrário do direito comum, entre várias normas sobre a mesma matéria, o vértice da pirâmide da hierarquia das normas trabalhistas será ocupado pela norma mais favorável ao trabalhador.

O princípio da norma mais favorável constitui tríplice função: em primeiro lugar, é princípio de elaboração das normas jurídicas significando, nesse sentido, que as novas leis devem dispor no sentido de aperfeiçoar o sistema, favorecendo o trabalhador, só por exceção afastando-se desse objetivo. Justifica-se plenamente essa assertiva sabendo-se que as leis trabalhistas devem contribuir para a melhoria da condição social do trabalhador.

A segunda função é hierárquica, assim sendo porque o direito do trabalho é plurinormativo, constituído de uma ampla diversidade de tipos de normas concorrentes que podem dispor sobre o mesmo termo. é necessário estabelecer uma ordem de hierarquia na aplicação das mesmas. Assim, havendo duas ou mais normas, estatais ou não estatais, aplica-se a que mais beneficiar o empregado.

Significa dizer que, dentro da idéia de hierarquia das fontes no direito do trabalho, prevalece á norma mais favorável, mesmo frente á Constituição Federal de 1988, previsão esta principiológica oriunda do princípio protetor, não obstante a possível positivação desse princípio no inciso I, do art. 7º, da nossa carta constitucional. E nesta idéia de hierarquia, se enquadram outras normas, conforme previsão da própria Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, parágrafos 2º e 3º.

Por fim, tem função interpretativa de modo que é, também, um princípio de interpretação de normas jurídicas, havendo obscuridade quanto ao significado destas deverá prevalecer á interpretação capaz de conduzir ao resultado que melhor se identifique com o sentido social do direito do trabalho.

Em síntese, em caso de haver mais de uma norma aplicável, deve-se optar por aquela mais favorável, ainda que não seja correspondente aos critérios clássicos de hierarquia. Consiste no critério pelo qual a aplicação de uma nova norma trabalhista nunca deve servir para diminuir as condições mais favoráveis em que se encontrava um trabalhador.

3.3 - Condição mais benéfica

Aqui existe a uma situação concreta, anteriormente reconhecida pela lei, determinada e respeitável, na medida em que seja mais favorável ao trabalhador que a nova norma aplicável, como reza o inciso.

4 - POSITIVAÇÃO

Diante do que já foi dito percebe-se que o princípio protetor tem plena autonomia no mundo jurídico, não só na ordem jurídica trabalhista, como em todo o ordenamento jurídico nacional.

Entretanto em nosso sistema jurídico, denominado "civil-law", a lei tem o caráter imperativo em relação ás outras fontes. Não obstante o princípio protetor ser uma exceção.

Sendo assim não podemos ignorar a vontade do legislador, porque o direito nasce da vontade humana para atender um anseio social se materializando como fonte de direito, seja ela um costume, uma lei, uma jurisprudência, uma doutrina ou um princípio, e talvez na busca de uma segurança jurídica social o criador do direito tenha positivado tal princípio na CRFB/88, na CLT, no CDC e em outros ordenamentos.

Senão vejamos:

"Art. 7º (CRFB/88) São direito dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem á melhoria de sua condição social:

I - relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos;"

"Art. 468 (CLT) Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e, ainda assim, desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia."

"Art. 6º (CDC) São direitos básicos do consumidor:

VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;"

Agora em um novo ramo jurídico, onde antes da CRFB/88 e do CDC estava inserido no direito civil sem autonomia, lembrando que o direito consumerista muito se aproxima do direito trabalhista no que toca a relação de desigualdade entre as parte, ou seja, tanto o trabalhador quanto o consumidor, na maioria das vezes, são hipossuficientes, porque não positivar tal princípio tendo em vista nosso sistema ser germânico com hierarquia, quase que absoluta, das leis sobre as outras fontes.

É claro que o legislador deveria ter feito o que fez, porque volto a dizer, o direito é feito para garantir a segurança social.

5 - FLEXIBILIZAÇÃO

Não há como negar que o direito do trabalho brasileiro deve se adaptar aos novos tempos, pois, persiste marcado pelo forte intervencionismo estatal, refletindo o autoritarismo da época em que foi gerado, pomposo, complexo ás vezes obscuro, preponderantemente constituído de normas de ordem pública, tendo contribuído para o imobilismo empresarial e estímulo á especulação financeira, inclusive com a aplicação de capital estrangeiro.

Este quadro torna-se obsoleto na medida em que emergem novas condições de vida, desafios, problemas a enfrentar. Com isso é impossível pretender que continue a desempenhar o mesmo papel, por mais eficiente que outrora se tenha apresentado, uma vez que, continuar com a mesma armadura protetora estatal seria condená-lo á ineficácia.

Obviamente que a legislação do trabalho tem que estar mais aberta á economia e ás necessidades de adaptação conjuntural. Mas o que se percebe é que esta "conjuntura" tem forçado os trabalhadores a suportarem condições de trabalho menos favoráveis e até mesmo a retirada de conquistas importantes que se pensava estarem solidamente implantadas.

Por traz da "milagrosa" flexibilização das normas trabalhistas, difundida como o processo relacionado com a adaptação de preceitos que regulamentam as relações laborais, em face das diversificadas transformações ditadas por fatores que afetam a nova realidade do mundo do trabalho, o que se verifica é uma real possibilidade de alteração in pejus das condições de trabalho, afetando, diretamente o princípio protetor do trabalhador.

A compatibilização da flexibilidade necessária com o princípio de caráter tutelar e a imperatividade das normas laborais, que é a própria razão histórica do direito do trabalho, poderiam ser resolvida através da evolução da atividade interpretativa e da ampliação das categorias jurídicas, sem esta flexibilização radical e avassaladora de direitos.

Na realidade, o que se observa é que o processo de flexibilização das normas trabalhistas vem ocorrendo em diversos países do mundo, diminuído ou abstraídos os seus excessos, impõe o estabelecimento de preceitos reguladores de relações laborais aos novos tempos.

Muito se tem discutido acerca da incidência da teoria flexibilizadora sobre as normas que regulam as relações de trabalho e, por conseguinte, sobre o princípio protecionista, em seus vários desdobramentos.

Não há dúvidas de que o abrandamento necessário das normas rígidas que se mostram incompatíveis com o atual momento histórico do direito do trabalho, mediante o denominado "processo de flexibilização das mesmas", incidirá e afetará a essência de proteção universalmente consagrada.

Aqueles que preconizam a flexibilização justificam tal teoria sob fundamentos diversos, sendo os mais indicados os seguintes: a pura necessidade de reformar e rever conceitos que hoje consideram superados; o excessivo engessamento das relações de trabalho pela indevida intromissão estatal; o extraordinário avanço da tecnologia, que tornam incompatíveis as modernas formas de produção com os atuais modelos de relação de trabalho; o excesso de proteção, que teria efeitos perversos, resultando em diminuição dos postos de trabalho, aumento do subemprego e do trabalho informal.

Por outro lado, há aqueles que entendem que os impulsos tecnológicos, da automação, somados a tese da flexibilização das normas laborais são elementos indutores de desemprego e precarização do trabalho. A flexibilização seria um meio de retrocesso, pondo por fim a tudo que fora arduamente conquistado pelos trabalhadores no decorrer dos séculos de reivindicação.

Pelo exposto até então, pode-se adiantar que se compreende a desregulamentação do direito do trabalho como forma radical de flexibilização, na medida em que o Estado retira a proteção normativa mínima conferida ao trabalhador. Por sua vez, a flexibilização, pressupõe a intervenção básica do Estado, com o intuito de assegurar, mediante normas protecionistas de caráter geral, não apenas uma igualdade formal entre as partes, mas essencialmente, uma igualdade substancial e verdadeira entre elas.

Portanto, afora a flexibilização das leis trabalhistas propostas de forma radical, que só ensejam freqüentes abusos, os instrumentos flexibilizadores poderão ser capazes de compatibilizar os interesses das empresas e de seus trabalhadores, de modo a adaptar os preceitos de ordem pública ás grandes alterações ditadas pelas crises econômicas e pelo desenvolvimento tecnológico.

No entanto, esse processo não é assim tão simples e as conseqüências podem ser trágicas aos trabalhadores.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Concluo que, desde o surgimento, o Direito do trabalho foi criado para proteger os mais fracos na relação laboral e que, qualquer outro ramo jurídico visa proteger alguém ou algum bem. Sendo assim, o princípio protetor tem que estar presente tanto na elaboração quanto na aplicação do Direito em qualquer esfera.

E a positivação do Direito se faz necessário tendo em vista a hierarquia das normas, não obstante a exceção trabalhista e a integração do sistema comu-law no ordenamento jurídico pátrio.

Sendo assim, a positivação do princípio protetor não resta dúvida, bem como a sua imprescindibilidade no ordenamento jurídico brasileiro. Mas como o Direito surge de acordo com a necessidade social, não podemos olvidar da necessidade de uma adequação flexível das normas jurídicas.

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Autor:

Diogo de Souza Freitas

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