Devemos ter em mente que os Tribunais se fazem tão mais respeitados quanto mais bem fundamentadas, juridicamente, suas decisões e, por outro lado, quão mais duradoura sua jurisprudência. Nada impede, contudo, que os Tribunais, ao longo do tempo, substituam a jurisprudência anterior, principalmente quando não cediça nem harmônica, em face de nova legislação, novas e mais aprofundadas análises e, também, consoante as decisões dos Tribunais Superiores, quando não do próprio Supremo Tribunal Federal, no caso brasileiro. Ao contrário de desprestigiar a Corte, tais mudanças denotam e comprovam uma preocupação contínua com o aperfeiçoamento de seus julgados.
Em recente artigo, cometei que o TRT da 3ª. Região era um daqueles que mais vinham julgando recursos interpostos porque quando um juiz de 1º. Grau negara provimento a uma reclamação trabalhista em que empregado demitido sem justa causa, antes de vencido o prazo prescricional de dois anos, vinha postular a complementação da multa rescisória de 40% paga com os famosos expurgos inflacionários perpetrados pela gestora do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, a Caixa Econômica Federal.
Como sabido, tais expurgos foram praticados em janeiro de 1989 (16,64%) e abril de 1990 (44,80%), embora outros reajustes hajam sido questionados em juízo como tal e, por muito tempo, também sido considerados devidos, como os de junho de 1987, maio de 1990 e fevereiro de 1991. Em julgamento que durou mais de quatro meses (iniciado em 12 de abril, somente foi ser concluído em 31 de agosto de 2000), o STF decidiu (RE 226.855/RS e RE 248.188/SC) que somente houvera atualização monetária a menor naqueles dois meses, á luz da legislação vigente á época de cada um dos expurgos, sendo a matéria infraconstitucional (a competência para dar a palavra final cabendo ao Superior Tribunal de Justiça, em sede de Recurso Especial). Em final de outubro do mesmo ano, o STJ modificou sua jurisprudência anterior, consolidada, que reconhecia mais que meramente aqueles dois reajustes como inferiores ao devido (Resp 265.556/AL), para, nas palavras da Ministra Eliana Calmon, "alinhar-se á posição do STF". Dessa decisão, resultou a Súmula STJ nº. 252.
As primeiras ações cobrando a diferença dos reajustes creditados a menor nas contas vinculada ao FGTS foram ajuizadas de 1992 ou 1993, apontando a ocorrência de expurgos inflacionários, em decorrência de mirabolantes, sucessivos e fracassados planos econômicos do Governo, ordenados pela Caixa Econômica Federal, mediante editais que indicavam, aos bancos depositários (até novembro de 1991), quais os índices que deveriam aplicar na atualização monetária dos saldos existentes. Há notícias do trânsito em julgado de ações que concederam três, quatro e até cinco reajustes, porque assim havia decidido um Juiz ou um Tribunal e, eventualmente, o gestor do Fundo não logrou êxito em todos os seus procrastinatórios e intermináveis recursos, embargos, agravos, etc. Não falta quem advogue que a CEF deveria, agora, ir atrás daquelas importâncias pagas a mais, relativamente ao que o decidiram o STF e o STJ, em 2000.
A Justiça do Trabalho começou a ser acionada um pouco depois, também com a postulação da diferença da multa pela demissão imotivada (verba rescisória) paga com os mesmos expurgos. Os empregadores, por comodidade, consultam qual era o saldo existente na conta vinculada do empregado que está sendo despedido e, sobre este montante, calcula os 40%. E, quando alguém reclama, alegam que cumpriram o que o gestor do FGTS mandara fazer, esquecendo que, em primeiro lugar, devem conhecer e obedecer á lei em vigor, que prevalece sobre eventuais equivocadas orientações, publicadas em editais, e não desobriga quem a infringe, ainda que por haver sido a isto induzido (caberia ação regressiva contra aquele que induzira ao erro). Sequer atentam para o teor da Súmula nº. 181 do antigo Tribunal Federal de Recursos, que o STJ considera ainda em vigor e plenamente aplicável.
O Tribunal Regional do Trabalho da 3ª. Região tem algumas dezenas de Acórdãos e Ementas sobre a matéria, sendo, provavelmente, aquele TRT brasileiro que mais julgou Recursos Ordinários, como visto, com decisões divergentes e conflitantes.
Na ausência de decisões específicas nas Cortes Superiores, verificaram-se as mais variadas decisões no Segundo Grau da Justiça Trabalhista mineira, dentre as quais:
o ex-empregador é parte ilegítima, porque o erro foi cometido pela Caixa Econômica Federal, gestora do FGTS;
a Justiça Trabalhista é incompetente para tratar da matéria, porque, em se tratando de erro da Caixa, dever-se-ia buscar a reparação perante a Justiça Federal;
trata-se, indiscutivelmente, de uma reclamação trabalhista (logo, da competência da justiça especializada), mas há uma ação prejudicial (perante a Justiça Federal em desfavor da CEF) e o julgamento deve ser sobrestado até que aquela outra ação seja julgada, "a partir de quando o reclamante teria direito á complementação pleiteada", se a decisão da Justiça Federal lhe fosse favorável (ou seja, há uma acessoriedade da Reclamação Trabalhista em relação á Ação de Cobrança contra a CEF).
Não faltou quem entendesse faltar interesse de agir a quem postulara a complementação de uma verbas rescisória, trabalhista, sem exibir uma decisão judicial definitiva, mandando corrigir seus saldos na conta vinculada ao FGTS, mesmo que o direito de postular esta última (prescrição ou decadência) seja trintenário - podendo, portanto, vir a ser ajuizado até janeiro (quem sabe, fevereiro) de 2019 - e o daquela outra, a trabalhista, esteja limitado a dois anos contados da extinção do vínculo laboral, quando nasce o direito á reclamação, porque no momento da assinatura do Termo de Rescisão do Contrato de Trabalho é indicado o valor calculado, e deve ser paga, a famigerada multa rescisória. Releva salientar que, muitas vezes, é dada a quitação recíproca, sem ressalvas (situação que permite ser negado provimento ao pleito, em virtude daquela quitação), enquanto, em muitos outros casos, ao ser assinado o TRCT, é feita uma ressalva quanto ao direito de postular a diferença, condição que afasta aquela preliminar de quitação.
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