A teoria dos jogos é um capítulo da matemática aplicada consistindo num estudo formal de interacções entre dois ou mais agentes racionais que se comportam estrategicamente.
Uma maneira mais condensada de apresentar a teoria dos jogos consistirá em dizer que a teoria dos jogos tem por objecto de estudo a decisão social. Isto, entendendo-se por "decisão social" a decisão que envolve, além da posição do agente decisor, a consideração da posição dos outros agentes que com ele estejam em interacção.[1]
Três conceitos nesta definição devem ser elucidados: interacção, comportamento estratégico e racionalidade. Por interacção entende-se as acções de cada agente terem efeito nas dos outros agentes. E por comportamento estratégico entende-se a consideração racional, por parte de cada agente, das condições de interacção com os restantes agentes. A racionalidade dos agentes, por fim, pode ser pensada ou sob a ideia de maximização do interesse próprio ou sob a ideia de maximização de objectivos.[2]
Veremos adiante que uma dificuldade central nas aproximações entre pensamento estratégico e pensamento moral passa justamente pelo que se deva entender por racionalidade.
A teoria dos jogos, tal qual a reconhecemos hoje, aparece em 1944 com Theory of Games and Economic Behaviour de John von Neumann e Oskar Morgenstern. Antes disso, houve naturalmente importantes teorizações que são, no entanto, entendidas como precursoras da moderna teoria dos jogos. Contam-se, entre estas teorizações percursoras, os trabalhos de Pascal (1623-1662), Fermat (1601-1665) e Huygens (1629-1695), ligados sobretudo aos jogos de azar, como o jogo do dado, e a problemas de probabilidade. Só bem mais tarde, com o matemático Emile Burel (1971-1956) surgem teorizados aspectos realmente ligados á decisão sob um pressuposto de interacção entre jogadores. Por Xemplo, foi Burel quem formulou o influente princípio minimax da minimização das perdas máximas.
Na moderna teoria dos jogos, Von Neumann (1903-1957), Morgenstern, John Nash são referências centrais. Este último, popularizado pelo filme A Beautiful Mind, demonstrou a existência, desde que admitidas estratégias mistas, de pelo menos um ponto de equilíbrio para quaisquer jogos, cooperativos ou não-cooperativos, de soma zero ou variável, com dois ou mais jogadores. Antes disso, Von Neumann e Morgenstern apenas haviam conseguido generalizar o teorema minimax aos jogos cooperativos e de soma zero.[3]
A teoria dos jogos tornou-se particularmente importante em diversos domínios de aplicação, onde nos deparamos com agentes racionais em interacção. Desde as relações internacionais ás relações entre agentes sociais, passando pela estratégia militar, a teoria dos jogos revelou-se uma forte ferramenta de análise e de produção de conhecimento. No campo da economia vários prémios Nobel foram atribuídos a investigadores que, de uma forma ou de outra, lidaram com esta teoria matemática no estudo do comportamento de agentes económicos. John Nash em 1994, Thomas Schelling em 2002 e David Kahneman em 2000 são três laureados com o Nobel da Economia que introduziremos na nossa discussão. Mesmo no âmbito da biologia, do estudo dos ecossistemas e da evolução natural, investigadores têm conseguido amplas aplicações da teoria dos jogos. A teoria do "gene egoísta" desenvolvida por Richard Dawkins assimila as condições concorrenciais na biologia ás da economia. Resulta disto uma cooperação concorrencial-dependente[4]. Na biologia evolucionária, o altruísmo recíproco consiste num tipo de altruísmo em que um organismo concede um benefício a outro na expectativa de uma reciprocidade futura. Também Maynard-Smith aplicou a teoria dos jogos á biologia, designadamente ao comportamento estratégico de populações em contexto de evolução, tendo disso resultado o conceito de "estratégia evolucionária estável" (Evolutionary stable strategy). Tal estratégia, sendo generalizada numa população, revela-se vantajosa face a qualquer outra estratégia mutante presente com uma frequência suficientemente baixa[5]. Richard Dawkins, ilustra a ideia das estratégias evolucionárias estáveis com a parábola do falcão e da pomba. Esta parábola exprime a interacção entre comportamento agressivo e comportamento pacífico num contexto de competição por um recurso alimentar. Com efeito, verifica-se não ser evidente que seja preferível, estrategicamente falando, ser falcão a ser pomba. O comportamento pacífico não é a priori menos razoável que o comportamento agressivo, e isto mesmo num mundo estritamente competitivo e não-cooperativo. A parábola do falcão e da pomba explicita, pois, a natureza de preferências estratégicas, isto é, preferências que dependem do número de agentes que a partilham - se houver demasiados falcões será preferível ser pomba; se, pelo contrário, houver demasiadas pombas, então será preferível ser falcão.
É neste amplo quadro de aplicações da teoria dos jogos que resultam pertinentes aproximações ao problema do relacionamento ético entre agentes racionais. Inspirada no hobbesianismo político, uma dessas aproximações recebeu a denominação de "contratarianismo moral" (moral contractarianism). Sustenta, por um lado, que os indivíduos são primariamente motivados pelo interesse próprio e, por outro, que, em vista da maximização do interesse próprio, contratam uns com os outros normas morais que proporcionam resultados cooperativos melhores. David Gauthier é a principal referência contratarianista.[6] Convém distinguir esta corrente do Importa notar que o contratarianismo se distingue do
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