"Prefere a solidão á má companhia, mas prefere uma boa companhia á solidão" (Recomendações de Maomé (Muhamad), de acordo com a tradição).
"Obrigada por razões profissionais a me transferir para São Paulo, me encontro sozinha e sem amigos. A cidade me sufoca durante o dia e me isola á noite num pequeno apartamento de bairro. Não sei o que fazer, não tenho a quem recorrer, ás vezes chego quase ao desespero. Quero gente para conversar e para conviver. Ajude-me, por favor. Cartas para "Solitária desesperada", Jornal... etc.." .
Pedido de socorro como esse, acima, está se tornando freqüente em São Paulo e em outras grandes cidades. Razões profissionais e casamentos dos filhos, são os principais motivos para deixar os pais sozinhos; separação conjugal, viuvez, e não ter conseguido encontrar o amor da vida, também podem esvaziar o sentido de existência de algumas pessoas.
Há 30 anos atrás as festas folclóricas era um acontecimento social, ansiosamente esperado para encontros e reencontros, também existia o "footing" que animava as praças públicas das cidades interior, casamenteiras amadoras mexiam nos pauzinhos para aproximar os corações mais ou menos desesperançados, as rádios mandavam recadinhos - hoje torpedos - sinalizando a possibilidade de namoro. Muitos desses dispositivos sociais antigos sumiram ou estão em franco declínio, aumentando assim o contingente de solitários.
Nossa sociedade pós-moderna caracterizada pelas comunicações eletrônicas parece mais afastar do que aproximar as pessoas. A Internet como nova onda de comunicação, promete ser um meio de fazer amizades e até uniões amorosas, mas evidentemente é preciso saber "mexer" no computador, na Internet, o que não é costume da geração mais "á antiga". Muitos solitários como a moça acima, deseja mais que um relacionamento virtual, demanda uma companhia real que dê sentido á própria vida.
Não são poucos os que, desesperançados, terminam se virando com a companhia de um cachorro ou um gato. O filósofo Schopenhauer, um dos muitos pensadores solitários, talvez até anti-social, preferia a companhia agradável de seu cão Atma á companhia humana. Lembro-me do carioca Eduardo Dusek quando compôs uma letra de música, não sei se moralista ou irônica que dizia "troque seu cachorro por uma criança pobre". Houve gente sensibilizada até a medula, mas duvido que adotaram uma criança pobre e jogaram seu cachorrinho na rua. Como diz a psicanálise, uma criança - e adulto também - tem necessidade, demanda e desejo. Já um animal, um animal de estimação, carece de "desejo"; a "necessidade" made in instinto é que o faz viver, mas não existir. Só o ser humano deseja, dizem os lacanianos; só o ser humano existe, diziam os existencialistas. O problema é que, primeiro, qualquer ser humano é livre para dar sentido ao seu desejo do jeito que quer e pode. Segundo, nem todos desejam ter uma "criança", nem mesmo "uma criança pobre". Pode ser até que alguém deseja, mas não pode, simplesmente porque sérias limitações psíquica, física, ou econômica, a impede de adotar uma criança. Mas, podem ter um cachorrinho, um gatinho, ou os dois, como companhia possível. Afinal, é fácil se encontrar um bichinho abandonado, peramburando pelas ruas, faminto, doente, carente. "A adoção de um animal abandonado, você ganha um amigo e salva uma vida", diz o site http://www.uol.com.br./bichos/adocao.htm.
Nem sempre se está preparado para ter uma criança com suas necessidades biológicas, sua solicitação infinita de amor, suas chatices, seus desejos. Uma pessoa deficiente física, por exemplo, precisa muito mais de um cãozinho que lhe faça companhia ou a ajude em suas dificuldades do que de uma criança que precisa de muitos cuidados no dia a dia, já que é um ser totalmente dependente do adulto. Uma pessoa portadora de transtornos psíquicos precisa mil vezes de um animalzinho que lhe dê retorno afetivo do que de um ser humano - criança ou adulto - com variações no humor ou de respeito . Nada pior para conviver o dia a dia do que ter ao lado uma pessoa que nos deixa ainda mais, solitários e irritados. Com o declínio da autoridade paterna e o sumiço da figura de mãe e da maternagem , as crianças estão cada vez mais chatas . Portanto, quem sabe não seria melhor para o solitário têm mesmo um animalzinho de estimação no lugar de uma criança ou adulto chatos, cuja solidão continuaria a existir a dois, ou a três, na multidão.
Somente pessoa sem capacidade empática pode ter o pensamento tão estreito e ser tão insensível para não entender porque se adota um animalzinho em vez de uma criança. Essas pessoas até tem direito de passarem um jeito meio bobo, com dengos e paparicos ao bichinho, medo quando ele fica doente ou depressão quando ele morre. Simbolicamente o bichinho ocupa o lugar de um ser humano. Parece que ser "nova esquerda" hoje é também saber respeitar o direito de todos serem como quiser, bem como defender os "mais fracos", sejam pessoas ou bichos, que por vezes sofrem com maus tratos ou com a extinção da espécie - ou eliminação em série, como vem ocorrendo com os bichos do zoológico de São Paulo.
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