A Síndrome de Otelo – quando o ciúme se torna patológico

Enviado por Thiago de Almeida


Dentre as mais diferenciadas emoções humanas, o ciúme é uma emoção extremamente comum (Kingham & Gordon, 2004). Uma das definições mais aceitas para o entendimento desse tema é a de que ele é um "complexo de pensamentos, sentimentos e ações que se seguem ás ameaças para a existência ou a qualidade de um relacionamento, enquanto estas ameaças são geradas pela percepção de uma real ou potencial atração entre um parceiro e um (talvez imaginário) rival" (White, 1981c, p.129).

Todos nós cultivamos certo grau de ciúme (Almeida, 2007). Afinal, quem ama cuida. Mas, como este desvelo pode variar na interpretação de uma pessoa para a outra, de forma análoga, o ciúme também o variará. Portanto, desenvolve-se quando sentimos que nosso parceiro não está tão estreitamente conectado conosco como gostaríamos (Rosset, 2004). Dessa forma, o ciúme surge quando um relacionamento diádico valorizado é ameaçado devido á interferência de um rival e pode envolver sentimentos como medo, suspeição, desconfiança, angústia, ansiedade, raiva, rejeição, indignação, constrangimento e solidão, dentre outras, dependendo de cada pessoa (Daly & Wilson, 1983; Haslam & Bornstein, 1996; Knobloch, Solomon, Haunani & Michael, 2001; Parrott, 2001). Assim, segundo Ramos (2000) é possível se ter ciúme até mesmo em relacionamentos platônicos, em que se há um amor unilateral não correspondido.

Vemos na literatura inúmeros casos emblemáticos para a questão do ciúme. Um dos mais conhecidos é o romance "Otelo - O Mouro de Veneza" de William Shakespeare. Em sua obra, o autor considera o ciúme como o "monstro dos olhos verdes". Nesta história, o protagonista Otelo, envenenado de ciúme pelo astucioso Iago, deixa-se levar por um ciúme doentio do seu melhor amigo com sua esposa, acaba matando a honesta, terna e doce Desdêmona. No âmbito do ciúme, não é preciso acusar sem provas e nem mesmo concluir sem os fatos a exemplo do Mouro de Veneza. Podemos nos pautar na realidade e colecionarmos fatos na medida do possível, que nos conduzam a uma decisão baseada em fatos concretos que enxergamos na realidade.

O conceito de ciúme mórbido ou patológico, também chamado de Síndrome de Otelo, em referência ao romance shakeasperiano escrita em 1964 compreende várias emoções e pensamentos irracionais e perturbadores, além de comportamentos inaceitáveis ou bizarros (Leong et al, 1994). Envolveria muito medo de perder o parceiro(a) para um(a) rival, desconfiança excessiva e infundada, gerando significativo prejuízo no funcionamento pessoal e interpessoal (Todd & Dewhurst, 1955). Estes casos estão cada vez mais acorrendo para á clinica em busca de suporte para sua conturbada dinâmica. é provável que o aumento do número de casos nos consultórios relacione-se ao desassossego provocado pelo ciúme, bem como o desejo de aplacá-los, em nome de uma vida psíquica mais saudável.

Nesta variação excessiva do ciúme há a possibilidade de algumas pessoas interpretarem conclusivamente evidências de infidelidade a partir de ocorrências irrelevantes, se recusam a mudar suas crenças mesmo frente a informações conflitantes, e tendem a acusar o parceiro de infidelidade com muitas outras pessoas (Torres, Ramos-Cerqueira & Dias, 1999; Vauhkonen, 1968).

Então, de um mecanismo protecionista para preservar a qualidade e o bom andamento dos relacionamentos amorosos, o ciúme passa a se tornar patológico quando ultrapassa os limites do bom senso, sendo de difícil controle e compreensão. Dessa forma, o ciúme patológico é aquele que, sobretudo, estaria fundamentado em falsas crenças (idéias sobrevalorizadas ou delírios), que não são abaladas por qualquer argumentação racional. Estas pessoas geralmente são diagnosticadas como portadoras de um ciúme patológico.

O ciúme patológico pode ser diagnosticado ainda que o parceiro considerado infiel realmente o seja ou o tenha sido (Kingham & Gordon, 2004; Soyka, Naber & Völcker, 1991). Dessa forma, segundo Kebleris e Carvalho (2006) o diagnóstico desta psicopatologia não está na avaliação dos fatos em si, mas sim na leitura realizada pelo indivíduo que acredita ter sido traído pelo parceiro.

O termo ciúme patológico engloba uma ampla gama de manifestações (de reativas a delirantes) e diagnósticos psiquiátricos. Inclui os casos de ciúme sintomático, ou seja, quando é parte de outro transtorno mental (ex.: alcoolismo, demência, esquizofrenia). Nessas circunstâncias, o foco do tratamento seria o processo principal subjacente.

Ocorre, freqüentemente, que o parceiro infiel coloca o outro em dúvida de suas próprias percepções e memórias (Hintz, 2003). Conseqüentemente, o que mais incomoda ao indivíduo ciumento é seu parceiro negar a existência de outra pessoa e fazer com que acredite que ele está imaginando coisas e que sempre foi fiel. Há casos que, após o parceiro ciumento descobrir que de fato foi traído, irritar-se mais com a mentira, fazendo-o acreditar que ele próprio estava errado ou ainda mesmo doente por imaginar coisas do que a própria infidelidade. Dessa forma, a infidelidade pode não ser a pior coisa que o parceiro faça ao outro, ela é apenas uma das mais perturbadoras e desorientadoras porque é capaz de destruir um relacionamento, não necessariamente pelo ato sexual, aliadas as mentiras e segredos que passam a distanciar o casal.


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