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Nexo epidemiológico. Presunção legal faz prova de doença ocupacional (página 2)

Sidnei Machado

É uma garantia do segurado que tem como suspeita o acidente de trabalho indicado na CAT - Comunicação do Acidente de Trabalho. Na basta o exame clínico com o diagnóstico da lesão, pois o nexo causal (e conseqüentemente do acidente de trabalho) reclama investigação prévia do nexo técnico epidemiológico.

O chamado nexo epidemiológico amplia substancialmente a noção de doenças ocupacionais para fins de acidentes de trabalho. Antes definidas e catalogadas apenas como doenças profissionais ou do trabalho (art. 20 da Lei n. 82.13/91), o critério da presunção permite a inclusão de um número indefinido de patologias ocupacionais, muitas delas antes ocultadas ou dissimuladas como simples patologias.

Fixado o nexo técnico epidemiológico - agregado á demonstração dos requisitos da lesão e da incapacidade temporária ou Permanente do trabalhador - tem-se como comprovado o nexo causal, confirmando a prova do acidente de trabalho.

Um primeiro avanço normativo nessa direção veio com a Resolução n. 1.488, de 11.02.1998 do Conselho Federal de Medicina - CFM, que impunha a obrigação dos laudos médicos, na investigação do nexo, relacionar o diagnóstico á história clínica, o estudo do local de trabalho e da organização do trabalho e, ainda, os dados epidemiológicos (art. 2º).

O Ministério da Saúde também passou a orientar os agentes do sistema único de saúde - SUS para fixar o nexo técnico como ponto de partida para o diagnóstico dos acidentes de trabalho. (1)

A introdução da presunção na lei, pelo critério do nexo técnico epidemiológico, certamente constitui enorme avanço, na medida em que torna clara a obrigação legal de médicos peritos do INSS de fazer uma ampla investigação das suspeitas das doenças ocupacionais a partir do ambiente de trabalho que deve ser equilibrado, livre de riscos ocupacionais.

A literatura especializada tem apontado que a causa primeira das doenças ocupacionais são as condições e o ambiente de trabalho, onde os trabalhadores são submetidos aos velhos e novos fatores de risco, resultando no drama do sofrimento, adoecimento e morte. é o ambiente de trabalho que melhor retrata os riscos individuais e coletivos, que revelam a relação indissociável entre saúde-trabalho-doença. As doenças ocupacionais assumiram proporções epidêmicas nas últimas duas décadas, em grande medida pela precariedade crescente do meio ambiente de trabalho que, para além dos riscos físicos, químicos e biológicos, submete o trabalhador ás condições mais adversas de trabalho.

A presunção legal da doença ocupacional, nessa perspectiva, encontra ampla recepção das exigências para um ambiente de trabalho ecologicamente equilibrado, tal com o assegurado pela nossa Constituição (art. 225).

3. Efeitos do sistema da presunção na prova da reparação civil

Embora o nexo técnico epidemiológico seja dirigido á Previdência Social, a caracterização do acidente de trabalho pelo critério da presunção, repercutirá na prova do acidente de trabalho para fins de reparação de dano pelo regime da reparação civil. Uma vez admitida pela Previdência Social que a doença caracterizadora do acidente foi desencadeada pelas condições ambientais de trabalho de risco, certamente que os elementos de convicção da Previdência Social servirão como prova da efetiva ocorrência do acidente de trabalho (nexo causal) e, em algum as situações, da culpa do empregador.

Há uma tendência na jurisprudência brasileira (em que pese ainda minoritária), que, compreendendo as dificuldades de prova por parte da vítima, já vem, gradativamente, adotando critérios abertos e amplos de interpretação da ocorrência do acidente e da existência de culpa, quer para afastar a exigência da prova robusta, quer para inverter o ônus da prova. A existência de certo grau de probabilidade entre a doença e o ambiente de trabalho, segundo esse entendimento, é o suficiente para a convicção da caracterização da relação da causalidade.

A capacidade de prova, por outro lado, é muito maior do empregador, pois detém todas as informações ambientais do local de trabalho (laudos periciais) e seus efeitos na saúde do trabalhador que podem ser acompanhadas pelos pelo setor médico da empresa, tendo, assim, melhores condições de prova. A inversão do ônus da prova ganhou reforço também com a redação do art. 927, parágrafo único, do Código Civil, que assim dispõe: "Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem".

A presunção da doença ocupacional permite compreender que, tanto nas ações acidentárias contra autarquia quanto nas ações reparatórias, a prova por presunção não é somente um meio admissível de prova, mas um valor jurídico fundamental.

A presunção tem, neste particular, uma importante diretriz interpretativa dos fatos pelo juiz, para que o dever de reparar o acidente alcance situações antes indefinidas e ambíguas de delimitação do nexo causal. é uma nova política social de proteção afirmativa assumida pelo Estado para propiciar uma maior eficácia dos direitos sociais correlatos, promovendo assim a justiça social de caráter distributivo.

A saúde do trabalhador é um bem fundamental que reclama um critério de igualdade (justiça comutativa) e harmonização com a necessária socialização do risco social dos acidentes de trabalho e obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem" (Código Civil, art.927, §único).

Embora a convicção do julgador nas demandas judiciais dependa do auxílio Técnico da prova pericial (que é apenas um meio de prova), nas ações em que envolvam a questão da fixação do nexo causal, para que possa a perícia subsidiar o julgador no seu convencimento, deve necessariamentente trazer elementos técnicos da atividade e do ambiente de trabalho que possam indicar a existência ou não de nexo técnico epidemiológico.

é a partir desses elementos que o juiz terá condições de fazer uma análise da presença de nexo técnico, ou seja, da relação de presunção entre a atividade e doença. Como a nossa legislação admite também a concausa como acidente de trabalho, o nexo causal de natureza eminentemente epidemiológica pode ainda ser fator agravador de doença preexistente: "O acidente ligado ao trabalho que, embora não tenha sido a causa única, haja contribuído diretamente para a morte do segurado, para redução ou perda da sua capacidade para o trabalho, ou produzido lesão que exija atenção médica para a sua recuperação" (lei 8.213/91, art. 21, inciso I).

Ainda podemos lembrar que o sistema do processo civil dispensa a prova de fatos que podem ser provado por mera presunção legal (CPC, art 334, IV). Assim, evidenciado o nexo técnico não há sequer a necessidade de outra dilação probatória, pois a presunção da doença ocupacional já estaria firmada.

4. Conclusão

O novo regime da presunção legal introduzido pela MP n. 316 tem a vantagem de tornar mais precisa a lei, aproximando-a da realidade. No entanto, a compreensão da dimensão da regra da presunção legal certamente provocará a melhor distribuição do ônus da prova dos acidentes de trabalho, e contribuirá para o combate á lamentável ocultação das doenças ocupacionais (subnotificações). Outra medida complementar necessária é a urgente adoção da presunção legal de veracidade das manifestações de dor e sofrimento pelo trabalhador na fixação do diagnóstico de doenças ocupacionais.

Nota

(1) "O estabelecimento do nexo causal ou nexo técnico entre a doença e a atividade atual ou pregressa do trabalhador representa o ponto de partida para o diagnóstico e a terapêutica corretos, mas, principalmente, para a adoção de ações no âmbito do sistema de saúde, detalhadas no capítulo 2, como a vigilância e o registro das informações em outras instituições, como, por exemplo, nas esferas dos ministérios do Trabalho e Emprego (MTE), da Previdência e Assistência Social, da empresa, sob a responsabilidade do empregador, do sindicato da categoria á qual pertence o trabalhador e do Ministério Público" (Doenças Relacionadas ao Trabalho: Manual de Procedimentos Médicos - Ministério da Saúde).

 

 

Autor:

Sidnei Machado

sidnei[arroba]machadoadvogados.com.br



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