La Nausée e a ontologia de L´Être et le Néant

Enviado por André Barata


  1. Resumo
  2. O fenómeno da náusea
  3. A inflexão ontológica em O Ser e o Nada
  4. A experiência da existência e o problema da mente

Resumo 

A náusea, entendida como experiência fenomenológica dada a conhecer por Roquentin na novela La Nausée, corresponde ao momento inaugural da elaboração ontológica de Sartre que culmina em L"Être et le Néant. Nem sempre tal experiência tem sido bem compreendida pela recepção - ora logo destituída na sua originalidade, como se verifica, por exemplo, em estudo de Arthur C. Danto, ora impensada na sua articulação, ou falta dela, com o ensaio de 43. No que respeita ao problema da articulação, e em parte por esta desatenção filosófica a La Nausée, tem passado despercebido o que entendemos considerar ser uma "inflexão ontológica" que faz divergir, apesar da aparente conformidade, as duas obras. Notar a inflexão e, em consequência, a especificidade da novela de 38 permite ainda chamar a atenção para a sua pertinência na discussão em torno do problema de saber o que é a mente. De certo modo, se L"Être et le Néant apresenta uma filosofia da consciência, La Nausée sugere uma filosofia da mente, com a particularidade de esta não poder ser reconduzível áquela.  

1. O fenómeno da náusea

é sabido que Sartre pretendeu, com a sua novela A Náusea, exprimir literariamente uma experiência fenomenológica, a da vivência da náusea. Por esta razão, justifica-se, desde logo, falar de uma literatura fenomenológica em Sartre, não confundível com formas intimistas de literatura, mais ligadas á expressão sentimental de uma interioridade. Atender ás vivências fenomenológicas na sua exterioridade intencional - é esse o alcance da novela de Sartre ou, ao menos, a sua pretensão. Mas justifica-se também, ainda que menos obviamente, ler A Náusea como resultado de uma fenomenologia literária, para a qual estará em causa discriminar entre o verdadeiro e o falso, sem que, contudo, se possa, a propósito, falar de um romance de tese.

Pese embora o que ficou dito, entre ambas, literatura fenomenológica e fenomenologia literária, a diferença é menos notória do que se poderia ser levado a pensar. Com efeito, e reportando-nos á produção escrita de Sartre nos anos 30 e 40, reconhece-se aí a crença numa verdade da literatura que estaria na sua fenomenologia e, em contrapartida, a ideia de que o regime da ficção, que a literatura oferece, pode mostrar o que a fenomenologia não consegue dizer. A diferença talvez se prenda mais com pontos de partida ou, por outras palavras, com contextos de emergência do que com o propriamente dito nos textos. Em todo o caso, mesmo abstraindo-nos dos textos de Sartre, há um interesse comum entre fenomenologia e literatura, justamente pelas vivências intencionais, que se evidencia ao longo do Séc. XX quer literária quer fenomenologicamente. Na verdade, tal interesse repercutiu onde Sartre menos esperaria, se se pensar nas suas considerações mais controversas sobre a incapacidade fenomenológica da poesia em O que é a Literatura?. Neste capítulo, Heidegger terá estado bem mais atento ás virtualidades da palavra poética que Sartre considerava reificadora. Além da incontornável poesia de Francis Ponge, é curioso notar que talvez esse registo literário de poesia fenomenológica tenha sido a forma de fenomenologia que mais eco encontrou em Portugal. Vitorino Nemésio, Fernando Echevarria, António Ramos Rosa atestam-no.

Regressando á obra de Sartre, no caso de A Náusea a opção pelo registo diarístico (a novela consiste, essencialmente, num diário ficcionado) proporciona descrições ricas, e obtidas num curto lapso de tempo, das vivências de Roquentin - o diarista de Sartre -, o qual auto-reflecte a partir da fixação das descrições, procurando, assim, extrair delas algum sentido, para as compreender. Mas, perguntar-se-á, que há a compreender num fenómeno como o da náusea? E, por outro lado, que relevância pode uma tal vivência ter filosoficamente?

Analisando a descrição dada do fenómeno, elucida-se em Roquentin uma dupla vivência. De um lado, a total incapacidade de dar sentido ás coisas na sua existência, de justificar a existência das coisas na sua experiência directa, sem mediações nem filtros, experiência bruta das coisas. Esta é a vivência da ausência de sentido ou do absurdo. Do outro lado, a total incapacidade de suster essa experiência bruta das coisas, da sua existência - "O castanheiro metia-se-me pelos olhos adentro", diz a dado passo Roquentin. Esta é a vivência propriamente dita da náusea. Um duplo movimento pois, de ingestão forçada do que, porém, não é assimilável. A consequência é evidente: a existência estar a mais, ser demais, de trop, e a necessidade de expulsão. A existência não é apenas absurda, desprovida de sentido, gratuita, ela é também intrusiva, fonte de desconforto para quem a experiencia.

A propósito deste duplo movimento de intrusão e de expulsão, importa objectar a interpretações que procuram pôr em causa o interesse fenomenológico, mesmo filosófico, dos registos diarísticos de A Náusea. Ou que, mesmo assumindo não serem, de todo, irrelevantes, não lhes reconhecem originalidade ou novidade em face de a tradição filosófica clássica.


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