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Infelizmente a educação atual ainda revela em seus rituais diários uma prática que concebe o sujeito como um ser que tem seu aprendizado atrelado a uma "herança genética propícia" - dependente de fatores endógenos - ou aos condicionamentos operantes adequados que o instrumentalize para o conhecimento - dependente de fatores exógenos. A partir dessa concepção os seres humanos são vistos como criaturas passivas frente ao ambiente, que podem ser manipuladas e controladas pela simples alteração das situações em que se encontram. Nesse contexto, não há lugar para a auto-criação de novos comportamentos e conhecimentos, pois diante do excessivo diretivismo daquele que ensina fica impossibilitado o uso de situações onde a aprendizagem pode se dá de modo espontâneo, criativo e cooperativo.
Aglael Luz Borges (2005) apresenta em seu PARADIGMA LUZ BORGES - A CONSTRUÇÃO DO SER E DO SABER - bases para a construção do conhecimento a partir da relação com a vida e com os seres em toda a sua inteireza, complexidade e enfatiza para a responsabilidade cosmoética do ser humano nessa dinâmica. Assevera que diante das mudanças abruptas e das questões éticas a que somos solicitados diariamente "é fundamental que possamos mergulhar no nosso passado, encontrar autores que nos facilitariam ressignificar questões, sejam eles antigos, modernos, ou contemporâneos, voar para a crença de uma mudança na nossa educação e saúde, e ao aterrizarmos no nosso presente encontrando a nossa história cheia de riquezas vazias, limites, mas muitas possibilidades, estabelecendo a rede de relações existentes para encontrarmos a luz para a melhor compreensão de nossa realidade."
Na concepção de realidade posta pelo cartesianismo teoria e prática, objeto cognoscível e sujeito cognoscente, observado e observador, objetividade e subjetividade são processos distintos, desvinculados e não-intercambiáveis. Aqui temos o desafio quando se busca pelo estatuto de cientificidade e ao propor fazer ciência considerando as relações postas na cotidianidade, pois que estamos impregnados por um sistema de crenças que separa processos, retira a parte do todo, retalia os domínios mente-corpo, matéria-energia como fenômenos bipartidos e sem ressonância com os eventos que emolduram a vida orgânica, psíquica, energética, emocional, afetiva, social e cultural dos sujeitos.
Diante das relações dinâmicas estabelecidas na sociedade do conhecimento esse paradigma que dissocia ao invés de integrar não tem sustentação visto que o foco de percepção a cada instante vem sendo alterado. Porém, esse "irrompimento psíquico" ainda é incipiente nesse novo modo de estar e ser no mundo contemporâneo. E aqueles que, por exemplo, declaram suas autorias de pensamento elaboradas a partir de uma metodologia dialetizada nas novas referências da realidade quântica são muitas vezes desafiados pelo reducionismo das práticas de um fazer científico baseado nos princípios da neutralidade e desarticulado das multirreferecialidades que compõem a experiência humana.
é instigador saber que o nosso processo energético pode alterar os eventos e que a nossa percepção de mundo emoldura a nossa realidade pessoal; isso é intersubjetividade e passa não só pela constituição psíquica, orgânica e afetiva do sujeito, mas também pela maneira como ele concebe e vivencia as relações de espaço-tempo e o conhecimento que ele possui ou mesmo que intui sobre a natureza eletromagnética e subatômica habitando na essência de tudo.
Ser pesquisador (a) neste momento histórico sem estabelecer a relação com o todo, sem perceber que a teoria media a prática e vice-versa num continuum, sem considerar que cada sujeito contém mecanismos individualizados de percepção e de operar sobre a realidade e os fenômenos, é estar fadado á descontinuidade, ao individualismo, ao imediatismo e ao reducionismo das conclusões particulares que perdem força e significado diante dos paradoxos revelados no imaginário social. Portanto, ao (a) psicopedagogo (a) cabe o esforço, a objetividade, a proatividade, o auto-enfrentamento e a pesquisa-ação, na busca por referenciais teóricos que sustentem e possam fundamentar o que eu denomino como "proto-teorizações", ou seja, o resultado de idéias mater que se comportam como "vasos comunicantes" a intercambiar conteúdos múltiplos - internos e externos - podendo se reconfigurar como uma possível hipótese a ser re-elaborada e confrontada em múltiplas situações de controle e através de variados e ricos instrumentos de análise, intervenção e avaliação diagnóstica.
Nos campos da formação humana em Psicopedagogia é preciso que estejamos inteiros e integrados a um universo de referenciais que ofereçam o sustentáculo necessário para quebrar os paradigmas encapsuladores da nossa criatividade e, sobretudo, implica em tomar conhecimento de várias outras áreas tais como: a Epistemologia Convergente (escolas psicanalíticas, piagetiana e a Psicologia Social de Enrique Pichón-Riviére), a Psicologia Analítica, a Pedagogia, a Neuropsicologia, a Psicolingüística, a Sociologia, a Antropologia, para que assim se possa conectar significados e resgatar o sujeito em sua totalidade e complexidade.
O ato de criar requer trabalho, estudo, pesquisa, disponibilidade, desejo, coragem, ousadia, assombro e receptividade ao que o universo quer nos mostrar. E isso possivelmente implica mergulhar num processo que Jung chamou de "individuação", ou seja, um movimento que envolve a integração progressiva do si-mesmo inconsciente, eterno, na personalidade do indivíduo.
Anthony Stevens (1993), psiquiatra e analista junguiano, atesta que "sendo um fenômeno biológico proveniente do contexto cósmico, a individuação envolve um grande esforço em que o ego precisa aceitar a responsabilidade plena por tudo quanto vier a ocorrer. Pois, a decisão ética de buscar a própria individuação é uma escolha para diferenciar-se a si mesmo como um ser humano em completude possibilitando o auto-crescimento e o distanciamento do individualismo egoísta que nada mais é que uma afirmação arrogante do ego. O grande paradoxo de todo este processo é que, ao realizar a própria humanidade, a pessoa está indubitavelmente efetivando a sua individualidade singular".
Destarte, isso envolve uma práxis transdisciplinar e encaminhamentos singulares rumo aos processos de autoria de pensamento. Que na psicopedagogia, resulta em autopesquisa, e principalmente significa ter coragem para autorizar-se bem como requer disponibilidade de crescer atento (a) ás efemerelizações da vida, numa procura de suportes internos que permitam ao indivíduo sair da condição egocêntrica e fazer uma imersão na dimensão da ego-transcendência do eu, descobrindo um ser íntegro, realizador, idealizador, provedor e sonhador habitando na própria alma.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÃFICAS:
BOSSA, N. A. A Psicopedagogia no Brasil: contribuições a partir da prática. Porto Alegre: Artmed, 2000.
BEAUCLAIR, J. Psicopedagogia: trabalhando competências, criando habilidades. Rio de Janeiro: Wak, 2004.
BYINGTON, C. A. Pedagogia Simbólica: a construção amorosa do conhecimento do ser. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1996.
DE MASI, D. O futuro do trabalho. Rio de Janeiro: José Olympio, 1999.
JUNG, C. G. Civilização em transição. Petrópolis: Vozes, 1993.
LUZ BORGES, A. Te-sendo fios de conhecimento: o paradigma a construção do ser e do saber. Rio de Janeiro: Uapê, 2005.
LAJONQUIÈRE, L. de. De Piaget a Freud: a (psico) pedagogia entre o conhecimento e o saber. Petrópolis: Vozes, 1993.
MORIN, E. Os sete saberes necessários á educação do futuro. São Paulo: Cortez; Brasília: UNESCO, 2000.
NICOLESCU, B. O manifesto da transdisciplinaridade. São Paulo: Trion, 1999.
PAIN, S. A função da ignorância. Porto Alegre: Artmed, vol. 1, 1988.
STEVENS, A. Jung, vida e pensamento. Petrópolis: Vozes, 1993.
Autor:
Seilla Regina Fernandes de Carvalho
seillacarvalho[arroba]yahoo.com.br
Pedagoga (UNEB-BA), Psicopedagoga Clínica e Institucional com habilitação em Docência do Ensino Superior (FAP-PR), Mediadora em cursos de aperfeiçoamento dos profissionais de educação, Orientadora em Projetos de Educação Sexual de Crianças.
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