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Sobre o erro no ensino da pesquisa científica (página 2)

Raymundo de Lima

Por que, então, nossa escola desqualifica o erro em vez de incorporá-lo como parte imprescindível para se fazer pesquisas? Por que o ensino da iniciação científica não prepara o aprendiz para aproveitar os erros previstos no desenvolvimento da pesquisa?

O sistema de ensino, no Brasil, é um dos piores do mundo, talvez porque ainda não aprendeu a valorizar a experiência[4] (senso comum) e investir na experimentação científica; ambos podem e devem ser tomados como caminhos válidos para inovação do ensino e da aprendizagem.  Os professores, na sua maioria, não são incentivados e nem preparados para ousarem ir para além do que está escrito nas apostilas, nos livros didáticos e  livros canônicos (e canonizados pela ideologia dominante acadêmica), no fundo, mais argumentos de autoridade do que pelos argumentos da lógica racional e das experimentações científicas. Não raro, alguns seguem "bancariamente" uma teoria ou método - geralmente estrangeiro - considerado "pedagogicamente correto" para ensinar tudo á todos. Não basta fazer crítica rasa; é preciso fundamentar, repensar, e se arriscar em atos inovadores no âmbito do ensino e da pesquisa científica. Qual ensino e pesquisa podem ser considerados autênticos e sem um mínimo de ensaio e erro?

A professora que segue uma teoria consagrada, ou da moda, sem criticá-la, no fundo, se projete contra os eventuais erros que poderá cometer e, assim, ela caminha na contramão da verdadeira atitude científica. O exercício crítico-e-autocrítico, a discutibilidade, e o ceticismo, devem fazer parte do ethos do professor-pesquisador. Essa postura também deveria atingir o aluno. Diferente do aluno japonês, o aluno brasileiro não sabe acolher uma crítica da professora e nem é formado para sustentar uma atitude crítica consistente e coerente[5]. Mas, todos eles respeitam uma professora disposta a reconhecer seus erros.  é preciso fazer uso do tato pessoal e do "conhecimento prudente" para ensinar aos alunos a reconhecer os caminhos "errados" trilhados pelos cientistas até elaborarem suas teorias provisoriamente "certas". Porque,  a verdade é que não existe teoria totalmente certa, nem eternamente verdadeira. São provisórias as verdades da ciência.

Mais que dever, alunos e professores tem o direito de fazer ensaios-e-erros como parte do processo da aprendizagem e do ensino sobre os assuntos. é um erro didático apresentar uma teoria surgida do nada (ex niilo), inculcando-a nos alunos como se fosse "a única" teoria válida. Portanto, a validade educativa do erro é poder demonstrar ao estudante que, sendo a ciência um produto humano, vem marcada pela inteligência, imperfeição, provisoriedade, e erros e errâncias próprias do constructo teórico.

Também, os professores deveriam corrigir junto aos alunos a idéia de que os cientistas são seres "inumanos", "gênios", "excêntricos", portadores de uma inteligência privilegiada. é preciso des-estereotipar a imagem negativa do cientista vendida nos filmes e  nas peças de publicidade, tal como aquela que  aparece Einstein com a língua de fora. Ora, o cientista é uma pessoa comum que erra no seu trabalho de pesquisa, por isso se angustia, também se alegra, usa o senso comum na sua vida cotidiana, provavelmente educa os filhos seguindo o senso comum em vez de "aplicar" uma teoria educativa ou psicológica, etc. 

Outro erro muito comum no âmbito da formação do professor é a idealização do aluno. Ora, o aluno "real" encontrado na nossa prática cotidiana da sala de aula é muito diferente daquele aprendido nos cursos de formação de professores. O aluno "real" é potencialmente imprevisível. O que nele há de previsibilidade é a sua capacidade de sensocomunicar-se, cometer erros, e de não responder positivamente ao método pedagógico tomado com "certo"; quanto mais divergente e criativo é o aprendiz menos ele estará de acordo com os manuais, o método e a teoria vigente.

Considerações finais e provisórias

Acredito que os alunos passariam a gostar mais dos assuntos se fossem reconhecidos em seu potencial emancipatório de estudante.   Provavelmente, eles teriam seu interesse aguçado se o conhecimento fosse "menos mistificado e mais emancipatório" (SOUSA SANTOS, 2004). O simples ato de os professores humanizarem os homens de conhecimento, no mínimo, serviria para os estudantes se identificarem como um outro ser humano, pensante, apaixonado pelo saber, com coragem e determinação para buscar soluções racionais para os questionamentos sobre a natureza, os bichos, os insetos, e os próprios seres humanos. Se os alunos-estudantes soubessem sobre a história dos ensaios e erros nas descobertas, o contexto cultural e o pensamento predominante da época, os interesses ideológicos, etc, o conteúdo científico faria melhor sentido para eles investirem na sua aprendizagem e na problematização das teorias e dos métodos.

Além da necessidade de se construir uma "ambiência para a investigação" (LÜDKE, 2005), por meio do qual os estudantes seriam estimulados a se inserir em grupos de pesquisa, é preciso revelar os erros e acertos registrados na história das ciências, que, no fundo, é a história do senso comum com seus erros e acertos para a vida prática (sabedoria[6]), que só depois passou a demandar uma explicação sistematizada, isto é, supostamente mais confiável.

Sem nosso esforço, humildade, e coragem para reconhecer os próprios erros jamais acertamos em nosso ato de ensino e nas eventuais descobertas no campo da pesquisa. Como dizia Carl G. Jung "erros são no final das contas, fundamentos da verdade".

__________

[1] Cf.: MORAIS, R. Ciência e tecnologia...SP: Cortez-Moraes, 1977, p. 21.

[2] Cf.: CORTELLA, S. A escola e o conhecimento. SP: Cortez, 2000, p.113.

[3] Cf.: SILVEIRA, Lauro F. B. A aprendizagem como semiose. In: Quaestio. Revista de Estudos de Educação, Sorocaba, ano 5, n. 1, p. 89-94, maio 2003. 

[4] "Experiência é o nome que cada um dá aos seus próprios erros" (Oscar Wilde).

[5] Para entender os problemas de ensinar a ser "crítico" ver: MACHADO, A.V. O conceito de crítica em função do ensino de história. Disponível em:  <http://orbita.starmedia.com/outraspalavras/art01avm.htm>   Acesso em: nov. 2006. Tb.: PASSMORE, J. "Ensinando a ser crítico". In: Peters, R. S. The Concept of Education. [trad.: Nélio Parra]. Londres: Routledge & Kegan, 1979.

[6] Demo (2002) escreve que "existe na sabedoria um tipo próprio de questionamento, que é a visão da experiência refletida. Difere do conhecimento científico, porque este é impiedosamente analítico, criticamente ácido. A sabedoria é uma orquestra integrada de muitos saberes, mais ou menos críticos e ingênuos, do mundo da vida, de experiências variadas e mesmo contraditórias, cuja essência está em ter da vida uma experiência e uma visão exemplares. Enquanto a ciência toma a vida como objeto de análise, a sabedoria a toma como desafio de a bem viver. Quem vive a vida não precisa explicá-la. Já está, nisto, explicada. Pois explicar não é teorizar, analisar, mas bem viver. O sábio é sobretudo um exemplo de vida, não de pesquisador. / Entretanto, o pesquisador também pode ser sábio, á medida que incutir na ciência o senso pela felicidade. Esta é feita de tantas coisas, que não apenas de questionamentos sistemático. O cientista sábio é aquele que sabe que sabe pouco, que reconhece os limites da pesquisa, que aceita a dificuldade/impossibilidade de ter resposta a tudo, que permeia o conhecimento com a humildade da busca incessante. A ciência precisa loucamente de sabedoria e bom senso, para não descambar na mera instrumentação técnica para fins escusos" [grifo nosso] (DEMO, 2002, p. 18-19, se inspirando em ABBAGNANO, N. A sabedoria da vida. Petrópolis: Vozes, 1989).

Referências

CORTELLA, Sergio. A escola e o conhecimento. São Paulo: Cortez, 2000.

DEMO, Pedro. Metodologia científica em Ciências Sociais. São Paulo: Atlas, 1981.

DEMO, Pedro. Pesquisa e construção do conhecimento: Metodologia científica no caminho de Habermas. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2002.

LÜDKE, Menga. O professor e sua formação para a pesquisa. Eccos - Revista Científica, São Paulo, v.7, n.2, p.333-349, jul./dez.2005.

MORAIS, R. Filosofia da ciência e da tecnologia. Campinas: Papirus, 1988.

SILVEIRA, Lauro F. B. A aprendizagem como semiose. Quaestio - Revista de Estudos de Educação, Sorocaba, ano 5, n. 1, p. 89-94, maio 2003

SOUSA SANTOS, B. (org.) Conhecimento prudente para uma vida decente: um discurso sobre as ciências revisitado. São Paulo: Cortez, 2004.

Dedico este texto aos meus alunos de Iniciação á Ciência e á Pesquisa  e Métodos Científicos [METEP]

Artigo extraido de Revista do Espaço Acadêmico.

 

 

 

Autor:

Raymundo de Lima

ray_lima[arroba]uol.com.br

Formado em Psicologia, Mestre em Psicologia Escolar (UGF) e Doutor em Educação pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente é professor do Depto. Fundamentos da Educação, na área de Metodologia da Pesquisa, da Universidade Estadual de Maringá (UEM)



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