O crime de dano está previsto no art. 163 do Código Penal Brasileiro e sua aplicação na proteção dos dados informáticos têm sido muito discutida em congressos e seminários dedicados ao estudo do Direito Informático no Brasil.
O busílis encontra-se na palavra coisa, utilizada pelo legislador de 1940 para designar o objeto material do delito de dano.
Argumenta-se que, em respeito ao princípio constitucional da legalidade - que veda a analogia como instrumento da criação de tipos - não se poderia considerar típico um dano a dados informáticos.
Assim, se um agente formatasse um disco rígido sem a autorização de seu legítimo proprietário, com o único intuito de lhe causar um prejuízo, não haveria crime de dano, pois nenhuma "coisa" foi destruída, inutilizada ou deteriorada.
A hipótese reveste-se de grande importância, pois, em suma, esta é a conduta de quem cria e divulga vírus de computador, prática que tem causado grandes prejuízos não só ás grandes corporações, mas também a usuários individuais que, muita vez, perdem todas as suas informações armazenadas sobre a forma de dados em seu computador.
Procuraremos demonstrar neste trabalho que é perfeitamente possível a tipificação das citadas condutas como crime de dano sem que haja qualquer ofensa ao princípio constitucional da legalidade.
Em princípio, cabe-nos determinar se o entendimento do dado informático como coisa é uma atividade interpretativa ou integrativa da lei penal.
A interpretação não se confunde com a integração, pois, enquanto esta visa preencher as lacunas existentes na lei(1), aquela objetiva tão-somente o correto entendimento da intentio legis.
Assim, a analogia não é uma atividade interpretativa, mas sim um instrumento de integração das normas, pois preenche com hipóteses semelhantes as lacunas legais.
No dizer de Heleno Cláudio FRAGOSO:
"A analogia distingue-se da interpretação, porque constitui um processo de integração da ordem legal, e não meio de esclarecer o conteúdo da norma. Através da analogia aplica-se a lei a hipótese por ela não prevista, invocando-se substancialmente, o chamado argumento a pari ratione. Há aplicação analógica quando a norma se estende a caso não previsto, mas semelhante, em relação ao qual existem as mesmas razões que fundamentam a disposição legal. A analogia distingue-se da interpretação extensiva, porque nesta não falta a vontade da lei, mas tão-somente a expressão verbal que a ela corresponda." (FRAGOSO, 1985. p. 87)
Se na integração o intérprete acrescenta á norma elementos previamente não existentes, na interpretação extensiva, ele tão-somente revela a intentio legis já existente, porém não expressa verbalmente de forma adequada.
"A interpretação extensiva é perfeitamente admissível em relação á lei penal, ao contrário do que afirmavam autores antigos. Nestes casos não falta a disciplina normativa do fato, mas, apenas, uma correta expressão verbal. Há interpretação extensiva quando se aplica o chamado argumento a fortiori, que são casos nos quais a vontade da lei se aplica com maior razão. é a hipótese do argumento a maiori ad minus (o que é válido para o mais, deve necessariamente prevalecer para o menos) e do argumento a minori ad maius (o que é vedado ao menos é necessariamente no mais). Exemplo deste último argumento: se o Código Penal incrimina a bigamia, logicamente também pune o fato de contrair alguém mais de dois casamentos (Manzini)." (FRAGOSO, 1985. p. 86)
Destarte, se advogássemos a tese de que o art. 163 do CP pudesse ser interpretado como: "destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia ou dados informáticos", estaríamos defendendo a analogia.
Se, porém, admitirmos que os dados informáticos são "coisas", não haverá analogia, mas sim interpretação extensiva, pois a intentio legis é evitar um dano patrimonial, seja ele praticado em objetos tangíveis ou não.
Não se está, pois, acrescentando novo conteúdo á lei, mas sim evidenciando um novo significado da palavra "coisa" impossível de ter sido previsto pelo legislador de 1940, mas certamente contido na norma.
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