A palavra sistema nos remete a inúmeros conceitos em princípio bastante distintos: o sistema solar (sistema físico), o sistema nervoso (sistema biológico), o sistema computacional (sistema eletrônico), entre outros.
Um sistema é um conjunto de elementos organizados.
Os elementos são os componentes do sistema e, ao contrário do que a priori poder-se-ia supor, não caracterizam o sistema.
O que caracteriza um sistema estelar não são o número de planetas, o tamanho dos corpos celestes, sua composição química ou mesmo sua temperatura.
O que caracteriza um sistema é sua organização.
A organização é a relação entre os elementos do sistema que permite ao observador isolar o sistema de seu ambiente.
Assim, a força de gravidade faz com que todos os corpos celestes de um sistema estelar girem em torno de um centro comum (no caso do sistema solar, o Sol). A organização de um sistema estelar é, pois, de inúmeros corpos celestes girando em torno de uma estrela.
Se, por hipótese, ocorre alguma alteração nesta organização (a gravidade deixa de existir, verbi gratia) o sistema deixa de existir ou torna-se um novo sistema com natureza absolutamente diversa do anterior.
Nos sistemas computacionais é bastante evidente a organização como caracterizadora de um sistema: as placas, memórias e discos rígidos não passam de um amontoado de peças se não se encontram devidamente conectadas.
Definido o que é um sistema, fica claro que o restante do universo que não participa da organização do sistema é seu ambiente.
Aqui se encontra um importante conceito da teoria dos sistemas: a organização, ao mesmo tempo que define o que é o sistema, define o que ele não é.
O conceito de sistemas já vem sendo empregado há tempos pela Física, que geralmente o utiliza em situações idealizadas em que define o sistema e o resto do mundo constitui o ambiente que cerca o sistema.
Um exemplo especial do emprego do conceito de sistemas na Física é o de sistema idealmente isolado: um sistema que não tem qualquer contato com o mundo exterior: uma hipotética caixa em que as paredes não permitem que a matéria ou a energia saia de seus limites.
Poderíamos defini-la como uma garrafa térmica idealizada em que não consegue perder água nem energia calorífica. O sistema estaria em perfeito equilíbrio e absolutamente isolado de seu ambiente.
Sobre a utilização do conceito de sistemas pela Física, COVENEY e HIGHFIELD afirmam que:
"Embora na realidade nenhum sistema possa ser perfeitamente isolado (talvez com exceção do próprio universo), o sistema isolado continua a ser uma idealização muito útil. Outros dois tipos gerais de sistemas também são muito utilizados na termodinâmica: sistemas fechados, dispositivos que trocam energia com o ambiente, e sistemas abertos, que trocam energia e matéria com o ambiente. Nesta terminologia as coisas vivas (como as pessoas, por exemplo) são sistemas abertos, tendo em vista que trocam energia e matéria com o ambiente, o que abrange desde vinho e salsichas até o hálito morno e excreções." (COVENEY et HIGHFIELD, 1993, p. 133)
A troca de energia e matéria de um sistema com seu ambiente é uma aquisição e dispensa de elementos, mas em nada altera a organização do sistema em questão.
Os sistemas biológicos recebem a todo momento elementos novos que serão utilizados pela organização interna do sistema (ar, alimentos, bebidas, etc), da mesma forma que excreta uma série de substâncias (gás carbônico, fezes, urina, etc). Mas a troca de elementos do sistema com seu ambiente não altera necessariamente sua organização.
MATURANA E VARELA observam que:
"Acrescentar algo a uma dinâmica estrutural é muito diferente de modificar as características essenciais de uma unidade, o que implica em mudar a sua organização."(MATURANA et VARELA, 2002, p. 69)
A troca de elementos entre sistema e ambiente caracteriza os sistemas abertos que, do ponto de vista de sua organização, podem ser considerados alopoiéticos ou autopoiéticos.
Vimos que o que diferencia os sistemas isolados, fechados e abertos é a possibilidade de troca de elementos entre estes sistemas e seus respectivos ambientes. Trata-se de um conceito relacionado aos elementos constitutivos do sistema.
Quanto á organização do sistema podemos dividi-los em alopoiéticos1 e autopoiéticos2.
A alopoiese é um processo pelo qual uma determinada organização produz algo diferente de sua própria organização. Um exemplo de sistema alopoiético seria uma linha de produção de uma indústria automobilística.
Uma linha de produção é capaz de produzir carros, mas não as máquinas usadas na própria linha de produção.
Por outro lado, sistemas autopoiéticos são literalmente aqueles que se auto-produzem.
O conceito foi criado nas ciências biológicas para descrever o surgimento da vida na Terra. A origem dos seres vivos não estaria relacionada, pois, a um criador. Os elementos constitutivos de um sistema vivo teriam se auto-organizado após bilhões de anos de caos quando, em um determinado momento, surgiu no planeta simultaneamente uma série de circunstâncias físico-químicas que permitiram o êxito desta auto-organização.
Nas palavras de MATURANA e VARELA:
"A característica mais peculiar de um sistema autopoiético é que ele se levanta por seus próprios cordões, e se constitui como diferente do meio por sua própria dinâmica, de tal maneira que ambas as coisas são inseparáveis." (MATURANA et VARELA, 2002, p. 55)
O surgimento das primeiras células vivas teria se dado no momento em que houve uma primeira distinção clara da organização do sistema e de seu ambiente externo:
"esse metabolismo celular produz componentes e todos eles integram a rede de transformações que os produzem. Alguns formam uma fronteira, um limite para essa rede de transformações. Em termos morfológicos, podemos considerar a estrutura que possibilita essa clivagem no espaço como uma membrana. No entanto, essa fronteira membranosa não é um produto do metabolismo celular tal como o tecido é o produto de um tear, porque essa membrana não apenas limita a extensão da rede de transformações que produz seus componentes, como também participa dela. Se não houvesse essa arquitetura espacial, o metabolismo celular se desintegraria numa sopa molecular, que se espalharia por toda parte e não constituiria uma unidade separada como a célula". (MATURANA et VARELA, 2002, p. 52-53)
O sistema autopoiético, portanto não é criado, mas nasce do caos a partir de uma auto-organização bem sucedida após uma série quase infinita de tentativas fracassadas.
A partir de seu surgimento, o sistema organiza-se de tal forma que tenha como principal função a sua manutenção enquanto sistema organizado.
Assim, uma célula estará viva enquanto mantiver sua organização estável que terá como função manter esta organização estável.
Segundo MATURANA e VARELA:
"O que lhes é peculiar é que sua organização é tal que seu único produto são eles mesmos. Donde se conclui que não há separação entre produtor e produto. O ser e o fazer de uma unidade autopoiética são inseparáveis, e isso constitui seu modo específico de organização." (MATURANA et VARELA, 2002, p. 57)
A organização de um sistema autopoiético tem com fim a manutenção de sua própria organização, pois a desordem para um sistema autopoiético corresponde á própria morte do sistema com a conseqüente difusão de seus elementos ao ambiente.
A morte de um sistema é, em última análise, o fim da organização do sistema e o conseqüente término da distinção entre o que é sistema e o que é ambiente.
Isto fica bastante visível se tomarmos uma célula como exemplo: sua morte corresponde á falência de sua dinâmica intracelular com a perda de sua organização. A célula deixa de ser célula quando seus componentes perdem sua organização vital e se misturam ao ambiente.
é bom frisar que o fato de o sistema ser autopoiético não implica que ele é um sistema fechado já que a troca de elementos entre o sistema e seu ambiente, em princípio, nada altera a organização do sistema.
No caso dos sistemas computacionais e dos sistemas sociais, por exemplo, os elementos constitutivos dos sistemas são as informações que são trocadas livremente com seu ambiente.
Um computador recebe e emite informações a todo momento, mas isto em nada altera sua organização (o modo como opera estas informações).
A sociedade, por outro lado, também troca informações com seu ambiente - daí por que a consideraremos cognitivamente aberta - mas esta troca de informações com seu meio em nada altera sua organização - razão pela qual a conceberemos como operativamente fechada.
As trocas de elementos entre sistema e ambiente originam mudanças de estado.
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