Crença, corroboração e verdade científica. Rici – seminário permanente

Enviado por André Barata


  1. Sumário
  2. O conhecimento como crença qualificada
  3. A crença em regularidades
  4. O efeito da crença nos contextos de descoberta e de justificação

O conhecimento é crença qualificada...E é este tipo de qualificação que falta no vasto e importante campo do conhecimento conjectural.

 Popper, CO, 80

Sumário:

            Este seminário visa abordar o efeito da crença no trabalho científico. Justifica-se a meu ver, e desde logo, pelo facto de todo o conhecimento se recortar de crenças, não fazendo diferença, para o caso, se o conhecimento é especificado como científico ou não. De uma forma ou de outra, o conhecimento é uma crença qualificada. Depois, é esperável, em virtude da sua natureza interdisciplinar, que este seminário possa dar conta de algumas formas particulares pelas quais o efeito da crença sobre o trabalho científico se faz sentir. Por exemplo, efeito da crença sobre os métodos científicos, efeito da crença sobre o esforço de justificação, efeito da crença na corroboração obtida sobre o próprio objecto de estudo,  etc.  Pela minha parte, procurarei cumprir três objectivos que passo a enunciar:

1. Relatar uma caracterização do conhecimento, que é sempre conhecimento de verdades, científicas ou não, como crença qualificada, designadamente como crença verdadeira e justificada. Procurarei ainda, adentro das condições a satisfazer para que haja conhecimento,  explicitar as relações entre verdade e justificação a partir das teses que Donald Davidson defende em "Uma Teoria Coerencial da Verdade e do Conhecimento".

2. Exprimir algumas particularidades a respeito das nossas crenças em regularidades, sua formação e corroboração, e isto sob a preocupação de divisar o significado da diferença entre o que se faz em ciências naturais e o que se faz em ciências sociais. Para este tópico, farei referência ás epistemologias de Karl Popper e de Friedrich Hayek.

3. Discutir qual o lugar da crença nos momentos do trabalho científico em função de diferentes posicionamentos marcantes na epistemologia contemporânea (designadamente, os de Karl Popper, Michael Polanyi, Thomas Kuhn, Imre Lakatos)

1. O  conhecimento como crença qualificada

é habitual considerar-se o conhecimento, e por maioria de razão o conhecimento científico, como uma espécie particular de crença. Não parece concebível, com efeito, que se pudesse não crer no que se conhece.

 Evidentemente, a conversa não é verdadeira - nem todas as crenças são conhecimento, menos ainda conhecimento científico. Podemos sustentar crenças falsas, as quais, em virtude da sua falsidade, não são realmente conhecimento, pois o conhecimento é, por definição, conhecimento de verdades. Mas já por outro lado, mesmo entre as crenças verdadeiras nem todas valem como conhecimento. Julgar saber sem saber porquê não é realmente saber - donde, não bastar a uma crença ser verdadeira para que constitua conhecimento; necessário é que seja também uma crença justificada, uma crença provida de razões. Escusado será dizer que se uma crença é provida de razões, essas serão, necessariamente, boas razões. Ou temos razões ou não temos razões; más razões não são razões. Analogamente, ou temos conhecimento de verdades ou não temos, de todo, conhecimento; não conhecemos falsidades, apenas podemos julgar que as conhecemos e precisamente por as podermos julgar verdadeiras. Nisto, surpreende-se uma ilusão corrente, ainda que facilmente corrigível, para a qual uma certa tendência eufemística da nossa linguagem natural nos faz protender.

 Naturalmente, também não basta a uma crença ser justificada para que constitua conhecimento; não sendo uma crença verdadeira não constituirá conhecimento. Já o disse. Assim, a falar de conhecimento, são pelo menos três as condições a satisfazer : tratar-se de uma crença, verdadeira e justificada.

A clareza desta resposta á pergunta o que é conhecimento - que se encontra por exemplo em Chisholm, Ayer, mas também, logo nos alvores da tradição filosófica,  remontando ao Teeteto de Platão[1] - não evita dois tipos de dificuldades. Por um lado, saber se estas três condições são, no seu conjunto, realmente suficientes para que tenhamos conhecimento. Por outro lado, saber sob que condições podemos dizer que temos, respectivamente,  uma crença, uma crença verdadeira e uma crença justificada.


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