A inveja como fundamento e motivação do ‘delito’ de assédio moral



Quando nos perguntamos com que constância o assédio moral se desenvolve nas relações sociais, em especial, no ambiente de trabalho, tal indagação nos remete a uma peculiaridade pouco desenvolvida dentro de seu contexto, que é a questão da inveja.

Sim, neste trabalho estaremos tratando da pior das paixões humanas, e de sua incidência evidente sobre o instituto jurídico do "Assédio Moral".

Ao tratarmos de assédio moral, a primeira observação que necessariamente deva ser feita, é a de que estamos lidando com uma violência sutil. Sim, muitas das vezes, tão sutil que se torna quase imperceptível ao mundo que rodeia a vítima. No Brasil, a tortura psicológica ou psico-terror, como também é denominado, tem feito do assédio moral um problema em evolução e propagação; podendo ser verificado em quase todos os setores da sociedade, conseqüentemente, alcançando sujeitos de todas as classes sociais.

Estando dentro da órbita da problemática mundial, pois, segundo a União Geral dos Trabalhadores portuguesa, em uma pesquisa realizada no âmbito da União Européia, em 1996, constatou que 8% dos trabalhadores sofriam, especifica e comprovadamente, dentro do ambiente de trabalho intimidações e coação moral.

A intimidação e a coação guarnecem o transgressor, torna-se uma justificativa, um o disfarce hábil, ou melhor, um álibi: "Estou mantendo a ordem". Utilizando-se de práticas perversas e arrogantes, a estratégia da humilhação empreendida pelo transgressor constitui um risco invisível. A vítima gradativa e simultaneamente, vai perdendo sua autoconfiança e o interesse pelo trabalho; isola-se da família e amigos, passando muitas vezes a usar drogas, principalmente o álcool. E, é nesta fase do processo, que se origina a depressão, angústia, distúrbios do sono, conflitos internos e sentimentos confusos, até onde, vê-se forçada a pedir demissão.1

Segundo Margarida Barreto, médica especialista no trato dos efeitos do assédio moral, e pesquisadora do Departamento de Psicologia da PUC-SP, afirma que, o problema hoje, pode ser considerado uma questão de saúde pública.Tendo se dedicado ao estudo minucioso do assunto, sua pesquisa resultou em números assombrosos, e, bastante temerosos, principalmente, na vida laboral. Com um resumido quadro sinótico, intitulado por Margarida Barreto como: "Raio X da Violência Moral"2 , expôs o resultado de sua investigação. Assim, após haver consultado 42.000 trabalhadores em todo o País, sendo 2.072 trabalhadores de 97 empresas do estado de São Paulo, e, deste grupo, 10.000 afirmaram haver experimentado repetidas vezes, situações intencionalmente provocadas: humilhação, embaraço, coação...Ou seja, reconheceram prontamente a tipicidade da conduta descrita pelo assédio moral, na seguinte proporção: 90% reconhecem como assediador o chefe; 6% os colegas de trabalho e 1,5% sofrem assédio de seus subordinados. Quanto á incidência com que ocorre: 50% são vítimas várias vezes por semana, 27% uma vez por semana; 14% uma vez por mês e 9% raramente. Quanto ao resultado alcançado pelas agressões: 82,5% sentem falta de ânimo e perda de memória; 75% sensação de enlouquecimento; 67,5% baixa auto-estima e 60% depressão.

Contudo, o assédio moral como instituto jurídico, é relativamente novo, sendo inclusive pertinente dizer, que sequer fora classificado adequadamente, se considerarmos como adequado tudo aquilo que possui ou esgota seu real sentido, e, a partir daí, passível de reconhecer-se sua total abrangência. Com raras explanações doutrinárias valorosas sobre o tema, e em face da ausência de legislação específica, nosso trabalho se depara desde logo, com o desafio de introduzir extensões elucidativas, dinamizar seus mecanismos probatórios, evidenciando que para o estudo desta questão, é de suma importância o reconhecimento de segmentos paralelos, proporção indispensável, existente entre o Direito e a Psicanálise. Pois, enquanto o Direito tenta fazer sucumbir ou sancionar seus efeitos; por seu turno, a Psicanálise nomeia e desenvolve um trabalho "curativo" de suas causas.

Dos textos dos poucos jurisconsultos que abordaram o tema, percebemos haver uma complexidade permeando a matéria, como dito, a começar por sua definição, ou melhor, tipificação. Mencionamos tipificação, porque compactuamos dos argumentos daqueles que colocam a questão sob égide da matéria penal, entendendo o assédio moral como figura de tipo delitivo, ou seja, como mais um crime contra a pessoa, posto que, expõe a perigo ou lesa bem juridicamente tutelado, que em sua órbita, é a integridade psíquica do ser. Todavia, há enquadre ou desclassifique a conduta do agressor, lançando-a ao rol daquelas passíveis de tão-somente tornar indene a vítima, o que significa mitigar seus efeitos, ou ainda, afastar do ato comissivo aquele "tom" de gravidade que por si só, lhe é tão peculiar.

Preliminarmente, com a finalidade de revestir de familiaridade o instituto do Assédio Moral, nós nos propusemos os seguintes objetivos: nomeá-lo, decifrá-lo e, explica-lo; e porque não dizer, que temos ainda, a pretensão explícita de conceituá-lo juridicamente, desta feita, de forma adequada e abrangente. E, por fim, pretendemos ir além do entendimento de seus efeitos, para então, podermos compreender o caminho que leva o assediador a escolher uma determinada vítima. E, embora, não haja norma jurídica descrevendo o tipo penal, nos parece possível reconhecer o "iter criminis"3 , ou seja, o itinerário e o liame havido entre eles. Noutras palavras, não restará difícil apurar o nexo causal que liga o resultado em sentido "lato-sensu" á conduta dolosa do agente. Falamos em resultado em sentido amplo, porque este não seria um crime material, cuja consumação exige que se produza o resultado; o crime de assédio moral configura um crime formal, cuja consumação não exige a realização daquilo que é pretendido pelo agente e o resultado jurídico previsto no tipo ocorre em concomitância com o desenrolar da conduta delitiva, ou seja, independe de haver o resultado quisto pelo agente se produzido ou não.

E aqui, não devemos confundir o crime consumado com o exaurido, posto que, no exaurido, após a consumação, que ocorre quando estiver preenchido no fato concreto o tipo objetivo; o agente o leva a conseqüências mais lesivas. No caso do assédio moral, o "psico-terror" criado pelo agente é suficiente para caracterizar a conduta, sendo irrelevante o grau ou intensidade da reação psicológica produzida na vítima, salvo para poder-se esboçar a figura qualificada, onde a lei agrega circunstâncias ao tipo básico de modo a torná-lo mais grave, ou ainda, para apurar-se valores indenizatórios, pois, na órbita civil, é pertinente falar-se em proporções do dano causado, sendo ilícito pleitear valor que exorbite áquele efetivamente suportado pelo indivíduo.

Ressaltados estes aspectos, convém a nós em primeiro plano compreender essencialmente o que pode ou não, ser caracterizado como Assédio. Assédio: verbo transitivo direto, que indica ação/processo e, que tem como sujeito um agente causativo; sua origem remonta o século XVII, derivando do italiano "assediare" , que recompôs o latim "adsedere", e, hipoteticamente, possa ser traduzido em: "por em sítio" ou sitiar. Assédio teve seu sentido literal esmiuçado por nós através de consultas feitas a inúmeros dicionários da língua portuguesa, onde pudemos apurar seu sentido denotativo: perseguir, importunar, pôr em cerco, inserir temores, molestar com pretensões repetitivas, impertinência insistente, sitiar para assalto, afligir moralmente com observações, perguntas, pedidos ou propostas.

Antes, porém, de tecermos um conceito ou uma definição á moral (conjunto de costumes que ordena a conduta do homem, corpo de preceitos naturais ou tradicionais, para dirigir as suas ações), ou melhor, ao moral (designa um conjunto de funções psíquicas, e o nível de tonicidade das forças de inteligência, que podem levar o estado de ânimo oscilar entre a depressão profunda ou a confiança plena), temos que justamente fazer uma separação, e, portanto, devemos discernir qual é o objeto de nosso estudo, e ainda, á que questão o assédio se relaciona. Notadamente, não estamos tratando de uma questão adstrita á moralidade, porque esta quase se confunde com questões éticas, instituídas pelos costumes exercitados na vida comum, social. Notadamente, existe "um padrão" objetivo e idealizado á condução social, áquela exteriorização de comportamento que devemos empreender; comportamento esperado e desejado, porém, sendo quase sempre se mostra como o resultado de um adestramento social ou religioso. E, é sob este aspecto que a ética se aproxima da moralidade, porque inúmeras vezes nos pairam dúvidas se em determinado momento, esperamos de alguém ou de um grupo uma conduta: "normatizada pelos costumes" ou "idealizada através de doutrinas religiosas".

Assim, de pronto, surge-nos uma dúvida: Esperamos do "outro" um comportamento ético ou moral? A ética se exterioriza, e, talvez, possa ser definida como o reflexo da moral, posto que, esta sim, é intrínseca e introspectiva. O termo moral é derivado do latim "morale", sendo que, a moralidade nos reveste de valores, enquanto a ética nos investe de padrões. Mas, de qualquer modo, nenhum de nós pode com veemência assegurar se alguém está ou não, imbuído por valores morais. Contudo, é possível verificar se este mesmo alguém possui um comportamento ético, apesar do segredo permanentemente mantido quanto á sua moralidade.

Em suma, a ética descreve o "ideal" do homem socializado, e, é por isto, é uma diretriz normativa ante os costumes, ou seja, preceitua os padrões de um comportamento esperado ou desejado por todos. Já a moral, revela o "real", e, por seu turno, doutrinariamente, retrata a maneira pela qual de fato nos comportamos, e quando existente, está sempre subordinada a uma ordenação divina, ou, ao temor reverencial. Reiteramos, a moral é uma ordem que emana do sobrenatural (Deus), podendo ou não, ser obedecida. Noutras palavras, pode ou não, estar presente em nossas atitudes. Juridicamente, seria possível correlaciona-las aos padrões kelsenianos, em que: moral é o que é (sentimentos, costumes, caráter = evolução emocional e instintiva - faz o indivíduo ser bom ou mau), enquanto a ética descreve o que deve ser (hábitos, leis, práxis = evolução social e psicológica - faz o indivíduo comportar-se bem ou mal).


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