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Partindo-se dessas premissas, entende-se que, sempre que possível, deve ser feita a opção por outra modalidade de pena, que não a privativa de liberdade, o que certamente contribui para uma maior efetividade do sistema punitivo, sobretudo no que diz respeito á realização dos fins a serem alcançados com a aplicação das penas. Entretanto, a despeito de todos os aspectos negativos, a pena privativa de liberdade é predominante, no sistema penal brasileiro, sendo cominada em quase todos os tipos penais.
O atual Código Penal, em seu artigo 33, apresenta duas modalidades de penas privativas de liberdade: a de reclusão e a de detenção, as quais se diferenciam em função do regime de seu cumprimento. Em relação ás contravenções penais, há ainda uma terceira modalidade, que é a prisão simples, prevista no artigo 5º, I do Decreto 3.688/41.
Conforme prescreve o artigo 33 da lei penal, a pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semi-aberto ou aberto e a de detenção, por sua vez, em regime semi-aberto, ou aberto, salvo necessidade de transferência para o regime fechado. Desse modo, conforme explicam Zaffaroni e Pierangeli[10], a única diferença prática entre as duas modalidades reside no fato de que a detenção não pode ter seu cumprimento iniciado em regime fechado, o que não implica dizer que ela não pode ser cumprida em regime fechado, posto que, em certos casos, há possibilidade de regressão de regime.
De acordo com o § 1º do artigo 33 do Código Penal, entende-se por regime fechado a execução da pena em estabelecimento de segurança máxima ou média; por regime semi-aberto, a execução da pena em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar; e por regime aberto, a execução da pena em casa de albergado ou outro estabelecimento adequado.
O tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade aplicadas, independentemente da sua modalidade, conforme determina o artigo 75 do Código Penal, não pode ser superior a 30 anos. Assim, quando o agente for condenado a penas privativas de liberdade cuja soma superar esse limite, elas deverão ser unificadas a fim de atendê-lo. Contudo, caso sobrevenha condenação por fato posterior ao início do cumprimento da pena, nova unificação deverá ser feita, desprezando-se, para esse fim, o período de pena já cumprido.
O objetivo do estabelecimento desse limite é evitar que a acumulação de penas resulte numa pena perpétua, tal como ocorria no Código Penal de 1940, anteriormente á reforma penal de 1984. [11]
Nesse sentido, vale também ressaltar que, conforme prescreve o artigo 42 do Código Penal, devem ser descontados da pena privativa de liberdade o tempo de prisão provisória, no país ou no estrangeiro; o de prisão administrativa; o de internação em hospital de custódia bem como o de tratamento psiquiátrico. Esse "desconto" denomina-se detração penal.
Nos termos do artigo 49 caput e § 1º do Código Penal, a pena de multa deve ser calculada em dias-multa devendo ser fixada em, no mínimo, dez e, no máximo, trezentos e sessenta dias-multa. O valor do dia-multa, por sua vez, é fixado pelo juiz, não podendo ser inferior a um trigésimo do maior salário mínimo mensal vigente ao tempo do fato, nem superior a cinco vezes esse salário.
Em relação á fixação do quantum de pena pecuniária, segundo Capez[12], há três posicionamentos encontrados na doutrina: o primeiro é no sentido de que a multa deve ser fixada levando-se em conta a capacidade econômica do condenado. O segundo é no sentido de que a pena de multa deve ser fixada exatamente como a pena privativa de liberdade, ou seja, obedecendo ao sistema trifásico previsto no artigo 68 do Código Penal. O terceiro, por sua vez, orienta-se pela aplicação apenas dos critérios elencados no artigo 59 do Código Penal.
Capez[13] é partidário do primeiro posicionamento, em razão de não ser mais possível a conversão de multa em pena privativa de liberdade depois do advento da Lei 9.268/96, o que impede que o tempo de prisão do mais favorecido economicamente seja maior do que o do desfavorecido, em função da conversão. Assim sendo, entende ser possível que a multa contemple apenas o critério econômico
Silvio Teixeira Moreira[14], entretanto, afirma que "o Código Penal, ao cominar penas pecuniárias, agora com caráter aflitivo, considerou dois aspectos absolutamente distintos: a renda média que o condenado aufere em um dia, de um lado, e a gravidade do delito e a culpabilidade do agente de outro".
No mesmo diapasão, Bitencourt[15] entende que a dosimetria da pena de multa deve contemplar, pelo menos, dois momentos. Numa primeira operação estabelece-se o número de dias- multa, que pode variar entre 10 e 360, levando-se em conta a gravidade do delito e o sistema trifásico (art. 68, CP). Numa segunda operação, fixado o número de dias-multa, passa-se então á fixação do valor de cada dia-multa, nos limites estabelecidos pelo artigo 49 e seus parágrafos. Eventualmente poderia haver uma terceira operação no sentido de majorar a pena, nos termos do artigo 60, § 1º do Código Penal, ajustando-a a condição econômica do agente
Ressalte-se que o artigo 49 do Código Penal fala em levar em conta principalmente e não exclusivamente a situação econômica do réu[16], por essa razão, ao que parece, esse é o posicionamento mais adequado.
Segundo Galvão[17], a flexibilidade conferida ao julgador para estipular o valor do dia-multa tem por escopo ajustar a pena ás condições econômicas do condenado, de modo que a reprimenda tenha caráter retributivo, qualquer que seja a condição econômica do agente.
Essa flexibilidade, entretanto, é duramente criticada por Giuseppe Bettiol[18], para quem o aumento de pena, fundado na condição econômica do agente, "estabelece distinção de tratamento em relação a indivíduos que pratiquem uma mesma conduta". Ademais afirma que há rompimento com o princípio da proporcionalidade, uma vez que desaparece o nexo entre gravidade do fato e quantidade de pena.
Ou seja, a multa, ao levar em consideração, não só o grau de culpabilidade, mas também a condição econômica do agente, acaba por eliminar um dos aspectos positivos inerente ás teorias retributivas, que é, justamente, a proporcionalidade entre o fato praticado e a pena aplicada. Desse modo, como lembra Galvão[19], é possível que seja aplicada uma pena que extrapole os limites da culpabilidade pelo fato praticado, violando o princípio de que não há pena sem culpa.
O Código Penal prevê a possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade pela de multa, em algumas situações específicas, conforme prescrito no § 2º do artigo 60, devendo tal substituição observar os critérios dos incisos II e III do artigo 44.
Quanto a execução da pena de multa, o artigo 50 da lei penal determina que, em princípio, ela deve ser paga até dez dias depois de transitada em julgado a sentença. Contudo, a requerimento do condenado e conforme as circunstâncias, o juiz pode permitir que o pagamento se realize em parcelas mensais. Há a possibilidade de que a multa seja paga mediante desconto no salário ou em outros vencimentos do condenado, nas hipóteses em que for aplicada isoladamente ou cumulativamente com pena restritiva de direitos, bem como quando concedida a suspensão condicional da pena. Ressalte-se, entretanto, que o desconto não pode, em hipótese alguma, incidir sobre os recursos indispensáveis ao sustento do condenado e de sua família.
Conforme determina o artigo 51 do Código Penal, uma vez transitada em julgado a sentença condenatória, a multa adquire a qualidade de dívida de valor, sendo, portanto, a ela aplicáveis as normas da legislação relativa á dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne ás causas interruptivas e suspensivas da prescrição. Todavia, vale ressaltar que, se sobrevém ao condenado doença mental, é suspensa a execução da pena pecuniária, conforme determina o artigo 52 do código Penal.
Diante do evidente fracasso das penas privativas de liberdade, pelo fato de que a prisão constitui "realidade violenta, expressão de um sistema de justiça desigual e opressivo", que acaba por reforçar valores negativos, que têm como resultado elevados índices de reincidência, constatou-se que o sistema só seria mais eficiente, se as mesmas fossem evitadas.[20]
Dessa constatação, conforme Fragoso[21], resultou uma tendência de ampliação das modalidades de penas substitutivas, com o fito de que fossem aplicadas em lugar das privativas de liberdade. Seguindo essa tendência, a Lei 9.714/98, ampliou o rol dessas penas, que passou a comportar as seguintes modalidades: prestação pecuniária; perda de bens e valores; prestação de serviços á comunidade ou entidades públicas; interdição temporária de direitos e limitação de fim de semana.
Nos termos do artigo 43, § 1º, do Código Penal, a prestação pecuniária consiste no pagamento em dinheiro á vítima, a seus dependentes ou a entidade pública ou privada com destinação social, de importância fixada pelo juiz, não inferior a um salário mínimo nem superior a 360 salários mínimos. Entretanto, se houver aceitação do beneficiário, a prestação pecuniária pode consistir em prestação de outra natureza. O valor pago é deduzido do montante de eventual condenação em ação de reparação civil, se coincidentes os beneficiários.
Conforme enfatiza Dotti[22], prestação pecuniária não deve ser confundida com a multa reparatória prevista no artigo 297 do Código de Trânsito Brasileiro, embora os dois institutos guardem entre si algumas afinidades. Nesse sentido, ressalta que "a prestação pecuniária não depende, necessariamente, da produção de um prejuízo material, assim como se exige quanto á multa reparatória e a perda de bens e valores".
Ressalte-se ainda que "a pena de multa e a prestação pecuniária possuem natureza jurídica diversa, logo, não há impeditivo legal para que haja condenação consistente em prestação pecuniária substitutiva da pena privativa de liberdade cumulada com a pena de multa, determinada pelo tipo penal".[23]
Conforme prescreve o artigo 43, § 3º do Código Penal, a perda de bens e valores pertencentes ao condenado, em regra, se dá em favor do Fundo Penitenciário Nacional, exceto nos casos em que a legislação especial determine outra destinação. O valor terá como teto o montante do prejuízo causado ou o do provento obtido pelo agente ou por terceiro, em conseqüência da prática do crime, optando-se, pelo que for maior.
A prestação de serviços á comunidade ou a entidades públicas, conforme determina o artigo 46 do Código Penal, é aplicável ás condenações a pena privativa de liberdade superiores a seis meses. A pena consiste na atribuição de tarefas gratuitas ao condenado, a serem realizadas em entidades assistenciais, hospitais, escolas, orfanatos e outros estabelecimentos similares ou em programas comunitários ou estatais.
Essas tarefas são atribuídas conforme as aptidões do condenado e são cumpridas á razão de uma hora de tarefa por dia de condenação. Importante ressaltar que elas devem ser fixadas de modo a não prejudicar a jornada normal de trabalho do condenado.
Note-se que, nos termos do § 4º do artigo 46 da lei penal, se a pena substituída for superior a um ano, o condenado tem a faculdade de cumpri-la em menor tempo, que, no entanto, não poderá ser inferior á metade da pena privativa de liberdade fixada.
O artigo 47 da lei penal elenca as penas de interdição temporária de direitos, que devem ter a mesma duração da pena privativa de liberdade fixada. Entre elas estão: a proibição do exercício de cargo, função ou atividade pública, bem como de mandato eletivo e a proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que dependam de habilitação especial, de licença ou autorização do poder público. Essas duas modalidades vinculam-se aos crimes cometidos no exercício de profissão, atividade, ofício, cargo ou função e dizem respeito á violação dos deveres que lhes são inerentes. Há ainda entre as penas de interdição temporária de direitos a possibilidade de suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículo, que se aplica aos crimes culposos de trânsito; e a proibição de freqüentar determinados lugares.
A última modalidade de pena restritiva de direitos está prevista no artigo 48 da lei penal, e consiste na limitação de fim de semana, que também deve ter a mesma duração da pena privativa de liberdade fixada. Essa modalidade de pena obriga o apenado a permanecer, aos sábados e domingos, por cinco horas diárias, em casa de albergado ou outro estabelecimento adequado. Durante a permanência do condenado em tais estabelecimentos, podem lhe ser ministrados cursos e palestras ou lhe ser atribuídas outras atividades educativas.
As penas restritivas de direitos, conforme determina o artigo 44 do Código Penal, são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando o réu não é reincidente em crime doloso; e quando a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias do crime indicarem que essa substituição será suficiente para a realização dos fins a que se propõe a pena. A possibilidade de substituição indica um deslocamento do foco das penas para o alcance dos fins de prevenção especial.
Nesse sentido, conforme lembra Prado[24], a introdução das penas restritivas de direito na legislação penal brasileira, consoante o item 29 da Exposição de Motivos da Parte Geral do Código Penal, visou alcançar um dúplice propósito, consistente em "aperfeiçoar a pena de prisão, quando necessária, e de substituí-la, quando aconselhável, por formas diversas de sanção criminal, dotadas de eficiente poder corretivo", o que veio enfatizar o fim de prevenção especial atribuído ás sanções penais.
No entanto, a possibilidade de aplicação dessas penas, na legislação pretérita, era bastante mais restrita. Segundo Prado[25], "a adoção das penas restritivas de direito, a princípio, foi feita de modo cauteloso, abrangendo tão-somente as penas privativas de liberdade inferiores a um ano e os delitos culposos", quando, evidentemente, contemplados os demais requisitos autorizadores da sua aplicação, quais sejam, o réu não ser reincidente e as circunstâncias judiciais indicarem ser a substituição suficiente.
Devido á sua restrita aplicabilidade, quando introduzidas ao sistema penal brasileiro pela reforma de 1984, segundo Fragoso[26], "as penas restritivas de direito não tiveram qualquer efeito para desafogar o sistema, uma vez que se destinavam apenas a crimes muito leves", ou seja, apenados com no máximo um ano de reclusão e que, "pelos quais ninguém cumpria pena privativa de liberdade no Brasil, já que aos mesmos se situavam numa faixa já reservada á suspensão condicional da pena,o que acabou por representar "um endurecimento inútil do sistema".
Hoje, a possibilidade de aplicação das penas restritivas de direito é mais ampla, alcançado, além dos crimes culposos, qualquer que seja a pena, os crimes dolosos cometidos sem violência ou grave ameaça e cuja pena privativa de liberdade aplicada não seja superior a quatro anos.
GALVÃO, Fernando A. N. Aplicação da Pena. Belo Horizonte : Del Rey , 1995
FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal: parte geral. ed. rev. por Fernando Fragoso. Rio de Janeiro : Forense, 2004.
ZAFFARONI; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro: parte geral. 4. ed. rev. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2002.
DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal: parte geral. Rio de Janeiro : Forense, 2002.
PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal brasileiro: volume 1: parte geral : arts. 1º a 120. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2002.
SANTOS, Juarez Cirino dos. Teoria da pena: fundamentos políticos e aplicação judicial. Curitiba : ICPC; Lúmen Juris, 2005.
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: Parte Geral. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo : Saraiva, 2001.
BRASIL. Paraná. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no Ag 716.894/PR, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 12.09.2006, DJ 30.10.2006 p. 380.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal: parte geral, v. 1. 7. ed. rev. e atual. São Paulo : Saraiva, 2002.
Autor:
Yvana Savedra de Andrade Barreiros
Doutoranda em Ciências Jurídicas e Sociais (UMSA)
Especialista em Língua Portuguesa (PUCPR)
Graduada em Direito (UP)
Graduada em Comunicação Social - Jornalismo (PUCPR)
[1] GALVÃO. Aplicação da Pena..., p. 120
[2] GALVÃO. Aplicação da Pena..., p. 120.
[3] FRAGOSO. Lições de Direito Penal..., p. 356.
[4] ZAFFARONI; PIERANGELI. Manual de Direito Penal Brasileiro..., p. 789.
[5] ZAFFARONI; PIERANGELI. Manual de Direito Penal Brasileiro..., p. 789.
[6] FRAGOSO. Lições de Direito Penal..., p. 356-357.
[7] SANTOS. Teoria da pena..., p. 23.
[8] SANTOS. Teoria da pena..., p. 23
[9] FRAGOSO. Lições de Direito Penal..., p. 357
[10] ZAFFARONI; PIERANGELI. Manual de Direito Penal Brasileiro..., p. 792
[11] ZAFFARONI; PIERANGELI. Manual de Direito Penal Brasileiro..., p. 792.
[12] CAPEZ. Curso de Direito Penal..., p. 405.
[13] CAPEZ. Curso de Direito Penal..., p. 405.
[14] Apud BITENCOURT. Manual de Direito Penal..., p. 535.
[15] BITENCOURT. Manual de Direito Penal..., p. 535.
[16] BITENCOURT. Manual de Direito Penal..., p. 535.
[17] GALVÃO. Aplicação da Pena..., p. 229.
[18] Apud GALVÃO. Aplicação da Pena..., p. 229.
[19] GALVÃO. Aplicação da Pena..., p. 229.
[20] FRAGOSO. Lições de Direito Penal..., p. 380.
[21] FRAGOSO. Lições de Direito Penal..., p. 380.
[22] DOTTI. Curso de Direito Penal... , p. 459.
[23] BRASIL. Paraná. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no Ag 716.894/PR, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 12.09.2006, DJ 30.10.2006 p. 380.
[24] PRADO. Curso de Direito Penal brasileiro..., p. 479.
[25] PRADO. Curso de Direito Penal brasileiro..., p. 479.
[26] FRAGOSO. Lições de Direito Penal..., p. 393.
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