Formação de educadoras e educadores com enfoque crítico de gênero no contexto das políticas educacionais para a igualdade e diversidade



  1. Urgência da inserção das problemáticas do sexismo e da iniqüidade de gênero na universidade e na formação docente 
  2. Desafios da formação docente: como promover a equidade de gênero?
  3. Considerações finais
  4. Referências

Em novembro de 2005, visitei a pequena cidade de Nísia Floresta, bem perto de Natal, a capital do Rio Grande do Norte. Nísia Floresta (1810-85), nascida na localidade que hoje tem seu nome, foi escritora e educadora feminista. é considerada precursora no Brasil da luta pelos direitos das mulheres, particularmente à educação, por ter publicado, em 1832, Direitos das mulheres e injustiça dos homens, tradução livre da obra da filósofa, escritora e feminista inglesa Mary Wollstonecraft (1759-97) Vindication of the rights of woman, de 1792 (WIKIPEDIA). Nísia publicou ainda várias obras no Brasil e na Europa (SCHUMAHER & BRAZIL, 2000).

Perguntei a diversas pessoas da cidade quem foi Nísia Floresta e ninguém me respondeu. Entre elas, havia um rapaz vestindo uma camiseta com uma foto de uma mulher jovem. Indaguei quem era ela e descobri que se tratava de uma professora local, recentemente assassinada pelo marido, mais um crime da paixão.

Posso supor que em Nísia Floresta não se ensina nas escolas a história das mulheres, nem se problematizam no currículo escolar as questões de gênero[1], referentes à construção sociocultural de atributos masculinos e femininos, e de relações de dominação masculina. Ora, a violência, em geral, e a violência doméstica e sexual em particular, são uma prática masculina, estudada como violência de gênero.

Em Natal, visitando um condomínio de elite, notei que as meninas tinham direito a uma enorme casinha de bonecas no jardim de casa, com todos os equipamentos domésticos de brinquedo. Mães, que exercem profissões valorizadas, e que Nísia Floresta definiria como mulheres emancipadas, decoram os quartos de seus filhos e filhas pequenos de maneira bem distinta: os meninos têm coleções de dinossauros, carros e super-heróis; as meninas, muitas bonecas em meio a objetos e enfeites cor de rosa.

As pessoas com quem conversei em Natal comentavam, preocupadas, sobre o crescimento do turismo sexual nas praias da cidade, o qual muitas vezes envolve jovens meninas e também meninos gays, pobres, que trabalham como prostitutas/os[2] para sobreviver e, possivelmente, alimentam o antigo sonho de Cinderela de casar com um estrangeiro rico e se mudar para a Europa. Que projetos de vida a escola pública de Natal e de Nísia Floresta está propiciando a essas meninas e meninos?

A educação reproduz a ordem social e a cultura, formando as novas gerações de indivíduos, conformando subjetividades, cristalizando significados e valores compartilhados, normalizando comportamentos e identidades, delineando sentidos para a vida pessoal e coletiva. Ainda que algo tenha mudado nas relações sociais de sexo e gênero, graças às lutas do movimento feminista, pois as meninas freqüentam a mesma escola ao lado dos meninos e também usam o computador e jogam videogames, ainda vivemos num mundo muito injusto. Vivemos relações de dominação de gênero: androcentrismo[3], isto é, predomínio de normas e valores masculinos, como a guerra e a competição. Mulheres encontram-se ainda em posição de subordinação, desvantagem, vulnerabilidade, exploração e opressão. São sub-representadas nos lugares de poder, nos altos cargos executivos, legislativos e judiciários, e nos níveis salariais mais elevados. Porém os homens também são prisioneiros das representações de gênero dominantes, como ressalta Pierre Bourdieu (1999); não se pode esquecer que eles são a grande maioria na perpetração da violência e nas prisões.

Ora, a compreensão da problemática de gênero " divisão, separação, polarização, assimetria, desequilíbrio, dominação no tocante a significados, valores e modos de ser masculinos e femininos " interessa a todos engajados na construção da justiça social, não apenas às mulheres. Interessa a adultos/as, idosos/as, jovens e crianças, pais, mães, professoras e professores. Ademais, as desigualdades de sexo e gênero se articulam a outras estruturas de desigualdade e dominação, como classe social e raça/etnia, tornando mais complexa a busca de mudanças efetivas no campo da justiça e dos direitos humanos.

No Brasil, as questões de justiça versus desigualdade de sexo e gênero ainda não penetraram as práticas educativas formais, particularmente a formação docente. A questão de classe social, por exemplo, esteve fortemente presente na academia durante toda a segunda metade do século XX; a questão do racismo ganhou espaço a partir da Constituição de 1988. Porém a questão do sexismo[4] e da iniqüidade de gênero[5] continua praticamente invisível nas universidades e nas escolas, na formação e na prática docente, apesar de ocorrências corriqueiras alarmantes que não são problematizadas da perspectiva de gênero, tais como gangues de meninos e violência escolar, abuso sexual e prostituição infantil, gravidez na adolescência, fuga da paternidade e sobrecarga materna. Problemas de direitos humanos como a homofobia[6], ódio ou aversão a homossexuais, inclusive combinada com a misoginia, aversão à mulher ou ao feminino, têm forte componente de gênero, evidenciada na maior discriminação e prática de violência contra o gay feminino e o travesti.


Página seguinte 



As opiniões expressas em todos os documentos publicados aqui neste site são de responsabilidade exclusiva dos autores e não de Monografias.com. O objetivo de Monografias.com é disponibilizar o conhecimento para toda a sua comunidade. É de responsabilidade de cada leitor o eventual uso que venha a fazer desta informação. Em qualquer caso é obrigatória a citação bibliográfica completa, incluindo o autor e o site Monografias.com.