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Educação Ambiental transdisciplinar em comunidades urbanas (página 2)

Ana Braga de Lacerda

A transdisciplinaridade, como o prefixo "trans" indica, diz respeito àquilo que está ao mesmo tempo entre as disciplinas, através das diferentes disciplinas e além de qualquer disciplina. Seu objetivo é a compreensão do mundo presente, para o qual um dos imperativos é a unidade do conhecimento. (NICOLESCU, 1999)

A abordagem transdisciplinar implica em alguns pressupostos tais como: levar-se em conta diversos níveis de realidade, diversos níveis de percepção e a lógica da possibilidade de existência simultánea de fenômenos antagônicos.

Neste sentido, Ciurana afirma que:

Gerir a complexidade do mundo exige o transdisciplinar. O reducionismo a um único nível de observação mostra-se letal em contextos em que não só é o econômico, mas sim, também, o social, o lingüístico, o cultural, o que é preciso levar em conta. (CIURANA, 2003. P.61)

A partir desta abordagem mais abrangente, desaparece a necessidade de exclusão de um elemento para que o seu oposto possa existir, várias possibilidades passam a ser consideradas simultaneamente, várias compreensões de um mesmo fenômeno podem ser admitidas. Isso alarga os horizontes humanos de atuação e de compreensão.

Realidade complexa

Segundo Bindé (2003), o conceito de complexidade, quando analisado do ponto de vista etimológico, nos apresenta uma compreensão mais ampla de sua dimensão:

(...) o sentido anterior de sua etimologia latina: o verbo complecti, cujo particípio passado, complexus, significa, em primeiro lugar, abraçar, enlaçar, entrelaçar, estreitar. O substantivo complexus significa, literalmente, o abraço, o ato de fechar com os braços, o abraço paternal, amigável, até mesmo erótico,e também, no sentido figurado, o ato de compreender um número, ou um grande número de coisas diferentes. Segundo Cícero, também um precursor da globalização, "o mundo reúne e contém tudo em seu abraço" (literalmente, "no seu complexo", complexo suo). Mas o complexo é também "o laço, tecido de solidariedade afetuosa, "que abraça a raça humana" (complexus gentis humanae); em outros termos, o enlaçamento ou entrelaçamento da espécie pelos laços e afetos. (BINDé, 2003, p.12)

O surgimento e fortalecimento deste paradigma da complexidade, contrapondo-se ao paradigma hegemônico da modernidade, suscitaram, a partir do século XX, reflexões epistemológicas e societais, possibilitando a constituição de novas abordagens e novos processos sociais, dentre eles, a Educação Ambiental. Neste sentido, considero importante que seja estabelecida uma relação entre a trajetória desta mudança paradigmática e da Educação Ambiental.

Segundo Morin (2003), o paradigma dominante da ciência moderna, priorizou a fragmentação, a disjunção e a ordem, em detrimento de uma visão mais ampla da existência:

é notável que nós, seres abertos, nos abrindo para o mundo através de nossa ciência, tenhamos, nesta própria ciência, desenvolvido um conhecimento que dissocia, isola, separa e finalmente fecha os objetos em si mesmos. (...) Assim, o conhecimento fechado destruiu ou ocultou as solidariedades, as articulações, a ecologia dos seres e dos atos, a existência! (MORIN, 2003, p. 256-257)

Cabe destacar as questões que permeiam esta condição moderna, isto é, as ações estão relacionadas a determinados direcionamentos ideológicos, econômicos e políticos, em que prevalecem os interesses de grandes corporações, em detrimento dos interesses das populações envolvidas. Neste sentido, Loureiro alerta para o fato de que:

As causas da degradação ambiental e da crise na relação sociedade-natureza não emergem apenas de fatores conjunturais ou do instinto perverso da humanidade, e as conseqüências apenas do uso indevido dos recursos naturais; mas sim de um conjunto de variáveis interconexas, derivadas das categorias: capitalismo/modernidade/industrialismo/urbanização/tecnocracia. Logo, a desejada sociedade sustentável supõe a crítica às relações sociais e de produção, tanto quanto ao valor conferido à dimensão da natureza. (LOUREIRO,2002, p.24)

Com o transcorrer da transição paradigmática para formas alternativas de organização, surge um movimento em oposição à expansão da globalização denominado localização (TORRES, 2001), no qual o foco está no local, no desenvolvimento regional, na redescoberta das singularidades e no conhecimento tradicional.

Assim, as revisões de conceitos e formulações científicas consolidadas têm provocado uma revisão também nas relações com as diferentes formas de conhecimento, conforme analisa Santos:

A resposta a essa situação de crise epistemológica passa por um duplo processo de debate interno no próprio campo da ciência e de abertura de um diálogo entre formas de conhecimentos e de saber que permita a emergência de ecologias de saberes em que a ciência possa dialogar e articular-se com outras formas de saber, evitando a desqualificação mútua e procurando novas configurações de conhecimento. (SANTOS, 2005, P.24)

Educação Ambiental

A partir do paradigma da complexidade, a Educação Ambiental pode apresentar possibilidades mais efetivamente emancipatórias e transformadoras. Esta é uma perspectiva bastante desafiadora, pois admite incertezas, espaços não-fixos e processos dinámicos. Segundo Tristão:

A efetivação das políticas para ações sustentáveis está totalmente atrelada a uma nova racionalidade, caracterizada por uma postura ética de responsabilidade entre as gerações atuais e futuras e de atitudes dos atores sociais contemporáneos. é aí que se insere o importante papel que as práticas pedagógicas da educação ambiental podem desempenhar. (TRISTÃO, 2004)

Comunidades de aprendizagem

As diversas formas atuais de saberes e de aprendizagens são realizadas tanto em espaços convencionais, estabelecidos em um território, quanto em espaços flexíveis e virtuais. Assim, vão se configurando as comunidades de aprendizagem, que Torres define como:

Uma Comunidade de Aprendizagem é uma comunidade humana organizada que constrói um projeto educativo e cultural próprio, para educar a si própria, suas crianças, jovens e adultos, graças a um esforço endógeno, cooperativo e solidário, baseado em um diagnóstico não apenas de suas carências, mas, sobretudo, de suas forças para superar essas carências. (TORRES, 2001, p.1)

Considerações Finais

A trajetória desta pesquisa tem me revelado um potencial para contribuir como desencadeadora das reflexões socioambientais propostas, durante o processo de investigação e, principalmente, quando os resultados e considerações retornarem aos sujeitos.

Na etapa em que me encontro da pesquisa percebo que cheguei aqui com alguns pressupostos norteadores, porém muito foi se constituindo na relação com as pessoas e é a partir desta perspectiva que percebo o quanto é importante a aproximação às realidades de comunidades do entorno de unidades de conservação, a partir de um pensamento complexo e através de uma abordagem transdisciplinar, para que o trabalho a ser realizado seja integrado e integrador.

Bibliografia

BINDé, J. Complexidade e crise da representação. In: MENDES, C. Representação e Complexidade. Rio de Janeiro: Garamond, 2003.
CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: 1. artes de fazer. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994.
CIURANA, E. R. Complexidade: elementos para uma definição. In: CARVALHO, E. A., MENDONÇA, T. Ensaios de Complexidade 2. Porto Alegra: Sulina, 2003.
LOUREIRO, C.F.B. Teoria social e questão ambiental: pressupostos para uma práxis crítica em educação ambiental. In: LOUREIRO, C.F.B.; LAYRARGUES P.P.; CASTRO, R. S. Sociedade e meio ambiente: a educação ambiental em debate. São Paulo: Cortez, 2002. p. 14-51.
MORIN, E. O método I: a natureza da natureza. Porto Alegre: Sulina, 2003.
NICOLESCU, B. O manifesto da transdisciplinaridade. São Paulo: TRIOM, 1999.
SANTOS, B. S. Semear outras soluções: os caminhos da biodiversidade e dos conhecimentos rivais. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.
THOMPSON, P. A voz do passado: história oral. Rio de Janeiro, Paz e Terá, 1992.
TORRES, R.M. Comunidade de aprendizagem: a educação em função do desenvolvimento local e da aprendizagem. [S.l.: s.n., 2001]. Disponível em
TRISTÃO, M.. A educação ambiental na formação de professores: redes de saberes. São Paulo: Annablume; Vitória: Facitec 2004.

 

 

Autor:

Ana Braga de Lacerda
ana.lacerda[arroba]globo.com

Mestrada em Educação

Instituição: Universidade Federal do Espírito Santo - Vitória



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