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"Há quem impute afronta à sua moralidade por protesto indevido de um título, quando nada fez, mesmo sendo sabedor, para evitar o fato. Com a omissão, querendo a ocorrência do fato, a fim de, posteriormente, buscar uma indenização. Criar fato contra si, para depois ser indenizado, alegando afronta a sua moral, é não a ter. Daí a análise de comportamento é essencial".
"é na linguagem jornalística que melhor está o dia-a-dia retratado quando vem de alguém com sensibilidade que, em analisando fatos semelhantes deu a sua crônica o título de "A Loteria dos Espertos" e, como subtítulo resumindo o texto, afirmou que "Para não ter dignidade colocada em dúvida, é preciso parar com este truque de dormir ofendido para acordar milionário" (MEDEIROS, 1995, p. 3).
E, ainda dito por esta cronista:
"é claro que as empresas e seus funcionários cometem erros e precisam assumir a responsabilidade de seus atos, mas passa a ser tentadora ver nossa intimidade tão bem cotada no mercado. Quanto vale passar uma vergonha? Quanto custa uma intimidação? De repente ficou muito fácil ganhar um milhão de dólares, bastando para isto estar no lugar certo com a pessoa errada e ter um bom advogado. Não estou dizendo que um pedido de desculpas seja suficiente para tudo voltar ao normal. Perder dinheiro é o pior castigo, tanto para as pessoas físicas quanto para as pessoas jurídicas, e quando se trata de uma quantia vultuosa, não há quem aprenda a lição, mas fica no ar um cheirinho de exploração que acaba por manchar a inocência da vítima" (MEDEIROS, 1995, p. 3).
Como visto, não discrepa a atitude de alguns clientes com as situações acima narradas, Nitidamente se tem um certo ar de exagero quando se pleiteia uma indenização a título de danos morais.
Quando uma pessoa passa pela saída de uma loja ou supermercado e o alarme é ativado, a primeira impressão dos demais clientes e daqueles que rodeiam o local é que deve ter ocorrido uma falha, já que isso vem sendo comum, não causando qualquer constrangimento. O que pode ser causado é o aborrecimento de o cliente retornar para a loja a fim de apresentar as mercadorias e os respectivos comprovantes de pagamento.
Entretanto, o simples toque do alarme não pode mais ser considerado como dano moral puro; para que seja configurado o dano moral, é necessário que os prepostos da empresa tenham agido com excessos, e não apenas pelo simples acionamento do alarme antifurto e conseqüente verificação das mercadorias. é necessário que tenha ocorrido tratamento descortês, que tenha havido alguma revista para localização de possíveis mercadorias furtadas, ou qualquer outro ato que denote o exagero e abuso por parte dos funcionários da loja.
Os detalhes de cada caso, como a forma de abordagem e tratamento dispensado ao cliente, devem ser considerados para que seja verificado o possível dano extrapatrimonial bem como o quantum indenizatório a ser aplicado no caso concreto.
Em vários precedentes das turmas recursais do Rio Grande do Sul - 71000838664, 71000866962 - e dos tribunais de justiça brasileiros - 70013663075, 598493195, 70010266807, 2005.001.02539, 262.906-4/1 - tem-se afirmado que não é o acionamento do alarme que ocasiona lesão a atributo da personalidade, mas, sim, o tratamento desrespeitoso ou a suspeita infundada que constrange o cliente perante a coletividade.
Atualmente, o acionamento do sistema antifurto nada mais é do que fato corriqueiro da relação de consumo.
Desse modo, induvidoso que é desagradável a situação ocasionada pelo equívoco do funcionário ao não retirar as tarjas dos produtos, mas, considerando que dano moral não é qualquer contrariedade à dignidade humana, conclui-se que o simples disparo é insuficiente para gerar direito à indenização, pois, dentro de um critério objetivo, não se mostra suficiente para causar abalo à integridade psicológica dos clientes.
Não se vê no procedimento adotado pelas empresas, o de simplesmente confrontar rapidamente as mercadorias com a nota fiscal do cliente, ato que possa dar ensejo ao reconhecimento dos alegados danos morais sofridos. A abordagem se faz necessária, se mostrando lícito às empresas, através de seus prepostos, questionar clientes de forma educada e respeitosa acerca da possibilidade de conferir as mercadorias.
Cabe ressaltar que tal procedimento é feito exatamente para evitar a repetição destas situações, já que muitas empresas inclusive já nem mais costumam abordar o cliente após o disparo do sistema antifurto, abordando-os somente no caso do cliente retornar ao interior da loja ou ficar parado entre as antenas, momento em que um funcionário dirige-se até o cliente e o questiona sobre em qual caixa havia adquirido o produto, visando advertir o operador de caixa responsável pela falha, para que não mais aconteça.
Pode-se cogitar até mesmo outra situação, na qual, após o disparo, o cliente é abordado e retorna ao caixa para que seja retirada a tarja magnética de uma de suas mercadorias, e o gerente sequer é chamado, sendo tudo resolvido rapidamente, não se admitindo nada mais do que um mero transtorno. Dessa forma, não havendo nenhuma atitude por parte dos funcionários da loja que possa ser taxada de grosseira ou que o tenha levado a ser humilhado, conclui-se que o cliente é encaminhado ao caixa para retirada do lacre e não para sofrer qualquer tipo de humilhação.
Logo, não se vislumbra em que ação e/ou omissão do estabelecimento possa causar dano de ordem moral ao cliente.
"Quantas pessoas que ocupam certos cargos de responsabilidade e de confiança são, por vezes, obrigadas a se submeterem a vistorias, fiscalizações e outras medidas que as incomodam e as fazem se sentir insignificantes ou menosprezadas? Como se sente alguém que se considera importante na escala social e acima de qualquer suspeita e decide comparecer a um local de apuração de votos ou um Tribunal de Júri e é constrangido pela polícia a uma busca de armas por ordem do magistrado que preside os trabalhos. Em que situação fica uma senhora de alta sociedade que viaja para o exterior e se vê obrigada pelos fiscais alfandegários a abrir sua bagagem diante das pessoas presentes para então expor objetos de uso pessoal, por vezes até roupas sujas? Quantas vezes somos obrigados a abrir bolsas à entrada de estabelecimentos bancários, em aeroportos e repartições públicas por causa de um sinalzinho que avisa a existência de objetos suspeitos dentro delas? Tudo isso, a nosso ver, é constrangimento, é medida desconfortante, que humilha e envergonha quando se tem um pouco de dignidade, mas nem por isso podemos nos opor e nos dá o direito de pedir indenização quando submetidos a qualquer delas. Os órgãos responsáveis por tais constrangimentos têm o poder de polícia. Mas porque então um estabelecimento comercial que se vê sujeito a furtos e roubos de todas as espécies e a qualquer hora do dia não pode exercer o seu próprio poder de polícia com uma medida preventiva? Será que seu único direito é esperar que as irregularidades aconteçam para daí chamar a polícia mal-aparelhada, que chega horas depois e não pode estar em todos os lugares ao mesmo tempo? é claro que não. Cada um tem o direito de defender a sua segurança e seu patrimônio desde que o faça sem excessos, abusos e arbitrariedades. Quem não estiver satisfeito, que procure outros lugares para freqüentar " (Turma Recursal dos Juizados Especiais do Ceará, recurso 321/96, 18.11.1996, DJCE 04.12.1996, Rep. IOB Jurisprud. 3/12.91).
No mesmo sentido:
Apelação Cível n.º 70013663075. 5ª Cámara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Rel. Pedro Luiz Bossle. Julgado em 08/02/2006. "Ementa: Responsabilidade Civil. Ação de Indenização. Dano Moral. Nulidade da sentença. Inocorrência. Disparo de alarme em razão da não retirada da etiqueta magnética. Dano moral não caracterizado. Apelação improvida. Preliminar rejeitada."
Apelação Cível n.º 2005.001.02539 - Des. Galdino Siqueira Netto. Julgamento: 04/05/2005. 15ª Cámara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Ementa: "Ação de indenização por danos morais com rito ordinário. Cliente que se sente humilhada com mera verificação por parte dos seguranças do estabelecimento réu ante o soar do alarme. Mera verificação, sem constrangimento, não configura dano moral. Correta a sentença. Não provimento do apelo."
Apelação Cível n. 262.906-4/1-00 1ª Cámara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo. Rel. Des. Elliot Akel. 11/10/05. "Ementa: Dano moral. Responsabilidade Civil. Disparo de alarme e abordagem por segurança em loja da ré. Excesso na conduta dos funcionários da requerida não demonstrado. Abalo moral indenizável não caracterizado. Ação improcedente. Recurso improvido".
De outra parte, não há qualquer elemento que demonstre que tais abordagens, lícitas a princípio, venham sendo feitas de modo abusivo ou indevido de forma a causar efetivo constrangimento ao cliente. A simples conferência de mercadorias, desde que não ultrapassados os limites de urbanidade e civilidade não podem dar sustentação à indenização por dano de ordem moral.
Cumpre salientar que o dano moral é reputado como sendo a dor, o vexame, o sofrimento ou a humilhação que, fugindo da normalidade, interfira no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio no seu bem-estar, e analisando muitos dos casos, conclui-se que as supostas "vítimas" não sofreram mais do que um mero dissabor a que todos estamos expostos no dia-a-dia.
Nesse sentido, colhe-se o pronunciamento do i. Des. José Osório de Azevedo Júnior (1996, p. 11), verbis:
"Convém lembrar que não é qualquer dano moral que é indenizável. Os aborrecimentos, percalços, pequenas ofensas não geram o dever de indenizar."O Código Civil Português tem dispositivo de grande sabedoria e utilidade. é o artigo 496 - Danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, merecem tutela do direito. Por outras palavras, somente o dano moral razoavelmente grave dever ser indenizado".
Diferentemente dos julgados supracitados, o Superior Tribunal de Justiça através dos julgamentos do Recurso Especial nº 552.381-MG, de relatoria do Ministro Aldir Passarinho Júnior e do Recurso Especial nº 710.876-RJ, de relatoria do Ministro Fernando Gonçalves, entende que o simples disparo do sistema antifurto supera o mero dissabor ou contratempo, suscetível de ser indenizado.
A partir da decisão do STJ, os tribunais brasileiros começaram a se posicionar no sentido de aplicar a teoria da responsabilidade objetiva para o caso do acionamento indevido do sistema antifurto, o denominado dano moral puro, in re ipsa.
A relação havida entre as empresas e os clientes é de natureza consumerista. Portanto, infensa ao Código do Consumidor. Neste sistema, ao lesado é conferido o encargo de provar o ato ilícito, nexo causal e o dano. Dispensa-se a prova do vínculo subjetivo entre a ação do agente e o resultado danoso. Daí porque se diz objetiva a responsabilidade do fornecedor, produtor e/ou comerciante.
Outra observação importante é que, para esta corrente, o pedido a título de danos morais, cuja prova se dispensa dada a sua impossibilidade de concreção, basta a comprovação do ato ilícito porquanto se deduz o dano moral da própria ação ilícita. No dizer de Sérgio Cavalieri Filho: "o dano moral existe in re ipsa; deriva inexoravelmente do próprio fato ofensivo, de tal modo que, provada a ofensa, ipso facto, está demonstrado o dano moral à guisa de uma presunção natural, uma presunção hominis ou facti, que decorre das regras da experiência comum" (2000, p. 80).
Nas circunstáncias acima descritas, conclui-se que já não é mais pacífico o entendimento de que o simples acionamento do alarme sonoro antifurto é suficiente para condenar alguma empresa a pagar indenização por danos morais.
Ainda, diante do entendimento do STJ, algumas decisões, das quais aqui se destaca o julgado 71000890467, acabam por aplicar o instituto da responsabilidade objetiva, porém definindo como valor da condenação a quantia razoável a nosso ver de R$ 800,00 a título de danos morais, conforme trecho abaixo transcrito:
"Apesar de o demandante realmente ter passado por situação constrangedora ao passar com suas compras pelo detector antifurto do supermercado, note-se que o mesmo não sofrera nenhum constrangimento a mais, eis que não é comprovada efetiva grosseria ou indelicadeza por parte dos funcionários da loja".
"Ademais, tal situação é tão comum atualmente que quase ninguém mais acredita, quando do disparo do alarme, tratar-se de ladrão tentando furtar alguma mercadoria. O abalo moral decorre muito mais da situação vexatória à qual o sujeito é submetido, com um alarme alto soando, o que atrai a atenção de muitos consumidores e funcionários, do que o que estes possam vir a pensar quanto à honestidade do constrangido".
Contudo, numa situação em que a abordagem é realizada pela fiscal de caixa da loja, cujo procedimento adotado é exatamente o mesmo para casos análogos - sendo constatado o disparo do sistema, e tendo o cliente retornado à loja, o funcionário dirige-se ao cliente, confere rapidamente as mercadorias e compara com a nota fiscal; identificado o produto, é retirado o lacre e liberado o cliente com o devido pedido de desculpas, advertindo, por fim, o operador de caixa responsável -, conclui -se que a abordagem nada mais foi que um fato corriqueiro das relações de consumo.
Nesse sentido, faz-se necessário que o Superior Tribunal de Justiça repense seu posicionamento de que o mero disparo do sistema antifurto, por si só, já é suscetível de ser indenizado, devendo ser mantido alguns entendimentos dos tribunais pátrios, para o qual o mero disparo do alarme não passa de um mero dissabor diário.
O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul sempre acompanhou os avanços da sociedade como um todo, sendo muitas vezes criticados por seus entendimentos pioneiros em matérias controvertidas, e é exatamente nesse sentido que se busca através do presente artigo que seja mantido tal entendimento e não alterado em razão do entendimento da Corte Superior.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AZEVEDO JÚNIOR, José Osório de. O Dano Moral e sua avaliação. Revista do Advogado, São Paulo, n. 49, p. 11, 1996.
CAVALIERI FILHO, Sério. Programa de Responsabilidade Civil. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2000.
MEDEIROS, Marta. A Loteria dos Espertos. Zero Hora, Porto Alegre, Caderno Donna, p. 3, 20 ago. 1995.
Autor:
Rafael Caselli Pereira
caselli[arroba]ccradvocacia.com
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