Recentemente, o Judiciário foi instado a se manifestar sobre a questão de abandono moral, tendo surgido algumas decisões condenando pais que, independentemente de ter se desincumbido do ônus alimentar, faltaram com o dever de assistência moral aos seus filhos na exata medida em que se fizeram ausentes e, por via de conseqüência, não prestaram a devida assistência afetiva e amorosa durante o desenvolvimento da criança.
A questão é polêmica e controvertida, razão porque é preciso cautela e prudência para se analisar cada caso concreto. Não se pode esquecer que as separações de casais, no mais das vezes, se processam num clima de ódio e vingança. Nestas circunstáncias, a experiência tem nos mostrado que aquele que fica com a guarda da criança, quase sempre cria óbices e dificuldades para que o pai, ou a mãe, que não detém a guarda, não tenha acesso à criança. Comumente são transferidos à criança os sentimentos de ódio e vingança daquele que detém a sua guarda isolada, de tal sorte que, em muitos casos, é a própria criança que passa a não querer ver a mãe ou o pai, supostamente responsável pelas mazelas que a outra parte incute em sua cabeça.
Somente por essas razões, já se recomendaria cuidado na análise de procedência de pedido de indenização por dano moral com fundamento no abandono moral, porquanto não se pode transformar o Judiciário num instrumento tão somente de vingança pessoal, disfarçado sob o manto da necessidade de punir a falta de assistência moral à criança.
Como adverte a professora Teresa Ancona Lopez, é preciso cuidado para não transformar as relações familiares em relações argentarias, de tal sorte que dependendo de cada caso concreto, o juiz deverá ser sábio na aplicação do direito em face de postulações a esse título. Diz mais: "é preciso avaliar como a pessoa elaborou a indiferença paterna. Acredito que só quando ficar constatado em perícia judicial que o projeto de vida daquele filho foi truncado pelo abandono, configurando o dano psicológico, é que cabe indenização". Em conclusão, alerta para o fato de que "é muito comum as mães jogarem os filhos contra os pais, quando o certo seria tentar preservar a imagem paterna" (Jornal do Advogado - OAB/SP - n° 289, dez/2004, p. 14).
O professor Álvaro Villaça Azevedo considera que "o descaso entre pais e filhos é algo que merece punição, é abandono moral grave, que precisa merecer severa atuação do Poder Judiciário, para que se preserve não o amor ou a obrigação de amar, o que seria impossível, mas a responsabilidade ante o descumprimento do dever de cuidar, que causa o trauma moral da rejeição e da indiferença" (Jornal do Advogado - OAB/SP - n° 289, dez/2004, p. 14).
A primeira decisão sobre a matéria vem do Rio Grande do Sul, e foi proferida na Comarca de Capão de Canoas, pelo juiz Mario Romano Maggioni, que condenou um pai, por abandono moral e afetivo de sua filha, hoje com nove anos, a pagar uma indenização por danos morais, correspondente a duzentos salários mínimos, em sentença datada de agosto de 2003, transitada em julgado e, atualmente, em fase de execução. Ao fundamentar sua decisão o magistrado considerou que "aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos (art. 22, da lei nº 8.069/90). A educação abrange não somente a escolaridade, mas também a convivência familiar, o afeto, amor, carinho, ir ao parque, jogar futebol, brincar, passear, visitar, estabelecer paradigmas, criar condições para que a presença do pai ajude no desenvolvimento da criança". Concluindo que "a ausência, o descaso e a rejeição do pai em relação ao filho recém nascido, ou em desenvolvimento, violam a sua honra e a sua imagem. Basta atentar para os jovens drogados e ver-se-á que grande parte deles derivam de pais que não lhes dedicam amor e carinho; assim também em relação aos criminosos" (Espaço Vital, acesso em 11.01.2005, disponível em:
http://www.espacovital.com.br/colunaespacovital18062004a.htm).
De destacar que o Ministério Público, tendo intervindo no feito por haver interesse de menor, manifestou-se contrário à concessão da indenização, conforme parecer da promotora De Carli dos Santos, cujo entendimento foi o de que a questão não poderia ser resolvida com base na reparação financeira tendo em vista que "não cabe ao Judiciário condenar alguém ao pagamento de indenização por desamor". A ilustre promotora alertou ainda para os risco do precedente: "senão, os foros e tribunais estariam abarrotados de processos se, ao término de qualquer relacionamento amoroso ou mesmo se, diante de um amor platônico, a pessoa que se sentisse abalada psicologicamente e moralmente pelo desamor da outra, viesse a pleitear ação com o intuito de compensar-se, monetariamente, porque o seu parceiro ou seu amor platônico não a correspondesse" (Ibidem).
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