Perspectivas da agroecologia na produção de soja em pequena propriedade na Fronteira Noroeste do Rio Grande do Sul
O texto aborda a problemática social da agricultura
familiar diante da introdução de "modernas" tecnologias
na produção de soja na Fronteira Noroeste do Estado do Rio
Grande do Sul – Brasil. No centro do debate estão colocados
os custos de produção na agricultura, como decisivo fator
do empobrecimento, endividamento e inviabilidade das propriedades agrícolas
familiares. A relação entre a tecnologia e os custos de produção
serve de fio condutor para entender o desenvolvimento da soja convencional
na região, suas conseqüências sobre a situação
social dos agricultores e a criação de alternativas de resistência
para a agricultura familiar. 1. A
introdução da soja cumpriu uma função importante
no desenvolvimento da região e esteve relacionada a interesses de
grandes multinacionais, setor que mais tem sido beneficiado com esse processo.
A base da economia da região é a agricultura familiar. De acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) 95,85% das propriedades agrícolas possuem menos de 50 ha[1]. Com a introdução da soja na década de 1950 foi desenvolvida toda uma estrutura industrial e comercial baseada na produção e exportação de soja que modificou profundamente toda a região. Os fornecedores de máquinas e equipamentos agrícolas, as indústrias produtoras de adubos químicos e agrotóxicos, as empresas de armazenamento e de prestação de serviços, enfim, todos os negócios dependentes da produção de soja são responsáveis pela maior parte do PIB (Produto Interno Bruto) desta região. Com isso, o território ficou famoso como "região da soja" e a cidade de Santa Rosa, o centro urbano da região[2], é conhecida como "capital nacional da soja".
Atualmente a produção de soja ainda é tão significativa que ela representa 55% do conjunto da produção agrícola regional[3]. Mas, apesar da estrutura produtiva da soja ter proporcionado um progresso econômico para a região, gerando empregos e proporcionado serviços públicos em função de uma maior arrecadação de impostos, os maiores beneficiados são as corporações multinacionais responsáveis pela exportação e pelo fornecimento de insumos e tecnologias agrícolas.
Conforme demonstram Kageyama e Silva (1988), a indústria de tratores, adubos químicos e agrotóxicos têm crescido tanto entre 1970 e 1980 – auge da "modernização da agricultura" – que alcançou o melhor desempenho da indústria brasileira, passando de 9,3% para 12,7% do conjunto do complexo agroindustrial[4].
As novas tecnologias, introduzidas com a "modernização" da agricultura, tem provocado o aumento dos custos de produção na agricultura, transformando os agricultores em consumidores de insumos fornecidos pelas agroindústrias. Se em 1949 os agricultores gastavam menos de 15% com insumos agrícolas, em 1965 esse valor subiu para 23,5% e em 1980 atingiu praticamente 40%[5].
Os custos da mudança de tecnologia podem ser melhor documentados através dos dados sobre compra de tratores, adubos químicos e agrotóxicos, conforme demonstra Luis Fernando Amstalden:
"No ano de 1960, havia no Brasil 61.338 tratores, numa proporção de um trator para cada 54 estabelecimentos agrícolas. Em 1970, esse número era de 165.870 tratores, sendo um para cada 30 estabelecimentos. Finalmente, em 1980, o Brasil tinha uma frota de 526.906 tratores, á razão de um para cada 30 estabelecimentos. Em 20 anos, portanto, o número dessas máquinas cresceu 8 vezes no Brasil. Com relação aos fertilizantes, os dados são os seguintes: em 1960, o consumo total foi de 305 mil toneladas. Em 1970 esse número chegou a 999 mil toneladas e, finalmente, em 1978 chegamos a um consumo de 3.100 mil toneladas. Em 18 anos, portanto, aumentamos em dez vezes o nosso consumo de fertilizantes. Os dados mais antigos sobre agrotóxicos são os de 1965. Nesse ano o Brasil consumiu 22,4 mil toneladas. Em 1970, chegamos a 39,5 mil toneladas e em 1978 a 75,2 mil toneladas. Ou seja, três vezes mais"[6].
Também para o país e o orçamento público os gastos com insumos, que, em sua maioria, foram adquiridos no exterior, são muito significativos. Somente no ano de 1979 o Brasil gastou 1,4 bilhões de dólares com compra de adubos químicos e agrotóxicos, o que corresponde a 50% da dívida externa do país nesse ano. Mas, nesse cálculo não está incluído o dinheiro que as filiais das multinacionais instaladas no país enviaram às suas matrizes no exterior. Ainda, se neste cálculo for considerado o valor gasto com combustível importado, se chega a 1,6 bilhões de dólares que num único ano foram gastos em importações para a agricultura brasileira. Os resultados desse período são surpreendentes: se de 1964 a 1979 o consumo brasileiro de adubos químicos cresceu 1.243%, de agrotóxicos 421,2%, de tratores 389,1%, a produtividade das quinze mais importantes culturas cresceu apenas 4,9%[7].
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