O processo administrativo de trânsito em perspectiva: mecanismos de defesa*



  1. Resumo
  2. Notificação e defesa da autuação
  3. Da aplicação da penalidade de advertência por escrito
  4. Notificação da penalidade de multa
  5. Recurso à Junta aministrativa de recurso de infrações - jari (1ª instância) e ao CETRAN/CONTRADIFE/CONTRAN/JARI (2ª Instância)
  6. Pedido de revisão e direito de petição
  7. Processo administrativo para imposição da penalidade de suspensão do direito de dirigir e CASSAÇÃO da CNH
  8. Considerações finais

RESUMO

Prescreve o artigo 280 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) que, ocorrendo infração de trânsito, lavrar-se-á auto de infração do qual deverá constar, dentre outros elementos, a tipificação da infração e suas circunstâncias de tempo e lugar. Finda a autuação o auto de infração será encaminhado à autoridade de trânsito para julgamento de sua consistência e regularidade, podendo a autoridade, estando convicta de sua insubsistência, determinar o seu arquivamento.

A contrario sensu, verificando presentes seus três elementos essenciais, quais sejam, a lavratura por autoridade de trânsito ou por seu agente, uma conduta possivelmente infratora e a forma escrita, além de seus elementos materiais (consistência) e formais (regularidade), determinará a autoridade de trânsito a expedição da notificação da autuação (exceto nos casos em que seja colhida a assinatura do condutor e a infração seja de sua responsabilidade, proprietário ou não), observando-se o lapso temporal de 30 (trinta) dias entre o cometimento da infração e a sua expedição.

Nesse momento a autoridade de trânsito ainda não aplicou nenhuma penalidade, iniciando-se, a partir daí, a possibilidade do condutor infrator contrapor-se ao desiderato estatal através da defesa da autuação, a qual inaugura a fase do contraditório e ampla defesa no processo administrativo de trânsito. Seguem-se a esta, caso não sejam acolhidas as argumentações elencadas pelo infrator (mérito e de forma) ou não exercitada esta dentro do prazo previsto, a imposição da penalidade e a fase recursal propriamente dita, em 1ª e 2ª instâncias.

Delimitado o alcance do tema, buscaremos estabelecer as fases e feições do processo administrativo para imposição de penalidades, abarcando a imposição das penalidades de advertência por escrito, multa, suspensão do direito de dirigir e cassação da Carteira Nacional de Habilitação.

Palavras-chaves: Direito de trânsito. Poder de Polícia. Sanção de Polícia. Processo Administrativo para imposição de penalidade.

I - NOTIFICAÇÃO E DEFESA DA AUTUAÇÃO

O exercício da defesa prévia, como o instituto era conhecido na vigência do antigo Código Nacional de Trânsito (CNT), teve disciplina estabelecida, respectivamente, pelas Resoluções nº 568/80, 744/89 e 829/97, tendo esta última vigorado, segundo nosso entendimento, até a edição da Resolução nº 149/03, quando foi tacitamente revogada. Após a edição do CTB, abalizadas vozes negaram, por muito tempo, a existência do instituto ante a suposta lacuna do texto legal. Ocorre que o artigo 314 do CTB deu plena eficácia à Resolução nº 829/97, a qual prescrevia em seu artigo 1º que:

O ato administrativo punitivo relativo à prática infracional de trânsito, precedido de ações que tenham assegurado ao infrator o exercício da defesa prévia, se efetiva a partir do momento em que, comprovadamente, se deu ciência ao apenado (grifo meu).

Diga-se mais ainda. Com a alteração efetuada pela Lei nº 9.602/98 no inciso II do § único do artigo 281, restou evidente no texto legal a existência da dupla notificação: esta, relativa à notificação da autuação, e a constante do artigo 282, atinente à notificação da imposição da penalidade. Ainda que não se tenha sido erigida pelo CTB à categoria de recurso próprio, apresenta esta todas as nuances daqueles institutos, uma vez que seu deferimento propicia o imediato arquivamento do auto de infração. Apesar de todo o arcabouço jurídico existente, capitaneado pelo inciso LV do artigo 5º da CF/88, os motoristas brasileiros foram sumariamente destituídos de tão importante direito por mais de cinco anos.

E ainda continuam sendo face à consolidação da jurisprudência no sentido de que a autuação in facie do infrator, excluída tão somente a situação em que esta seja de responsabilidade do proprietário e o mesmo não esteja conduzindo o veículo, deve ser considerada como a primeira notificação, iniciando-se a partir daí o prazo de 30 dias para apresentação da defesa da autuação, desprezando por isso mesmo a regra contida no § 3º do artigo 3º da Resolução nº 149/03, a qual não exime o órgão de trânsito de expedir aviso informando ao proprietário do veículo os dados da autuação e do condutor identificado.

Equívoco expressivo comete nossos doutos julgadores e os eminentes conselheiros do Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN). Desconhecem esses ilustres personagens que o início do processo administrativo para imposição de penalidade só irá se iniciar se a autoridade de trânsito julgar o auto de infração consistente e regular, pois caso contrário este será arquivado e seu registro julgado insubsistente. Portanto, o proprietário do veículo somente poderá apresentar a defesa da autuação quando esta for julgada válida pela autoridade de trânsito e encaminhada para sua ciência, ocasião então que se iniciará o prazo para apresentação do recurso. Qualquer entendimento em sentido oposto se chocará frontalmente com os sagrados princípios da ampla defesa e do contraditório e, com certeza, causará sérios prejuízos aos administrados.

Findo o julgamento do auto de infração pela autoridade de trânsito, deve esta expedir, no prazo máximo de 30 (trinta) dias, contados da data do cometimento da infração, a notificação da autuação dirigida ao proprietário do veículo, na qual deverão constar, no mínimo, os dados definidos no art. 280 do CTB e em regulamentação específica (Portaria nº 28/07 do Departamento Nacional de Trânsito - DENATRAN), devendo ser frisado que para infrações comprovadas por sistemas automáticos não metrológicos, tais como o avanço do sinal vermelho do e semáforo e parada sobre a faixa de pedestre, a notificação da autuação (e da imposição de penalidade) deverá conter, obrigatoriamente, a informação de que a infração foi comprovada por meio do uso daqueles sistemas.

A expedição da notificação se fará por meio de remessa postal ou por qualquer outro meio tecnológico hábil que assegure a ciência do julgamento da autuação (aplicável à Defesa da Autuação, por analogia ao contido no caput do art. 282). Note-se que o CTB é claro ao impor aos órgãos e entidades de trânsito o dever de assegurar efetiva ciência ao proprietário do veículo, situação excepcionada tão somente no caso de devolução da notificação por desatualização do endereço do destinatário.

Ocorre que, inobstante tal fato, exorbitando de seu poder regulamentar, o CONTRAN estipulou que a expedição se caracterizará pela entrega da notificação da autuação à empresa responsável por seu envio, confrontando-se com a legislação maior e prejudicando claramente os administrados, uma vez que é consabido que esta entrega se faz por meio do conhecido AR (Aviso de Recebimento), o qual é restituído ao emitente após três tentativas de entrega.

Verifica-se que grande parte dos proprietários de veículos trabalha durante o período comercial, ocasião em que suas residências se encontram vazias, sendo cientificados tão somente, na imensa maioria das vezes, quando do licenciamento do veículo, tolhendo-se seus direitos inarredáveis de contraditório e ampla defesa pelo transcurso dos prazos de recursos. E nem se diga que a publicação de edital em jornal de circulação local e/ou regional ou em Diário Oficial possa suprir tal lacuna, haja vista que seria ilógico e indevido impor ao proprietário de veículo acompanhar diariamente essas publicações.

Talvez uma solução intermediária para esse impasse seja a previsão contida na Deliberação nº 01/04 do Conselho Estadual de Trânsito de São Paulo (CETRAN/SP) , a qual prescreve que a expedição se caracterizará pela entrega da notificação à empresa responsável pelo seu envio, no endereço constante nos registros do órgão expedidor do CLA, situação esta que aparenta ser mais condizente com o preconizado no CTB, deixando-se de utilizar o famigerado AR.


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