Discutiremos, aqui, o metadiscurso nos textos utilizados no ensino da língua portuguesa, falada no Brasil, para estrangeiros. Para tal, tomamos a música Meu caro amigo, do LP Meus Caros Amigos, lançado, no Brasil, em 1976, de autoria de Francisco Buarque de Hollanda e Francis Hime, como objeto de análise; e o texto "As articulações discurso-metadiscurso e a sua exploração na didática do português como língua estrangeira", da obra Linguística e texto/discurso – Teoria, descrição, aplicação., de Joaquim Fonseca, editado em 1992, pela editora Identidade, como suporte teórico.
Começaremos por um breve comentário sobre o artigo de Joaquim Fonseca, destacando alguns pontos relevantes para o desenvolvimento desta análise. Em seguida, indicaremos algumas definições de atos ilocutórios, pois é o que trabalharemos mais especificamente.
Finalmente, tentaremos identificar as marcas metadiscursivas no texto de Chico Buarque e Francis Hime, que escolhemos porque é, comumente, utilizado no ensino da língua "brasileira" para os estrangeiros, apesar de, nem sempre, ser destacado esse enfoque metadiscursivo.
O texto "As articulações discurso-metadiscurso e a sua exploração na didática do português como língua estrangeira", da obra Linguística e texto/discurso – Teoria, descrição, aplicação., de Joaquim Fonseca, 1992, está dividida em seis pontos, sendo que o quinto ponto está subdividido em duas partes, das quais, a segunda contém, por sua vez, três subdivisões.
Segundo Joaquim Fonseca um dos traços definidores das línguas naturais é que elas são dotadas de uma onipotência semiótica[1], onde há a capacidade delas se referirem a si próprias, configurando-se assim, no domínio da metalinguagem, metalinguístico, metadiscursivo e metacomunicativo.
Assim sendo, quando pensa-se em atividades que dizem respeito à aquisição, estruturação e desenvolvimento da competência de comunicação, é imprescindível que se reconheça a importância do papel da metalinguagem no processo de uma comunicação-interação desenvolta e apropriada.
Para que se trabalhe adequadamente com a produção e a recepção-interpretação de discursos, deve-se trabalhar com e sobre a língua, com e sobre o discurso. As regularidades frásticas e infrásticas têm que ser ultrapassadas para que se coloque em questão as regularidades fundamentais e produtivas do uso concreto da língua.
A reflexão agora preconizada, apelidar-se-á, pois, não tanto à elucidação do sistema da língua, mas sobretudo à capacitação e à caracterização ou, pelo menos, à sistematização de princípios, de índole linguística e de natureza não estritamente linguística que percorrem a organização e o funcionamento da interação verbal, a estruturação e o funcionamento dos discursos. (FONSECA, 1992, p. 295).
Temos, então, no discurso, dimensões meta condensadas na estrutura-reflexiva do enunciado-discurso. Essa reflexividade vem de signos auto-referenciais e da estrutura léxico-semântica e sintática global do enunciado.
Nesse texto Joaquim Fonseca ocupa-se somente dos indicadores ilocutórios que são auto-referenciais, metadiscursivos/metacomunicativos e marcam o valor comunicativo-interativo da enunciação que os contém; esse valor mostra a realidade que o discurso cria.
Os marcadores ilocutórios respondem, sobretudo, pelo valor accional do enunciado/discurso, cujas condições basilares de satisfação devem ser preenchidas na produção verbal. Os actantes da enunciação têm seus direitos e deveres respeitados pela instauração de um juridismo instaurado pelo ilocutório. Temos, assim, as dimensões seqüenciais e as conseqüências conversacionais/discursivas dos atos ilocutórios, que estão ligadas às "normas sociais e culturais que penetram a actividade discursiva e nela representam constrangimentos vários, nomeadamente de ordem ‘ritual’ ou ‘relacional’, em que intervêm princípios como a cortesia, o tacto, a modéstia, a respeitabilidade…" (FONSECA, 1992, p. 297).
O prolongamento da atividade ilocutória por aspectos ilocutórios, implica na codificação e decodificação dos atos indiretos, que têm fatores atuantes na comunicação e que operam princípios comunicativo-interativos que devem ser assimilados e dominados pelos aprendentes.
Na atividade verbal, jogamos com o implícito, constituído de regras e princípios, que deve ser levado em conta, pois amplia e transforma o dito no enunciado/discurso e está vinculado à reflexão que faz de sua própria enunciação.
Porém, a progressão do discurso não deve apoiar-se, somente, no implícito, mas no posto, ficando as virtualidades e conseqüências discursivas traçadas pelos ativadores de pressuposição, destacando o dinamismo, as manobras discursivas, as condições de adequação e a amplificação do dito.
Os pressupostos, de caráter metadiscursivo, são de ordem enunciativa e informativa, e são impostos ao Alocutário enquanto que o posto é apenas proposto. O Alocutário, deve, então, reconstruir o discurso em sua recepção-interpretação.
Os estudantes devem dominar os conhecimentos relativos à linguagem, onde a gramática da língua em aprendizagem articule-se com a gramática da articulação-interação. O que é idiomático deve estar em sintonia com as regularidades de um ‘saber comunicar’ que faz parte da experiência dos estudantes.
Deve-se estar claro que as dimensões meta da atividade verbal têm papel decisivo e relevante na organização e funcionamento dos discursos, e devem, por isso, ser devidamente trabalhadas levando-se em conta a diversificação dos contextos e a diversidade de ‘jogos de linguagem’, assim, permitidos.
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