*O presente artigo é uma versão resumida e atualizada do texto Brasilien: politische Wende oder Fortsetzung neoliberaler Politik? (Brasil: mudança política ou continuidade da política neoliberal?), publicado pelos respectivos autores, originalmente em alemão, no livro Lateinamerika: Verfall neoliberaler Hegemonie? BORIS, Dieter/SCHMALZ, Stefan/TITTOR, Anne (Hrsg.). Hamburg: VSA-Verlag, November 2005, p. 192-212. ISBN 3-89965-143-X. ©VSA- Verlag 2005.
Com Luiz Inácio Lula da Silva o Brasil tem como presidente, pela primeira vez na história, uma personalidade que não provém de setores dominantes da sociedade brasileira e que não ostenta títulos acadêmicos. Lula tem sua origem junto ao povo humilde e atuou por muito tempo como trabalhador e sindicalista metalúrgico na indústria automobilística. O governo Lula, eleito em 2002, não é apenas fruto de uma vitória eleitoral, ele é o resultado de um período importante do desenvolvimento brasileiro. A imponente vitória eleitoral, com 61,3% dos votos, está vinculada a um longo processo de mobilização da classe trabalhadora, à redemocratização do país e à formulação de concretas alternativas políticas por parte da esquerda brasileira, cujo reconhecimento conduziu, por exemplo, à realização do Fórum Social Mundial.
Uma avaliação política do governo brasileiro, entretanto, não é uma tarefa fácil. Esperanças e frustrações estão mutuamente imbricadas.
A crítica no interior da esquerda brasileira e internacional vem se intensificando e isso não é por acaso: muitas ações do governo estão em contradição com o programa de governo apresentado pelo PT nas eleições e contrariam a tradição programática deste que é o maior partido de esquerda na América Latina. A política econômica restritiva, como conseqüência direta da continuidade do pagamento da dívida, perpetua a dependência econômica do país e reduz a margem de manobra política e social do governo, impedindo importantes mudanças de interesse da maioria da população. O governo está composto por uma ampla aliança de diversos partidos, que representam interesses contrários no interior da sociedade brasileira. Essa complexa situação apresenta um conjunto de problemas e questionamentos: como se pode compreender as contradições existentes? Pode-se esperar deste governo uma mudança política no Brasil ou se trata, em princípio, de uma continuidade da política neoliberal?
O maior problema é a política econômica diametralmente oposta à maioria das demais áreas do governo. Se fala de um governo de esquerda com um programa econômico liberal, em continuidade à política econômica do governo FHC. Essa política foi inicialmente acompanhada de acordos regulares com o FMI (vários deles ainda realizados no governo anterior) que exigiam a implementação de medidas estruturais, conduzindo o governo brasileiro ao estabelecimento da meta de superávit primário (a diferença entre receitas e gastos do Estado sem considerar os serviços da dívida) de 4,25% e ao comprometimento com a tarefa de tornar o Banco Central um órgão independente das decisões governamentais. Essa política de pagamento de juros da dívida continua assegurada mesmo após o fim do último acordo com o FMI e o pagamento antecipado de 15,5 milhões de dólares ao final de 2005. A base dessa estratégia econômica é a política de altos juros e o apoio às exportações.
O incentivo às exportações permitiu um superávit na balança comercial da ordem de 24,8 milhões de dólares em 2003, 33,7 milhões em 2004 e 44,8 milhões em 2005, que serviram, prioritariamente, ao pagamento de dívidas do país. No que se refere à política de juros, após uma temporária redução da taxa Selic (Sistema Especial de Liquidação e de Custódia para Títulos Federais, que baliza as taxas de juros cobradas pelo mercado) de 25,5% em janeiro de 2003 para 16% em abril de 2004, se sucedeu um novo aumento para 19,75% em julho de 2005. Em seguida, os juros foram reduzidos na proporção de 0,5% ao mês até atingirem 16,5% em março de 2006. Por isso, com a renúncia do Ministro da Fazenda Antonio Palocci, em abril de 2006, muitos aguardavam significativas mudanças. Os principais elementos da política econômica, no entanto, continuam mantidos na gestão do novo ministro Guido Mantega: os juros foram reduzidos de 16,5% para 15,75% juntamente com o anúncio de que o pagamento da dívida externa segue sendo uma prioridade para o governo.
Se, por um lado, a alta de juros protege o país de uma "fuga de capitais", por outro, ela estrangula o mercado interno. Assim, os primeiros resultados dessa política econômica inicialmente surpreenderam totalmente seus maiores críticos no interior da esquerda petista. Se em 2003 ainda parecia que o governo estava preso a um círculo vicioso que conduzia a baixos investimentos, ao aumento da taxa de desemprego e a perdas reais de renda para a maioria da população, em 2004 pôde ser observada uma outra tendência. Em decorrência do massivo crescimento nas exportações (de 30,4 bilhões de dólares em 2002 para 96,5 bilhões em 2004) foi possível retirar o Brasil da recessão, apresentando um crescimento econômico de 5,1%, apesar da política de cortes nos gastos públicos. A limitação da ação governamental em decorrência do pagamento de serviços da dívida, entretanto, cria uma situação novamente desfavorável em seguida, na qual apenas curtos e insuficientes ciclos de crescimento econômico são possíveis. Por isso, a conjuntura favorável, verificada em 2004, parece findada já em 2005: a taxa de crescimento econômico do país caiu para 2,3%. Em 2006, provavelmente, os investimentos aumentarão em função da campanha eleitoral em nível federal e estadual, o que tende a estabilizar a dinâmica econômica. O desenvolvimento econômico após o mês de outubro de 2006, porém, permanece uma incógnita.
Nesse sentido, é possível afirmar que o período de transição anunciado pelo governo Lula e por parte do PT não existe, pois, até o presente momento não foram criadas condições que pudessem permitir a passagem a um novo período, em nova direção. Ao contrário: a economia brasileira continua numa situação precária sob o risco constante de que se instaure uma nova crise financeira e monetária, pois a tão propagada "estabilidade" econômica continua extremamente dependente de capital especulativo volátil, atraído pelas altas taxas de juros. A continuidade da atual política econômica parece estar assegurada: no Ministério da Fazenda já há projeções de metas de superávit primário até o ano de 2011. Essa orientação econômica ortodoxa do governo Lula vem provocando inúmeros conflitos políticos, pois os gastos públicos continuam fortemente limitados pela obrigação com o pagamento da dívida. No orçamento de 2004, por exemplo, estavam previstos 87,7 bilhões de dólares para investimentos sociais enquanto o pagamento de dívidas estava orçado em 173 bilhões, dos quais 45 bilhões exclusivamente para o pagamento da dívida externa. Esse problema se reflete em diferentes iniciativas sociais e políticas do governo que, em função da margem de manobra financeira extrema limitada, acabam revelando um caráter, na maioria dos casos, ambivalente.
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