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Determinar a natureza jurídica de algo revela a pretensão de
expressar a essência de determinado instituto e, ainda, enquadrá-lo
dentro do ordenamento pátrio.
Diante disso, sob a ótica da contribuição para a Seguridade
Social, podemos dizer que existem seis teorias que são hodiernamente
estudadas e debatidas por estudiosos do assunto. Vejamo-las.
III.2 – DAS TEORIAS INFORMADORAS DA NATUREZA JURÍDICA DA CONTRUIÇÃO À SEGURIDADE SOCIAL
III.2.1 – TEORIA DO PRÊMIO DO SEGURO
A teoria do prêmio do seguro advoga que a natureza jurídica da
contribuição para a Seguridade Social equivale ao prêmio
de seguro pago pelo pactuante beneficiário às companhias seguradoras.
O Código Civil Brasileiro, em seu art. 757, conceitua, com propriedade,
o contrato de seguro:
Art. 757. Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou coisa, contra riscos predeterminados.
Neste espeque, à luz dessa teoria, diz Sérgio Pinto Martins (2003,
p. 90) que "poderia ser chamado de prêmio de seguro de direito
público, em face da obrigatoriedade da contribuição que
é efetuada em benefício dos segurados, atendendo ao regime jurídico
de financiamento do sistema da seguridade social".
Entrementes, tal raciocínio não merece prosperar. É que
a Seguridade Social apresenta preceitos imperiosamente mais amplos do que uma
companhia seguradora, eis que aquela, diferentemente desta, assegura, até
mesmo, aos que não são contribuintes, caso da Assistência
Social.
III.2.2 – TEORIAS DOS SALÁRIOS DIFERIDO, SOCIAL E ATUAL
Segundo o doutor Maurício Godinho Delgado (2004, p. 681), "salário
é o conjunto de parcelas pagas pelo empregador ao empregado em função
do contrato de trabalho".
Com efeito, entende-se que a natureza jurídica da contribuição
seria considerada um "salário diferido", uma vez que o arcabouço
salarial não seria adimplido, em sua inteireza, ao laborista. Direciona-se
a pecúnia, igualmente, à Seguridade Social, o que proveria, futuramente,
o trabalhador dentro das hipóteses legais de admissibilidade, a exemplo
de sua vindoura aposentadoria.
Contudo, a aludida premissa resta combatida, com veemência, pelos doutrinadores,
caso do já citado Sérgio Pinto Martins (2003, p. 91), in verbis:
"A crítica que pode ser feita é que inexiste relação de direito privado para o pagamento da contribuição (decorrente do contrato de trabalho), mas de direito público, de acordo com a previsão de lei. Não há ajuste de vontades quanto ao pagamento da contribuição. A contribuição incide porque está prevista em lei. Também não é salário, pois não é pago diretamente pelo empregador ao empregado (art. 457 da CLT), mas pelo INSS, nem o empregado vai perceber necessariamente o mesmo valor que perceberia como salário em caso de aposentadoria, em razão do achatamento dos cálculos do benefício e do estacionamento de um valor-teto de aproximadamente dez salários mínimos".
Diante disso, ponderando o fato da contribuição social se portar no ordenamento jurídico como norma cogente à situação do pacto mútuo de vontades que resulta o pagamento de salário em virtude de uma prestação laborativa do obreiro, não há como se tratar o instituto em pauta como salário diferido.
Há quem entenda, pautado na teoria do salário social, que a contribuição social diz respeito ao salário percebido pelo empregado, que seria devido pela sociedade ao trabalhador. Todavia, ante a flagrante semelhança com a teoria do salário diferido, não apresenta qualquer lógica técnica se assemelhar tal contribuição à natureza salarial.
No mesmo norte peca, ainda, quem se posiciona no sentido de enquadrar a contribuição social como salário atual, visto que, além do que fora dito acima, não se pode exigi-lo de imediato, apenas em escassas situações legalmente previstas.
III.2.3 – TEORIA FISCAL
A teoria fiscal versa na premissa de que a contribuição social se caracteriza como uma obrigação tributária por ser um valor obrigatório adimplido ao Estado visando à capitalização de numerário para sustentar a Seguridade Social.
Apesar da plausibilidade do aludido norte, a mencionada teoria reveste-se de opositores, uma vez que a contribuição à Previdência Social não se coadunaria, prefacialmente, a nenhum dos conceitos das já existentes espécies tributárias (impostos, taxas ou contribuições de melhorias), conforme dispõem os artigos 16, 77 e 81, respectivamente, do Código Tributário Nacional. Senão vejamos:
"Art. 16. Imposto é o tributo cuja obrigação
tem por fato gerador uma situação independente de qualquer
atividade estatal específica, relativa ao contribuinte".
"Art. 77. As taxas cobradas pela União, pelos Estados, pelo
Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas
atribuições, têm como fato gerador o exercício
regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva
ou potencial, de serviço público específico e divisível,
prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição".
"Art. 81. A contribuição de melhoria cobrada pela União,
pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito
de suas respectivas atribuições, é instituída
para fazer face ao custo de obras públicas de que decorra valorização
imobiliária, tendo como limite total a despesa realizada e como limite
individual o acréscimo de valor que da obra resultar para cada imóvel
beneficiado".
Daí, portanto, as razões de se afastar, dentro dessa órbita, esta teoria.
III. 2.4 – TEORIA PARAFISCAL
A teoria parafiscal, para quem faz a distinção entre tributos fiscais e parafiscais, sustenta a natureza tributária da contribuição social, mas com a característica de estar destinada a algo pré-estabelecido. Com efeito, não sendo imposto, taxa ou contribuição de melhoria, diante dos conceitos legais elucidados no item anterior, seria uma contribuição parafiscal.
Porém, como bem vaticina Sérgio Pinto Martins (2003, p. 95), "essa teoria seria criticada sob o fundamento de que o fato de o sujeito ativo não ser a própria entidade estatal, mas outra pessoa especificada pela lei, que arrecada a contribuição, em nada iria alterar o regime tributário, sendo que a contribuição continuaria a ter natureza de tributo".
III. 2.5 – TEORIA DA EXAÇÃO SUI GENERIS
Defendem a teoria da exação sui generis aqueles que afastam a conexão da Seguridade Social com o Direito Tributário, o que implica, desde já, dizer que não seria a contribuição social nem tributo, dentro de suas espécies, e nem tampouco contribuição parafiscal.
Neste norte, seria, como a própria terminologia dispõe, uma exação sui generis, ou seja, uma mera exigência estipulada na Constituição Federal e na legislação ordinária, dentro de suas peculiaridades, com previsão em lei.
Não demonstra, igualmente, firmeza jurídica.
III. 3 – DO POSICIONAMENTO DOMINANTE
Apesar das diversas teorias acima apontadas, a doutrina, coadunando-se ao atual norte traçado pelo Supremo Tribunal Federal, apresenta um posicionamento consolidado enquanto natureza jurídica das contribuições à Seguridade Social, enquadrando-as como tributos autônomos.
Com efeito, os argumentos que sustentam essa tese são, em suma, a localização do art. 149 da Constituição Federal, a saber: Sistema Tributário; a determinação expressa da aplicação dos princípios da legalidade, anterioridade, irretroatividade e do regime jurídico tributário em sua essência; e a compatibilidade com o conceito de tributo, disposto na Carta Política de 1988 e correlação direta aos ditames estatuídos no art. 3° do Código Tributário Nacional (tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada).
Neste diapasão, o STF, em diversas decisões, já deixou insofismavelmente claro tal posicionamento, caso, por exemplo, do julgamento da Medida Cautelar na Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC-MC 8 / DF – Distrito Federal; Relator: Min. Celso de Mello; Publicação: DJ 04-04-2003 PP-00038 EMENT VOL-02105-01 PP-00001). Observemos, pois, o seguinte trecho da ementa:
E M E N T A: AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE
- PROCESSO OBJETIVO DE CONTROLE NORMATIVO ABSTRATO - A NECESSÁRIA
EXISTÊNCIA DE CONTROVÉRSIA JUDICIAL COMO PRESSUPOSTO DE ADMISSIBILIDADE
DA AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE - AÇÃO
CONHECIDA.
... O Poder Público, especialmente em sede de tributação
(as contribuições de seguridade social revestem-se de caráter
tributário), não pode agir imoderadamente, pois a atividade
estatal acha-se essencialmente condicionada pelo princípio da razoabilidade.
A CONTRIBUIÇÃO DE SEGURIDADE SOCIAL POSSUI DESTINAÇÃO
CONSTITUCIONAL ESPECÍFICA. - A contribuição de seguridade
social não só se qualifica como modalidade autônoma
de tributo (RTJ 143/684), como também representa espécie tributária
essencialmente vinculada ao financiamento da seguridade social, em função
de específica destinação constitucional. A
vigência temporária das alíquotas progressivas (art.
2º da Lei nº 9.783/99), além de não implicar concessão
adicional de outras vantagens, benefícios ou serviços - rompendo,
em conseqüência, a necessária vinculação
causal que deve existir entre contribuições e benefícios
(RTJ 147/921) - constitui expressiva evidência de que se buscou, unicamente,
com a arrecadação desse plus, o aumento da receita da União,
em ordem a viabilizar o pagamento de encargos (despesas de pessoal) cuja
satisfação deve resultar, ordinariamente, da arrecadação
de impostos. Precedente: ADI 2.010-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO. (Destaque
proposital).
De acordo com o exposto da temática ora enfocada, não restam dúvidas de que, malgrado haja a existência de várias teorias acerca do enquadramento jurídico da contribuição à Seguridade Social, o entendimento majoritário da doutrina sobre o aludido assunto, aliado à jurisprudência pátria, inclusive do Supremo Tribunal Federal, amolda-se ao tributo, na forma autônoma.
BRASIL. Código civil. Coordenação de Anne Joyce Angher.
3. ed. São Paulo: Editora Rideel, 2003.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da
República Federativa do Brasil. Organização de Luiz
Flávio Gomes. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2000.
BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal anotada.
5. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2003.
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 3. ed.
São Paulo: LTr, 2004.
GONÇALVES, Ionas Deda. Direito Previdenciário. Coleção
Curso & Concurso. São Paulo: Editora Saraiva, 2005.
KERTZMAN, Ivan. Curso Prático de Direito Previdenciário.
3. ed. Salvador: JusPODIVM, 2007.
MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. 19. ed. São
Paulo: Atlas, 2003.
Carlos Nazareno Pereira de Oliveira
carlosnazareno79[arroba]yahoo.com.br
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