A corrupção é o tema central do debate político contemporâneo no Brasil. O caso de corrupção no PT (1) obteve tamanho espaço na mídia brasileira como, até então, somente durante o processo de Impeachment de Fernando Collor de Melo havia acontecido. O governo Lula está, desde então, mergulhado em sua maior crise: tanto o Ministro da Casa Civil, José Dirceu, como o presidente do partido, José Genoíno, e o Ministro da Fazenda, Antonio Palocci tiveram de renunciar a seus cargos. Embora a maioria dos acusadores esteja envolvida em corrupção (o que lhe confere uma baixa confiabilidade), poucas provas concretas tenham sido apresentadas e o caso, na realidade, envolva o PT e não diretamente o governo Lula, foi intencionalmente difundida uma imagem de que esse governo seria o mais corrupto da história do Brasil. Nas intenções da discussão vigente, portanto, é possível visualizar uma tentativa por parte da oposição e da mídia conservadora de desestabilizar politicamente o governo Lula, com o objetivo de impedir sua reeleição em 2006.
A novidade no atual debate contemporâneo brasileiro é que, agora, não somente os partidos conservadores, como já é de antigo conhecimento, estão envolvidos em corrupção, mas mesmo o PT, que, até então, era considerado isento desse problema. Com o envolvimento do PT se fala de uma "democratização" da corrupção no Brasil, ou seja, agora todos foram atingidos, o que explica a satisfação de políticos corruptos com a atual situação, pois o PT se beneficiou por muito tempo da sua tradição de ter governado sem corrupção. O contexto no Brasil nos remete aos seguintes questionamentos, que procuraremos abordar no presente texto: 1) por que a corrupção está tão profundamente arraigada no Brasil? 2) quais são as razões para isso? Como foi possível que também o PT tenha sido atingido pela corrupção? Metodologicamente iniciamos com a análise do conceito de corrupção e o seu entendimento no Brasil, para, em seguida, apresentar o sistema político brasileiro na relação com o tema e, finalmente, centrar nossa abordagem em aspectos da cultura política brasileira, com o objetivo de compreender o contexto atual do debate sobre a corrupção no Brasil.
Existem no Brasil muitas palavras para caracterizar a corrupção: cervejinha, molhar a mão, lubrificar, lambileda, mata-bicho, jabaculê, jabá, capilê, conto-do-paco, conto-do-vigário, jeitinho, mamata, negociata, por fora, taxa de urgência, propina, rolo, esquema, peita, falcatrua, maracutaia, etc. A quantidade de palavras disponíveis parece ser maior no Brasil e em países onde a corrupção é visualizada cotidianamente. Originalmente, a palavra corrupção provém do latim Corruptione e significa corrompimento, decomposição, devassidão, depravação, suborno, perversão, peita. A corrupção, entretanto, dependendo do contexto, nem sempre assume uma conotação negativa. Ela constitui, por exemplo, a base para o desenvolvimento da linguagem: a língua portuguesa resultou de um "corrompimento", da modificação do latim, cuja variante brasileira é ainda mais dinâmica e viva (mais corrompida, portanto) do que o português de Portugal. Na linguagem política contemporânea, no entanto, a corrupção sempre assume uma conotação negativa, o que, visto numa perspectiva histórica, não foi sempre assim. Historicamente, a corrupção esteve associada ao conceito de legalidade, ou seja, corrupto era caracterizados aquele que não seguia as leis existentes. Mesmo determinados termos extremamente negativos que atualmente são usados para designar formas de corrupção, como a peita, o nepotismo e o peculato, não tinham essa conotação até há poucas décadas atrás: a peita estava instituída como um pacto entre os fidalgos e a plebe nos regimes monárquicos para garantir o pagamento de tributos do povo aos nobres; o nepotismo era reconhecido como um princípio de autoridade da Igreja na Idade Média, segundo o qual os parentes mais próximos do Papa tinham privilégios sociais aceitos pela sociedade da época; o termo peculato, originalmente, indica que o gado constituía a base da riqueza de determinados grupos sociais privilegiados e, posteriormente, a expressão "receber o boi" passou a ser usada para designar "troca de favores", pois o gado servia como uma forma de moeda em certas regiões rurais. O termo peculato, atualmente utilizado para caracterizar favorecimento ilícito com o uso de dinheiro público, continua com essa referência histórica de que para ter acesso a determinados privilégios é necessário um favor em forma de contrapartida.
No Brasil se associa a esse contexto histórico a assim chamada Lei de Gérson, ou seja, o comportamento de querer "tirar vantagem em tudo", pressupondo que os sujeitos aguardam o máximo possível de benefícios, visando exclusivamente o beneficio próprio. Esse tipo de comportamento, contudo, se adapta perfeitamente ao "espírito capitalista", como pré-condição esperada dos seres humanos numa sociedade centrada nos valores da economia de mercado. Adam Smith, por exemplo, caracterizava esse comportamento como a melhor forma de contribuir com o progresso social (Smith, 1990).
É claro que a corrupção é mais antiga que o capitalismo, mas ela encontra neste modo de produção condições ideais para sua continuidade. Através da instituição da dominação forçada do capital sobre o trábalo(2), a qual permite aos capitalistas a apropriação privada da mais valia gerada pelo trabalho de outros seres humanos, uma das formas mais básicas de corrupção passou a ser reconhecida legalmente na sociedade capitalista. Nesse sentido, a forma moderna da corrupção precisa ser compreendida no contexto da injustiça fundamental presente em todas as sociedades de classes: a injustiça no acesso aos meios de produção, que constitui a origem da desigualdade social e está em frontal contradição com os ideais de democratização, justiça social e solidariedade entre os seres humanos. É por isso que, historicamente, a corrupção é proporcionalmente maior em sociedades com maior injustiça social: onde o contraste entre ricos e pobres é maior. A ausência e a dificuldade no acesso a bens e serviços facilita a privatização de setores públicos e sua transformação em mercadoria, tendo como resultado o seu uso/abuso em benefício privado. Nesse contexto, por exemplo, bens e serviços públicos passam a ser usados como mercadorias em troca de votos em períodos eleitorais e parlamentares votam a favor de determinadas leis se houver a possibilidade de, com isso, aumentar recursos no orçamento para as regiões onde se concentra o maior número de seus eleitores (através das famosas "Emendas Parlamentares").
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