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Amorosidade e Psicopedagogia: algumas reflexões e contribuições ao debate (página 2)

João Beauclair

O que merece destaque aqui é que cada um de nós possui modos muito particulares para lidar com os conflitos que vivenciamos em nossa cotidianidade, elaborando estratégias próprias para compreender nossas angústias, ansiedades e frustrações. Como nos diz o poeta Caetano Veloso, "cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é". Esta constatação me leva a afirmar que, neste movimento, a singularidade de cada sujeito se expressa de modo muito particular, pois existem as escolhas pessoais, as experiências do vivido e, principalmente, a própria história de cada um, construída no percurso da existência e no itinerário de nossas buscas para aprender a viver e a sobreviver.

Também é importante o reencontro com nossas experiências e conceitualizações, objetivando a re-significar o vivido, ampliando perspectivas, vislumbrando outras possibilidades e, principalmente, propondo-se aos processos de construção de autoria de pensamento.  

A amorosidade só pode vir a ser resgatada efetivamente em nossas relações se, antes, fizermos uma viagem para dentro de nós mesmos, buscando sentido e significado para nossos fazeres, dizeres, posturas, modos de ser e estar neste mundo, complexo em essência e, ao mesmo tempo, simples e natural. Amorosidade é um devir, uma postura pessoal, uma busca de tornarmo-nos seres humanos melhores, capazes de sermos generosos, de redescobrimos a solidariedade, de rejeitarmos a violência, de preservarmos a vida do planeta e, principalmente, de ouvirmos para compreender.

Para tal, torna-se necessário, nos espaços onde possuímos algum tipo de inserção, sermos promotores de chamadas de atenção sobre como poderemos desenvolver nossas potencialidades de diálogo, modo de operar humano capaz de diminuir a dor e o sofrimento. Maturana (1988) nos alerta que estamos imersos e vivemos.

"numa cultura que opõe emoção e  razão como se tratassem de dimensões antagônicas do espaço psíquico. Falamos como se o emocional negasse o racional , e dizemos que quando negamos nossas emoções, nenhum raciocínio pode apagar o sofrimento que geramos em nós mesmos ou nos outros. Finalmente, quando temos alguma desavença , ainda no calor da raiva, também dizemos que devemos resolver nossas diferenças conversando e, de fato, se conseguimos conversar, as emoções mudam e a desavença ou se esvai ou se transforma, com ou sem briga, numa discordância respeitável. "  

Condição primeira para a amorosidade é o conversar, o dialogar: sem a prática social do diálogo, ficamos a revelia, sem suportes que possibilitem nossas perspectivas de evolução ganharem força e terreno. Acredito que muitos dos nossos problemas cotidianos de convívio com os outros estão vinculados ao afastamento e ao isolamento que, em muitas situações, nós mesmos nos colocamos.

Não existe estratégia melhor para a resolução de conflitos do que a busca do entendimento a partir do diálogo. Mais um vez, é Maturana que nos ensina que a palavra "conversar vem da união de duas raízes latinas: "cum", que quer dizer "com", e versare que quer dizer "dar voltas com o outro."  

E se conversar é dar voltas, juntos com os outros, a promoção de vínculos afetivos entra em cena e nos remete a pensar que quanto melhores forem tais vínculos, maior qualidade teremos em nossas relações com os outros, conosco mesmos e com a VIDA.  

A UNESCO, em seu Programa Aprender para o século XXI, como muitos de nós já sabemos, enfatiza quatro pilares da educação do futuro: aprender a conhecer, aprender a atuar, aprender a viver juntos e aprender a ser. Entretanto, com a ousadia e coragem de propor, elaborei um outro pilar para o conhecimento: aprender a amar.  Neste trabalho discuto que precisamos, todos, redimensionar nossas ações e práticas cotidianas, com o expresso desejo de nos colocarmos em postura amorosa com o mundo, conosco mesmo e com os outros.  

Um texto, de autoria por mim desconhecida, encaminha este pensar:
"A presença do amor invade meu ser
Dorme em mim,
Desperta em mim, brota em mim,
Morre em mim, nasce em mim.
Meu corpo é seu templo.
O amor faz em mim morada:
Sem o amor minha vida é nada.
Sem amor, eu sou só, ninguém.
Sua luz brilha em meus olhos,
Seu perfuma exala em meus poros,
Suas flores enfeitam minha estrada.
Hoje eu desejo, compreendo e quero,
Que todo o mundo entenda:
Sem o amor, não há saída,
Não há como se ter VIDA."

A Interconectividade necessária na teia da vida.

"A realidade é mutável, pulsante, abre-se e fecha-se.
(...) abre-se com uma palavra, com um gesto,
com uma decisão, com um ato, e fecha-se com algo que se perde".
J.D. Nasio

Para o resgate essencial da amorosidade, não podemos deixar de pensar na interconectividade, elemento de importância fundamental para a elaboração de estratégias e permuta de conhecimentos e idéias, de saberes e fazeres voltados ao nosso tema. A amorosidade, enquanto tema fundante para a Formação Pessoal em Psicopedagogia, ganha força, energia e vitalidade com a participação em projetos e com a parceira com pessoas, organismos e instituições. Hoje, mais do que nunca, devemos, todos e todas estarmos atentos ao estarjuntocom.

A participação em grupos de estudos e discussão, a supervisão em processos de acompanhamento de nossas ações profissionais vincula-se aos nossos próprios projetos de crescimento pessoal e as nossas utopias realizáveis, como nos falava o mestre Paulo Freire.

Em minha própria trajetória, percebo claramente a importância do que acima citei. Inúmeras possibilidades me foram dadas pela minha própria inserção em tais grupos. Ferramenta de suma validade é estarmos em rede, fazendo parte de grupos de discussão pela Internet. Afirmo isso porque desde a década de 90 do século passado, participo de alguns importantes grupos onde exercemos o que Assmann e SUNG (2001)  chamam de competência solidária, pois mesmo sem estarmos uns com os outros presencialmente, intercambiamos idéias, ideais e fortalecemos o próprio movimento, importantíssimo ao meu entender, pelo reconhecimento da profissão do Psicopedagogo em nosso país, luta essa com a qual devemos, nos nossos modos possíveis, nos envolver.

Na minha práxis, enquanto docente em diferentes cursos de pós-graduação em psicopedagogia no Brasil, procuro alertar minhas alunas e alunos sobre a importância da filiação de cada um, enquanto psicopedagogas e psicopedagogos em formação, a Associação Brasileira de Psicopedagogia, órgão de classe que, com suas seções e núcleos, fomentam a discussão sobre a regulamentação de nossa profissão e, o que considero ainda mais relevante, discute questões relativas à formação em psicopedagogia em sua comissão permanente de cursos.  Um outro ponto que procura destacar é a formação de grupos estudos entre estas alunas e alunos, porque acredito que todos crescem a partir desta vivência.

A interconectividade necessária, nesta teia da vida, faz-se assim, em movimentos de agregação onde cada pessoa pode estar em postura de amorosidade no simples fato da permuta, da troca, do intercâmbio, insisto. É na percepção e na presença, mesmo que virtual, do outro, que podemos evoluir.

Zenita Cunha Guenther (1997) nos ensina que tal presença e percepção "é a noção interna e o conceito que se forma do outro, a partir das percepções diferenciadas no vivência e experiência comum c om as outras pessoas que compartilham conosco a aventura de viver e ser parte integrante da humanidade."  

Em nossa cotidianidade, resgatar a reflexão sobre tal afirmativa nos conduz ao pensar que somente a partir da interação e da participação efetiva poderemos alcançar a compreensão de que somos parte de uma mesma teia de VIDA.

Cabe-nos pensar, recorrendo mais uma vez a autora citada anteriormente, apesar de longa a citação, que em"nosso dia a dia , desde que nascemos até o momento final, temos ao nosso redor, interagindo e participando intimamente em praticamente todas as situações da vida, desde a mais próxima e concreta até às mais distantes, pessoas essencialmente iguais a nós e ao mesmo tempo diferentes, únicas existindo em si próprias, ao mesmo tempo que existem conosco e juntos formamos configurações globais, maiores e mais complexas do que cada um de nós é, ou poderia ser.

Essa é, em essência, a dimensão social da personalidade humana.Isso quer dizer que cada pessoa que existe, ao construir sua maneira própria , individual e única de ser, desenvolve através da vivência comum com outras pessoas uma conceituação do "outro",englobando e integrando todas as percepções diferenciadas em relação às outras pessoas em uma configuração coerente e que faz sentido para ela. Essa organização de percepções compõem uma parte de sua própria personalidade, também única, individual e congruente com a configuração maior, interna, de cada um, a qual, por sua vez, influencia o comportamento e a maneira própria de ser e interagir com esses mesmos outros."  

Em tal dimensão estamos imersos. O resgate de valores e direitos humanos é essencial à práxis psicopedagógica. Cabe estarmos atentos e atuando no sentido de poder, de certa forma, contribuir para o debate acerca da inserção da Psicopedagogia no que concerne a amorosidade, compreendida como uma potencialidade humana de sermos solidários uns com os outros. É um processo de decisão, que perpassa nossas próprias vidas e que alimenta de horizontes nossa caminhada. É um processo de escolha e "escolher é apropriar-se do desejar a partir de um trabalho de pensamento".

Com o sentido de contribuir, deixo-lhes um belo trecho de José Saramago, citado por Alícia, que instiga nosso desejo de ir além:

"... A aldraba de bronze tornou a chamar a mulher da limpeza, mas a mulher da limpeza não está, deu a volta e saiu com o balde e a vassoura por outra porta, a das decisões, que é raro ser usada, mas quando o é, é..."  
         Façamos, então, como a mulher: tomemos a decisão de fazer do amor meta maior de nossas ações.

Referências:

Dedico este artigo às alunas, e aluno, concluintes do curso de Especialização em Psicopedagogia da UNIFOR – Centro Universitário de Formiga, Minas Gerais, onde lecionei Fundamentos da Psicopedagogia e Psicopedagogia e Ética, nos meses de novembro e dezembro de 2004.  Pela acolhida, amorosidade e respeito, este trabalho é dedicado, também, a Professora Mestre Dagmar Damasceno, Pró-Reitora de Apoio Acadêmico, Extensão, Pesquisa e Pós-graduação desta instituição e suas auxiliares, Celina e Rosamaria.
Desconheço o autor.
  Citado em: FAGUNDES, Márcia Botelho. Aprendendo valores éticos. Editora Autêntica, Belo Horizonte, 2001.
  Conferir na página da ABPp.:
www.abpp.com.br
  BEAUCLAIR, João. Autoria de pensamento, aprendências e ensinagens: novos modelos e desafios na produção de conhecimento em Psicopedagogia. Artigo publicado na página da Associação Brasileira de Psicopedagogia:
www.abpp.com.br
   Pressupostos do Manifesto 2000: por uma cultura de paz e Não-violência, elaborado pela UNESCO, no Ano Internacional por uma cultura de paz e não-violência. Conferir:
www.unesco.org .
  MATURANA, Humberto R.  Ontologia Del conversar. Revista Terapia Psicológica, Año VII, v. 10, p.15-22. Santiago do Chile. Tradução de Cristina Magro e Nelson Vaz.
  Idem.
   Obra de relevância fundamental, para pensarmos sobre tais vínculos é o trabalho de: CONSUELO, Dulce. Os vínculos como passaporte da Aprendizagem: um encontro D´Eus. Editora Caravansarai, Rio de Janeiro, 2003.
  BEAUCLAIR, João. Psicopedagogia: trabalhando competências, criando habilidades. WAK Editora, Rio de Janeiro, 2004.
  ASSMANN, Hugo e SUNG, Jung Mo. Competência e sensibilidade solidária. Editora Vozes, Petrópolis, 2001.
  GUENTHER, Zenita Cunha.Educando o ser humano: uma abordagem da Psicologia humanista. Campinas, São Paulo: Mercado das Letras, Lavras, Minas Gerais, Universidade Federal de lavras, 1997, p. 119.
   Idem. P. 1119 e 120.
  FERNÁNDEZ, Alicia. O saber em jogo: a Psicopedagogia propiciando autorias de pensamento. Porto Alegre, Editora Artmed, 2001, p.176.
  Idem.

 

Prof. João Beauclair
Psicopedagogo, Arte-educador, Mestre em Educação

joaobeauclair[arroba]yahoo.com.br

Homepage: http://www.profjoaobeauclair.net


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