Uma digressão acerca da interação
entre direito e economia
Os efeitos mais imediatos da globalização frente as relações econômicas e jurídicas que dela decorrem começam a ser sentidos, tanto interna como externamente. O fato de maior relevância, talvez seja, a nosso ver, a evidente necessidade de ter-se regras claras e bem determinadas nas relações entre consumidores e fornecedores, bem como entre os próprios fornecedores naquele específico ramo recente do direito que se denominou de Direito da Concorrência. É nesse campo novo, vasto e ainda inexplorado que as relações entre empresas se darao de forma mais transparente que for possível, bem como margeadas e limitadas pelo direito, não enquanto apenas ciência mas como princípio basilar de "dar a cada um o que lhe é de direito, segundo uma medida".
Vamos, apenas por um instante, reservarmo-nos a análise da dita medida contida na expressão acima, valendo-nos para tal intento, deste novo segmento do direito que surgiu como decorrência não apenas da globalização, mas também como desdobramento normal das relações jurídico-econômicas neste novo milênio.
É pura pretensão de nossa parte tentar desvencilhar a assertiva acima a partir de uma ciência que ainda se encontra embrionária e cujos princípios ainda se encontram em fase de absorção pelo mundo externo, também considerado como direito em concreto. Necessário será, sem sombra de dúvida, lançarmos mão das ciências econômicas e de suas diversas interpenetrações no ambiente das relações humanas e empresariais.
O que se almeja, neste pequeno opúsculo, compoe-se de uma tarefa, aparentemente simples, mas ao mesmo tempo revestida de tal complexidade que seu resultado, senão satisfatório, pelo menos trará um pouco mais de luz sobre tema tão recente, tão atual e tão necessário para a compreensão de como se darao as relações econômicas entre os agentes econômicos e seus eventuais desdobramentos frente a economia e, principalmente, frente ao direito que, deverá - precipuamente - realizar-se de "dentro para fora", lançando seu olhar de forma modificada sobre o universo concreto que se descortinará a sua frente.
Nossa pretensão restringe-se ao estabelecimento de uma diretriz entre o antigo princípio insculpido nos códigos e regente dos contratos - o pacta sunt servanda - frente ao instituto da concorrência, sob o aspecto específico de estabelecimento do preço justo, evitando que ambos se tornem uma antinomia e possam conviver tal qual um binômio, suficiente e necessário para o curso de qualquer relação econômica a luz do direito.
Partindo-se do conceito elaborado por Washington de Barros Monteiro, segundo o qual: "Contrato é o acordo de vontades que tem por fim criar, modificar ou extinguir direitos", externaliza-se, de imediato, dois princípios basilares que regem qualquer contrato, quais sejam: o da autonomia da vontade e o da finalidade do social dos contratos. Em consonância com o princípio que acima enunciamos (pacta sunt servanda), os dois princípios compoe a estrutura necessária para que a relação entre dois indivíduos ocorra dentro dos ditames estabelecidos pelo direito, ou seja, dar a cada um o que lhe é de direito.
Trata-se a autonomia da vontade de direito subjetivo que pondera a faculdade de agir do indivíduo, ou seja, o poder que tem ele de decidir os limites e contexto em que se operará as condições constantes do contrato celebrado como outrem, limitado que é, apenas pelo princípio da legalidade. Ou seja, o indivíduo possui liberdade para contratar, guardadas as devidas proporções, com quem quiser, desde que pactue com outro em condições de igualdade e de lealdade (princípio da boa-fé objetiva). Esta liberdade não vem de per si apenas e tão somente para satisfazer interesses de ordem pessoal, pois ao lado deste princípio, encontra-se também o princípio da finalidade social dos contratos que estabelece que todos e qualquer ajuste formal entre interessados deve produzir efeitos benéficos na sociedade com a circulação de riquezas que contribuem para a harmonia social.
Estes princípios trazem em seu bojo um preceito de ordem natural, pelo qual, dar a cada um o que é seu, por direito e segundo uma medida, compoe a infra-estrutura das relações humanas a luz do direito, não apenas enquanto ciência, mas também como pressuposto filosófico que ilumina a existência humana em um ambiente socialmente desenvolvido - ressaltando-se que esse desenvolvimento não precisa encontrar-se revestido de sofisticação - bastando apenas compor-se de ambiente social, de convívio entre indivíduos com os mesmos anseios e com as mesmas oportunidades.
Não nos esqueçamos que dentro deste contexto, imperioso observar-se que a igualdade de oportunidades e de possibilidades deva ser a base sobre a qual esta infra-estrutura assentar-se-á de modo a produzir efeitos e gerar resultados para todos os indivíduos a sua volta e, portanto, vincular os bens gerados pelas relações econômicas a distribuição igualitária e eqüidistante para todos.
Desta forma, temos que os contratos são instrumentos válidos e eficazes para a produção e circulação de riquezas dentro do meio social e que da sua regulação jurídica decorre a efetiva possibilidade de auferir bem-estar a todos os seus integrantes, razão pela qual os princípios que foram acima discutidos são curiais para que tais contratos bem como as relações deles decorrentes venham, de fato, a produzir resultados fáticos e jurídicos no mundo real (concretitude efetiva do direito).
Cria-se, a partir de então, uma verdadeira comunidade econômica, visto que os contratos, ao aperfeiçoarem-se ao longo da estrutura social, produzem e fazem circular riquezas, constituindo a par da sociedade uma outra (ou melhor, a mesma) de conformação econômica, pela qual os indivíduos relacionar-se-ao através de resultados positivos ou negativos financeiramente apreciáveis sob a forma de bens, produtos e serviços que se encontrarao, perenemente, a disposição de todos em plena equivalência de oportunidades, valendo tanto para quem consome como também para aqueles que alocam-se na posição de fornecedores (capitalistas, investidores, fomentadores e alocadores de recursos).
Do que expusemos até aqui, denota-se que a livre iniciativa, enquanto princípio de ordem econômica, constitucionalmente previsto em nosso texto magno (vide artigo 170 da Constituição Federal), visa assegurar a oportunidade a todos aqueles que se disponham a produzir e fazer circular riquezas, extraindo dessa condição um retorno aumentado de seus investimentos, enquanto agente econômico responsável por tal procedimento e regulado por certas condições mercadológicas, sociais, econômicas, políticas e jurídicas, de modo a evitar-se quaisquer abusos ou excessos que venham a ferir o preceito da igualdade de direitos.
Assim temos que é a partir da livre iniciativa que se constrói o edifício de uma comunidade econômica, proporcionando condições mínimas, porém plenamente válidas para que a conjuntura social possua instrumentais que lhe possibilitem a manutenção e pleno desenvolvimento. Constitui-se de arcabouço mínimo necessário para que os agentes econômicos possam interar-se de forma harmônica e contínua, sempre na direção do bem-estar geral e da satisfação plena de necessidades ilimitadas que, juntamente com recursos escassos vão compor o a equação que a economia, eternamente, tentará solucionar.
Assim sendo, temos que a natureza jurídica da livre iniciativa reveste-se de principiologia necessária ao desenvolvimento de uma ordem econômica que devidamente regulada e juridicamente estruturada propiciará aquela almejada existência digna que se torna preclara no texto magno. E é dentro deste contexto que faz-se necessária a constituição de premissas que proporcionem o livre, porém ordenado desenvolvimento econômico.
Dentre essas premissas, encontramos o princípio da livre concorrência que se torna também curial para que o desenvolvimento econômico com ordem prospere, vindo a gerar os frutos necessários para que todos possam beneficiar-se em pé de igualdade de oportunidade e acesso. Aliás, acerca do direito de acesso ainda falaremos a seguir.
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