LUTA. Teu dever é lutar pelo Direito. Mas no dia em que encontrares o
Direito em conflito com a Justiça, luta pela Justiça (Eduardo
Couture)
Ainda estarrecidos com a notícia do falecimento de Terri Schiavo, após
um martírio de mais de mais de dez dias, fomos novamente supreendidos
com a notícia do falecimento do Papa João Paulo II. Duas perdas
que fazem ou pelo menos deveriam pensar nos caminhos que trilhamos atualmente.
Parece que estamos entre a cruz e a caldeira, entre o manto sagrado e a espada,
entre a amoralidade e a imoralidade, trilhando um caminho tortuoso, sombrio,
nebuloso e sem perspectiva.
Não podemos nos quedar inertes ante o fato de que a morte é o destino final de todos nós; prova disso é a luta travada pelo Papa nos últimos anos, numa clara demonstração de que ainda segundo Santo Agostinho o sofrimento e a dor podem ser o melhor remédio para a vida. E, veja-se bem, que mesmo para quem não aceite tal premissa, inadimissível seria considerar que um homem como ele aceitasse de bom grado a morte oferecida por Ali Agka o seu cruel mas arrependido algoz, no momento exato em que lhe alvejava a pequena distância.
Não era essa a morte que um homem que enfrentou o nazismo, a fome, o abandono, pudesse admitir como último estertor de uma vida dedicada ao amor a a paz. Sua luta constante e perene é a luta de quem acredita que a vida vale mais que um mero punhado de cédulas monetárias que sempre surgem manchadas do sangue de inocentes.
Inocente também era Terry, a mulher que se tornou símbolo vivo de uma morte anunciada. Anunciada pelos pais, pelo marido, pelo Senado Americano, pelo Presidente da República, pelo Judiciário, enfim por todos, exceto por aquele que nos concede de bom grado a maravilhosa experiência de viver intensamente neste universo repleto de imperfeições, mas que assim considerado, reveste-se de uma perfeição ímpar: a perfeição de ser ele exatamente o que é: algo que nos fascina e que no move pela paixão.
Acredita-se ainda que ninguém pode tirar algo que não deu, de forma que ninguém está autorizado a tirar a vida de um ser humano, uma vez que não foi ele que a concedeu, nem foi ele que ditou as regras constantes do manual de instruções que acompanha a existência humana e que somente nos damos conta que existe quando já muito tarde. Assim olhado, parece exatamente o que é: um fio tenue e sensível entre a imoralidade quase criminosa, e a amoralidade de quem há muito se esqueceu que valores não podem ser perdidos ao longo da vida.
Nesta mesma vertente é necessário ressaltar que, além do ditame jurídico, insculpido tanto em textos constitucionais, como também na própria Declaração Universal dos Direitos do Homem publicada pela Organização das Nações Unidas (ONU), o direito a vida nos foi assegurado pelo nosso próprio instinto de sobrevivência, tal e qual rezavam os jusnaturalistas, apregoando-se como corolário de verdade serem institutos como a vida, a liberdade e a segurança, direitos inatos, ou seja, aqueles com os quais o indivíduo já nasce, e nascendo com vida deles se reveste, sendo impedido a qualquer outro extrair-lhe uma prerrogativa mais que jurídica, mais que filosófica, pois, na verdade, trata-se de algo natural, inato, do qual emana a própria existência humana.
Não se trata de uma defesa prévia a este ou aquele instituto; não é uma discussão com meneios filosóficos da ciência do direito, mas sim a própria ciência do direito, até porque se assim não o fosse que ciência teríamos, então ? A partir dessas pedras fundamentais que construímos o edifício teórico e prático do direito. É a partir dele desse edifício que fazemos emanar atos de prudência e de justiça, acreditando que sejam eles expressões plenas de uma verdade inabalável, a qual defendemos acirradamente, sem qualquer indisposição ou temor de que nossa vitória seja algo apenas existente no plano do ideal e não no plano do real.
Muito embora, creiamos piamente que o instituto do direito positivo que toma por base como lei maior a Carta Constitucional do país, não podemos olvidar que, na maioria das vezes deixamos que o engessamento que se forma em torno deste documento nos torna inertes e sem esperança. Operadores do direito que somos, tendemos a acreditar que tudo se resolve com a prolação de uma sentença, especialmente quando esta versa sobre direitos fundamentais, assegurados pela Magna Carta, de tal forma, que não nos despojamos da esperança para nos travestir de meros sofistas que discutem temas inúteis em torno de jurisprudências frias e inertes.
A defesa de certos ideais e de certos princípios, acredita-se, são a pedra angular que move a paixão humana pela ciência do direito e, também, pelo próprio direito, não apenas como instituto eivado de erros e vícios como qualquer outra atividade humana, mas sim como uma das atividades humanizadas mais adequadas a racionalidade e a perspicácia da voluntariedade.
Revolta-me ver que a decadência dos padrões morais e éticos atingiram até mesmo os mais elevados institutos da existência humana como a racionalidade permeada pela paixão e o desinteresse circundado pela solidariedade. É como se a terra faltasse aos nossos pés; como se toda a existência anterior e homens e mulheres que lutaram, sofreram e até mesmo morreram para que o ideal de justiça florescesse e frutificasse, houvessem se dedicado a uma tarefa inútil, um trabalho de Sisífo, ou uma triste vitória de Pirro.
A morte de uma inocente, inválida em um leito de hospital, como resultado de uma longa batalha judicial, política e social entre pais e esposo, apenas provou mais uma vez que se houve uma vitória, se alguém atingiu um objetivo, estes se perderam na bruma da tristeza e da prostração de pessoas que ainda acreditavam na verdade e na justiça igualitária para todos.
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