Este artigo pretende abordar algumas questões essenciais no que concerne à formação pessoal em Psicopedagogia no nosso tempo presente. Compreende ser necessário ter coragem para re-significar os caminhos da Educação contemporânea e procura traçar os principais dilemas, desafios e tensões presentes na formação pessoal do/a psicopedagogo/a. A partir de uma sucinta discussão sobre os processos de autoria de pensamento como alternativa a tal questão, reforça que a pesquisa e práxis permanente, no agir e no pensar cotidiano, podem colaborar para que novas e significativas aprendências e ensinagens surjam no cenário da formação em Psicopedagogia no Brasil.
Palavras-chaves: Psicopedagogia, formação pessoal, oficinas psicopedagógicas, processos de autoria de pensamento.
"O esforço necessário para ver as coisas sem distorção
requer algo muito próximo à coragem;
e está coragem é essencial.".
Henri Matisse
"O que é a nossa inocência,
qual é a nossa culpa? Todos estão
nus, ninguém está seguro. E onde está
a coragem...
Marianne Moore
Coragem é o que me impulsiona sempre para a busca. É no encorajamento que vou adiante, superando as dificuldades, encontrando brechas para transpor obstáculos, refazendo percursos já elaborados, revendo posturas e estratégias: é a partir da vivência com o seu sentido mais pleno que motivo o meu agir/fazer/estar no mundo, para o caminhar, compreendendo sempre que, enquanto aprendentensinante, sou como o caminhante de Antonio Machado, poeta espanhol que nos diz que "caminhante, não há caminho, o caminho se faz ao caminhar".
Mas para ter coragem, é preciso que haja algum tipo de cor-respondência, vocábulo que pode nos trazer algumas idéias: cor = coração (latim); co= prefixo latino, que pode significar partilha, companhia; e cor = colorido, algo vivo, repleto de luz e emergente de sentido. Coragem é sentimento do sujeito, mas é vivência coletiva, partilha de sentidos para a vida, para a trajetória humana evolutiva de todos nós.
Percebo que os nossos movimentos de formação humana no campo da
Psicopedagogia deve ser uma preocupação constante, de cada um
de nós que leva a sério o seu fazer e compreende todas as questões
éticas que envolvem esta discussão.
Desde a década de 80 do século passado é possível
perceber que a Educação Brasileira, como um todo e a Psicopedagogia
em particular, estão se tornando cada vez mais sensíveis às
questões da alteridade, da identidade, da diversidade cultural e dos
saberes que estão presentes nos mecanismos internos das escolas. Diante
deste trajeto, são inúmeras as práticas e produções
teóricas advindas desde então. E em minha concepção
enquanto formador de psicopedagogas/os em diferentes realidades e contextos
que tenho vivenciado é muito complexo fazer um levantamento sobre este
movimento.(3)
Minha contribuição para este debate tem sido a de sistematizar,
a cada nova vivência enquanto ensinante neste processo, elaborando um
caminhar e construindo e reconstruindo uma metodologia de ação
de formação em educação que denomino Oficinas Psicopedagógicas.
(4)
Nesta metodologia, trato de estabelecer relações entre os diferentes
processos que caracterizam nossa trajetória de formação
– entendida por mim como evolução enquanto seres complexos que
somos -, levando cada novo grupo a se conscientizar que, enquanto personas também
complexas, vivenciam em suas cotidianidades múltiplos processos inter-relacionais
que amadurece e estimula nossos movimentos atitudinais, comportamentais e processuais.
Só podemos aprender e apreender com os outros, pois a aprendência (5) só pode ocorrer de forma efetiva e realmente significativa dentro deste pressuposto: sem interação, há a negação do sentido humano do ato de educar. E aqui residem alguns dos dilemas e desafios, algumas das tensões que trato na próxima seção deste texto.
"Não haverá existência humana sem a
abertura de nosso ser ao mundo,
sem a transitividade de nossa consciência"
Paulo Freire
Nos processos de Formação Pessoal em Psicopedagogia o principal
desafio que se coloca é o da própria formação em
si: precisamos perceber com criticidade a efetiva e concreta relevância
dos processos de ensinagem em nosso século, tempo e cultura. O ensino,
a aprendizagem, a escola, enfim, todo o contexto educacional necessita voltar-se
para os dilemas, as tensões e os desafios de nosso tempo presente. Para
tal é essencial fazer a aliança entre a teoria e a prática,
buscando nos pensadores complexos o aprofundamento de conhecimentos sistematizados,
indo além dos modelos tradicionais do falar ditar do mestre.(6)
Neste sentido, busco sempre suporte nas teorias construtivistas e sócio-interacionistas para referendar minhas análises, pesquisas e buscas de processos de sistematização, tecendo e mesclando os diversos fios que, com suas diferentes espessuras e matizes, trás a minha trajetória a prática permanente da construção teórica, com a intenção clara de compartilhar e contribuir a circularidade dos saberes nos campos da Educação e da Psicopedagogia.(7)
Neste sentido, percebo que neste movimento de ser e estar em Psicopedagogia é essencial compreender o que nos falta: encontrar modelos mais abertos, onde seja possível observarmos as possibilidades de superarmos entraves que impedem que nossas interações com o mundo sejam mais plenas, abertas e tecidas numa práxis mais dinâmica e plena.
E para que isso de fato ocorra, ou seja, para que tenhamos de fato a percepção concreta daquilo que nos falta, é preciso tecer/re-tecer, fazer/re-fazer cada fio desta rede que nos envolve e que nos dá suporte às nossas vivências em Psicopedagogia. Sabemos que práxis é o processo reflexivo oriundo das interfaces entre práticas e teorias que presentificam-se nas diferentes maneiras que temos de atuar, de ser e estar neste complexo mundo relacional que vivenciamos.
Cada um desses fios, que faz com que a nossa rede seja tecida, é fruto
de nossos próprios processos de formação, iniciados com
o nosso nascimento e em permanente tessitura, à medida que desenvolvemos
nossas autorias de pensamento ao longo de nossas vidas e, ao assim fazermos,
ganhamos autonomia e estabelecemos pontos de partida e metas a serem alcançadas.
Aqui a práxis é conduta e ação presentes como necessidade
de construção permanente; práxis é a concreta possibilidade
de enquanto seres aprendentes, re-significarmos caminhos, revermos trajetos
e percursos do vivido, resgatarmos valores que percebemos estar sendo, a cada
dia, perdidos ou esquecidos pelo corre-corre de nossa cotidianidade.(8)
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