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Qual o "mecanismo" processual adotado pelos ambiciosos possuidores de pequenas áreas para "transfigurá-las" em latifúndios?
Eles faziam o seguinte: instalavam algumas choças, ou pequenas casas, em pontos bem distantes uns dos outros, formando uma figura geométrica quadrado, retângulo, triângulo, ou o que fosse e ali deixavam residindo seus empregados e família. Com isso passavam a "mandar" naquela área. Quem quisesse, por exemplo, tirar lenha naquele espaço tinha que pedir licença ao "coronel"; que a dava, mesmo porque isso seria futuramente útil como prova da "posse daquele espaço. O "mandar na área" era a forma visível de "possuir" para efeito de usucapião.
E assim, alguns "coronéis expertos" conseguiram o usucapião de imensas áreas. Sem ocupação efetiva total ou quase isso a justificar a razão de ser moral do instituto do usucapião. Bastava algumas cabeças de gado, uma pequena agricultura esparsa, a sede da fazenda e principalmente o depoimento de seus empregados, ex-empregados, e pessoas da região que reconheciam que "o coronel Fulano de Tal foi sempre considerado o dono dessa área". Área talvez do tamanho de uma Bélgica. Assim ficava escrito nos autos.
Como essa autentica "mágica multiplicativa" era bem sucedida? Porque ninguém tinha interesse em contestar a ação de usucapião. Não havia vizinhos que se considerassem prejudicados. Em pleno sertão, União, Estado ou Município também não se sentiam prejudicados porque não se tratava de área registrada como sendo pública. E as testemunhas confirmavam que a "posse" isto é, o subjetivo conceito de "possuir" era do coronel Fulano, autor da ação. Umas poucas fotos de ocupação esparsa completavam a prova da "posse".
Mesmo em áreas vizinhas do mar, hoje imensamente valorizadas, ao lado de praias utilizadas por turistas, havia a aquisição de uma vantagem patrimonial apenas com o custo de pequenas taboas de madeira, pregadas em árvores, dizendo que "Esta área é de propriedade de Fulano de Tal". A que título? Nenhum! Não havendo quem contestasse, concedia-se juridicamente a dádiva, adquirida legalmente, formalmente.
A legislação detalhando o que estava apenas enunciado genericamente no Código Civil deveria ter exigido que a ocupação de grandes áreas rurais fosse devidamente comprovada. Ocupação mesmo, real, física, com construções, plantações e pasto para gado. Não o simples conceito subjetivo de "sentir-se possuidor".
No decorrer dos anos, parte da área do país foi parar, legalmente, nas mãos de alguns espertos, gerando hoje problemas sociais graves.
Não sei, em termos estatísticos, qual o percentual de terras particulares, na área rural, que resultou do usucapião baseado apenas na "posse" subjetiva (mandar na área). Um levantamento da situação seria problemático, e curiosidade malsã, mesmo porque haveria ato jurídico perfeito a ser preservado em Estado de Direito. O que passou, passou; o que interessa é corrigir para o futuro. Bom número de fazendeiros obteve o usucapião de sua terras de forma merecida. E quem depois as adquiriu pagando por ela o preço acordado, área já registrada como resultado de usucapião , também não merece nenhuma crítica, porque comprou terra devidamente registrada.
As presentes considerações servirão talvez para alertar magistrados em áreas mais remotas do país quanto à necessidade de, futuramente, em tais ações, exigir prova não só testemunhal, mas também visual (fotografias) da ocupação efetiva. Melhor ainda seria uma lei exigindo que em toda ação de usucapião de área rural o promotor de justiça que sempre emite parecer nesses processos vá até o local da área, evidentemente às custas do autor da ação, antes de dar o seu parecer final. E se a área é imensa, poder-se-ia até permitir que o promotor exigisse ver a área de cima, em helicóptero alugado pelo interessado. Na Amazônia, em ação de usucapião de milhares de hectares, somente de avião ou helicóptero é que o promotor poderia constatar se a área foi efetivamente ocupada. Quanto à ocupação com pecuária, a lei teria que exigir um mínimo de cabeças por hectare, ou outra unidade de medida mais adequada, porque o gado não fica confinado.
Sem essa futura lei moralizadora ou um endurecimento interpretativo dos juízes, enquanto essa lei não aparece território importante do Brasil ainda poderá ser "transferido" para uns poucos espertinhos que depois ainda se orgulham de serem os maiores "donos" ou "grileiros"? do país.
O que ocorreu passado não interessa agora, juridicamente, tendo em vista a imprescindibilidade da manutenção do Estado de Direito. Analogicamente, não teria cabimento, agora, nos EUA, um retorno ao passado, exigindo-se a devolução das terras aos pele-vermelhas. Nem condenar Portugal e Espanha ao pagamento de bilionárias indenizações pelo morticínio dos nativos centro e sul-americanos, com devolução das terras às populações indígenas.
Francisco César Pinheiro Rodrigues(*)
Resumo: Este artigo discute a morosidade do Judiciário e examina criticamente as suas causas conforme apontadas no debate sobre o assunto. Dentre elas, destaca como mais importante a lentidão processual estimulada por um número excessivo de recursos. Mostra também algumas conseqüências econômicas do problema e examina várias propostas para a sua solução, enfatizando as limitações de cada uma delas. Na seqüência, propõe uma solução de fundo econômico, a "sucumbência recursal", que desestimularia os sucessivos recursos impondo-lhes um ônus hoje inexistente. A proposta inclui uma minuta de projeto de lei que institucionalizaria essa inovação.
Palavras-chave: Judiciário, morosidade processual, "sucumbência recursal".
O povo brasileiro nele incluído a maior parte dos magistrados está
coberto de razões quando critica a lentidão com que tramitam as
ações judiciais. Superficialmente informado pela mídia
um estudo abrangente e especializado tomaria um tempo excessivo, incompatível
com a velocidade do jornalismo , busca encontrar um "culpado" bem
visível, físico, pela demora. No caso, "obviamente",
o magistrado. "Afinal" indagam o homem da rua, e mesmo alguns jornalistas
, "não são os juízes que "conduzem" os
processos?" Como são os magistrados os encarregados de "conduzir"
a justiça, e esta permanece "emperrada", a culpa seria, claro,
do "condutor". É uma conclusão um tanto apressada, mas
compreensível da grande maioria da população que observa
apenas o resultado mais à vista.
Este artigo examina inicialmente a validade dessa e de outras razões
apontadas como explicativas da morosidade do Judiciário. Faz isso na
primeira seção do texto, cuja conclusão é a de que
a razão fundamental é a lentidão processual estimulada
por um número excessivo de recursos. Na segunda seção são
apontadas algumas conseqüências econômicas da morosidade do
Judiciário enquanto a terceira examina várias propostas de solução
para o problema, enfatizando as limitações de cada uma delas.
Na quarta seção propõe-se uma solução de
fundo econômico, a "sucumbência recursal", que desestimularia
os sucessivos recursos impondo-lhes um ônus hoje inexistente. A proposta
inclui uma minuta de projeto de lei que institucionalizaria essa inovação.
A quinta seção apresenta considerações adicionais.
Seriam os juízes os culpados?
Grosseiramente comparando, se um carro, na estrada, tramita com excessiva lentidão,
atrapalhando o tráfego, a primeira reação dos demais motoristas
é buzinar e olhar feio para o chofer do carro moroso. Sem saber, muitas
vezes, que o censurado pode até ser, individualmente, um "ás
do volante" melhor piloto que muitos que o criticam e está,
naquele momento, fazendo o possível dadas as circunstâncias ,
com a máquina que conduz. A causa da morosidade pode estar no motor,
no combustível adulterado, no mau estado das rodas, na própria
faixa esburacada da rodovia que é legalmente obrigado a seguir , na
enferrujada carroceria ou no conjunto das variadas deficiências. É
o que ocorre, metaforicamente, com a Justiça Brasileira.
Pode a morosidade, claro, vez por outra uma pequena minoria, como em todas
as profissões , estar no próprio juiz, inerentemente lento, ou
preguiçoso, ou desmotivado. Portador, talvez, de uma deficiência
de natureza, digamos, "quantitativa", inata, que lhe torna difícil
manter um intenso ritmo de trabalho. Há alguns poucos casos assim: juiz
honesto, culto, justo, mas lerdo, "pensador" ou perfeccionista demais;
qualidade (o perfeccionismo) certamente elogiável em um "Justice"
da Suprema Corte Norte-Americana , que julga em torno de cem processos por
ano mas um "defeito" no juiz brasileiro obrigado à "produção
em massa" por vezes com rapidez forçada, excessiva , despachando
e sentenciando em milhares de processos em Varas e Tribunais cada vez mais congestionados.
Voltando ao caso de alguns juízes morosos, essa lentidão reflexiva
que seria virtude se lhe fosse exigido apenas qualidade e profundidade ,
é agravada um fator de tensão , pela responsabilidade moral
da função judicial porque é inadmissível, eticamente,
decidir sem estudar minuciosamente as peculiaridades de cada caso, acrescentando,
à proverbial demora da nossa Justiça, o "chute" da decisão
irresponsável. Na empresa privada, se o trabalho é excessivo,
o patrão remaneja seu pessoal à vontade, conforme suas características
pessoais, e contrata rapidamente novos funcionários quantos forem necessários.
Na Justiça isso é mais difícil. A contratação
não ocorre porque a criação de cargos depende de lei e
é um outro Poder, o Executivo, que determina o quanto se pode gastar.
Em conseqüência, o número de Varas e assentos nos tribunais
permanece quase o mesmo, por décadas, pouco importando a quantidade de
feitos que ingressam anualmente na primeira instância, ou sobem em grau
de recurso. E o mesmo ocorre com o número de funcionários dos
cartórios. O público, desconhecendo o lado quantitativo, da morosidade
quantos processos cabem a cada magistrado processar e julgar anualmente? ,
sabe apenas, singelamente, que os processos "demoram". E demoram,
mesmo. Mas a quem cabe a culpa, visto o serviço judiciário como
um todo? O Judiciário é obrigado a receber todas as petições
iniciais, mesmo não tendo condições materiais razoáveis
para isso. "Aceitando" mais do que pode "digerir", a culpa
é dele?
Quanto aos casos felizmente raros , de autêntica preguiça, irresponsabilidade
ou até mesmo de desonestidade do juiz, cabe dizer que nenhuma profissão
está vacinada contra o ingresso, em seu seio, de algumas pessoas com
tais características. Quando ocorre uma desonestidade, as denúncias
quase sempre são anônimas, o que desmotiva sua apuração,
por suspeita a fonte da denúncia. Lembre-se que em toda decisão
judicial há um lado perdedor que, com freqüência, vê
como desonestidade ou favoritismo qualquer decisão que contrarie seu
ponto de vista. Nenhum tipo de atividade humana a não ser a de seu
equivalente esportivo, o árbitro de futebol é tão suscetível
de provocar críticas e ressentimentos. Daí a orientação
anterior, dos tribunais, de só abrir sindicâncias contra magistrados
quando a denúncia era assinada "há que se exigir um mínimo
de responsabilidade no denunciante", pensavam as corregedorias , norma
que seria o caso de se rever porque o medo de represálias inibe a fiscalização
por parte da população.
O pecado do silêncio e a necessidade da estridência.
Alguém pode argumentar que, no caso brasileiro, se a culpa pela lentidão
não é dos juízes, como agora alegado, mas de outros Poderes
do Executivo, que nega as verbas necessárias, e do Legislativo, que
não elabora leis mais inteligentes e eficazes , caberia aos magistrados
exigir dos demais Poderes incisivamente e até com alarde , que cumprissem
seu papel porque, afinal diria esse "alguém", insistindo
na metáfora , cabe ao motorista informar ao "patrão"
o povo brasileiro , o que deve ser consertado no veículo que lhe cabe
dirigir. Se o "chofer" (o juiz), que está em contato diário
com os detalhes, não informa ao "dono" do carro o povo, por
seus representantes quais os defeitos da "máquina", como
o "patrão" poderia adivinhar?
Nesse ponto, o hipotético crítico teria razão, pelo menos
parcial. O Judiciário brasileiro não foi, no passado a partir
da Constituição Federal de 1988, que ampliou direitos e conseqüente
número de demandas , suficientemente insistente, ou mesmo "estridente",
em apontar as falhas de nossa legislação processual no dar resposta
ao desafio de crescimento desmesurado da procura do serviço público
denominado "Justiça". Um fator quantitativo influindo negativamente
no fator qualitativo um Poder crescentemente desrespeitado porque lento demais,
manietado por uma legislação processual anacrônica e até
mesmo ingênua.
A raiz do problema: a sistemática dos recursos processuais
Essa legislação processual chega a ser ingênua por presumir
que todo recurso processual é motivado pelo "anseio de justiça",
quando isso não é verdade. O "anseio" é pela
enorme vantagem econômico-temporal oriunda do simples ato de redigir uma
petição dizendo ter ocorrido um erro no julgamento e pedindo outro
e depois mais outro. A grande maioria dos recursos visa apenas o benefício
financeiro resultante de se jogar para um futuro incerto o cumprimento de uma
obrigação. O retardamento decorre do "gargalo" que se
forma na distribuição dos recursos nos tribunais, quando milhares
de processos chegam quase ao mesmo tempo para exame de um limitado número
de julgadores. E quanto mais difundida a notícia do "gargalo",
maior o número de recursos interpostos porque a demora, no caso, significa
dinheiro não desembolsado. "Time is money", também para
o devedor em juízo. A "torneira de saída" da justiça
(o encerramento e arquivamento dos processos) é muito mais apertada que
a "torneira de entrada"(o ajuizamento das ações). Urge,
portanto, acelerar o fluxo, corrigindo os defeitos das válvulas que controlam
a velocidade da água processual. E a válvula principal, defeituosa,
chama-se recurso judicial. Aliás, são inúmeras das "válvulas"
disponíveis.
As decisões de primeira instância, por mais sobrecarregadas que
estejam as Varas, raramente demoram excessivamente. Vários meses, um
ano, raramente dois? A grande tragédia cronológica começa
com os recursos, notadamente na fase de execução. Até no
dia da praça do bem penhorado quando tudo deveria estar terminado ,
nosso Código de Processo Civil dá oportunidade ao devedor para
o início de um novo calvário para a parte credora: os embargos
à arrematação, com defesa, instrução, agravos,
sentença, embargos de declaração, apelação,
recurso especial e extraordinário. Mesmo o devedor sabendo que vai perder
todos os recursos vale a pena recorrer quando a dívida é muito
alta. O credor pode falecer a qualquer momento, pois não? E falecendo,
no pedido de habilitação do espólio pode-se encontrar um
detalhe qualquer que dê margem à discussão, exigindo decisão
e possibilitando uma série de recursos contra essa decisão.
Só bem recentemente é que premidos pelo gigantesco represamento
de recursos processuais e gritos da mídia , os magistrados começaram
a cobrar dos demais Poderes as providências que só estes teriam
condições de tomar: elaborar melhores leis leia-se: mais inteligentes;
qualidade, não quantidade e mais recursos financeiros para contratação
de funcionários, juízes, e ampliação da "máquina"
judiciária. Obedientes demais à velha teoria da separação
dos poderes ao Legislativo caberia elaborar as leis e ao Judiciário
decidir os conflitos de interesses os juízes brasileiros apenas vez
por outra, individualmente, escreviam artigos doutrinários ou faziam
curtas observações, em sentenças ou acórdãos,
criticando a falta de praticidade das leis processuais. Achavam que lhes bastava
fazer o que se exigia deles, institucionalmente: julgar as demandas conforme
a legislação em vigor. Mesmo porque mal tinham tempo para dar
conta da enorme massa de trabalho que lhes chegava às mãos diariamente.
E legislar bem não obstante as aparências em contrário
é tarefa extremamente difícil porque significa lidar com um
material imprevisível: o comportamento humano; hoje não só
local mas mundial, tendo em vista a globalização. Leis bem intencionadas
transformam-se, por vezes, em fiasco, "não pegam". "Se
minha sugestão se transformar em lei e não der certo" perguntava-se
o juiz , "como ficará minha reputação intelectual?"
E quando aposentado, já com tempo disponível, presume que sua
opinião perdeu influência, sendo ouvido com respeitoso descaso
pelo legislador, não obstante o elogioso tratamento de "excelência".
O juiz da ativa não sugeria modificações porque não
tinha tempo e pensava que seria pouco ouvido. O aposentado não sugeria
nada porque sentia perda de autoridade.
Se o magistrado aposentado passa a advogar, a expectativa perfeitamente normal
, de lucrar na nova profissão acaba turvando seu ideal de aperfeiçoamento
da Justiça, pois, infelizmente, no Brasil, é extremamente vantajoso,
profissionalmente, utilizar as deficiências processuais legislativas que
alimentam a morosidade. E demora, pura e simples, é o que pretende a
maioria dos clientes. Há, obviamente, mais devedores do que credores
no país. Para cada banco credor há centenas de devedores. Para
não perder o bom cliente espécime cada vez mais raro porque
houve um empobrecimento geral da classe média o advogado precisa atender
ao seu desejo de morosidade, do contrário o cliente simplesmente desaparece,
muda de advogado. E o novo patrono não terá qualquer escrúpulo
de, por exemplo, embargar a execução de um título de crédito
perfeitamente regular, recorrendo sempre contra qualquer decisão porque,
afinal, a obrigação primordial do advogado é defender os
interesses do cliente, utilizando a legislação em vigor. O profissional
sempre poderá se defender da censura moral perguntando, com certa razão:
"O que há de errado em defender o interesse de meu cliente utilizando
a legislação processual disponível? E por que só
eu e meu cliente devemos agir como "santinhos" quando todos os outros
inclusive o poder público , usam e abusam do direito de recorrer?"
Note-se que a intenção protelatória pode, algumas vezes,
ser algo justificada em sentido não processual, claro pelo devedor
e seu advogado, porque há muitos casos em que o devedor sente-se sinceramente
vítima de governos incompetentes, carga excessiva de tributos, imprevistas
e devastadoras ondas financeiras da globalização, ou cobrança
de empréstimos cobrando juros leoninos. Nestes casos o devedor usa a
protelação processual como uma informal "vingança
compensatória" contra a seu ver , autênticas "extorsões"
legais e contratuais. Se os juros contratuais são gigantescos acordados
pelo devedor em situação de desespero, com um banco, por exemplo
, o devedor procura acreditar que o futuro possa lhe ser mais promissor, talvez
ganhando na loteria.
Pensando assim, instrui seu advogado para "eternizar" a cobrança
judicial. É, como já disse antes, uma espécie de "moratória"
imposta pelo devedor contra seu credor algo parecido com uma "justiça
(financeira) pelas próprias mãos", um "vigilante"
em causa própria, utilizando o Judiciário para punir o "criminoso".
E o Judiciário é obrigado a processar essa distorção,
lendo longas petições cheias de "conversas moles" ou
considerações sociológicas que, mesmo justas, não
podem invalidar o convencionado em contrato. Os recursos são processados
porque estão previstos em lei, devendo ser lidos e julgados.
Também os devedores mal-intencionados usam e abusam no aproveitamento
da inocência da lei processual. O dono de um importante empresa queixava-se,
em entrevista a uma jornalista, algum tempo atrás, que alguns concorrentes
estavam simplesmente deixando de recolher o ICMS (Imposto sobre Circulação
de Mercadorias e Serviços). Com isso podiam vender seus produtos por
menor preço. E sem grandes riscos acrescentamos nós porque
não é crime tributário simplesmente dever ao fisco. Exigindo,
o grande contribuinte (teoricamente falando, porque não contribui, ou
o faz com doentia lentidão), de seu advogado, que "estique",
em juízo, por muitos anos, a cobrança fiscal, a vantagem financeira
decorrente é compensadora, mesmo considerando a multa que terá
de pagar vários anos depois. Dispensando-se de recolher impostos, vendendo
mais que os concorrentes cumpridores de seu dever, os devedores voluntariamente
relapsos podem chegar a uma posição privilegiada no mercado. Todos
esses fatores multa, correção, juros, despesas com advogado,
etc. são avaliados, antes de cada recurso processual, ocupando o manuseio
da máquina de calcular um papel muito mais saliente que o folhear dos
códigos.
Essa tática do contribuinte de retardar o pagamento de impostos, ainda
é estimulada pela perspectiva de que os governos, desesperados, necessitando
urgentemente de dinheiro e sabendo que a cobrança judicial vai demorar,
acabe concedendo um programa de refinanciamento de dívidas fiscais qualquer,
com perdão parcial da dívida. Aí o grande devedor ingressa
nesse programa, mas algum tempo depois talvez decida descumprir o acordo celebrado
porque sabe que o descumprimento dele implica no retorno da cobrança
ao emperrado e congestionado processo judicial. A água volta ao mesmo
rio represado. Em suma, é quase sempre lucrativo dever, no Brasil, desde
que o devedor tenha um mínimo de recursos para contratar um advogado.
Já dever aos bancos é mais perigoso porque um dia, embora longínqüo
o processo pode terminar, mostrando um débito impagável.
Os advogados e a morosidade do Judiciário
Friso, aqui, que não pretende-se censurar moralmente o advogado brasileiro.
É o "sistema" que está errado, "poluído";
não o profissional que, mesmo não sabendo disso agora, acabará
se tornando uma vítima dessa "poluição", quando
os credores desanimarem de os contratar. Somente ua nova e realista "mecânica"
processual é que pode corrigir a distorção. Por que, pergunta-se
o advogado "x", deve ele ser censurado por recorrer para ganhar tempo,
beneficiando seu cliente que pode até ser uma excelente pessoa, moralmente
correta, vítima de fatores adversos da economia , quando todos os outros
demandantes, inclusive o governo, fazem o mesmo? Mesmo que ele, no íntimo,
seja um profissional de elevado conduta profissional, dificilmente deixará
de atender ao pedido de seu cliente em dificuldade financeira, às vezes
um amigo.
Cumpre, assim, doravante, instituir, com nova sistemática recursal, uma
mecânica que induza economicamente o devedor usando a mesmíssima
maquininha de calcular a postular com seriedade. Nada de modificações
processuais com introdução de "chicotes" punitivos contra
o advogado, ou carrancas "moralistas", como tem sido uma tendência
bem recente. A necessidade de sobreviver profissionalmente, a macroeconomia
ingrata, as exigências do "mercado"(leia-se: clientela) e, por
vezes, o reconhecimento de que o cliente está sendo contratualmente,
"legalmente" espoliado, obrigam os profissionais a peticionar usando
a legislação em vigor, inclusive as suas falhas. É fácil,
para os juízes que têm um ganho mensal certo do Estado , exigir
dos advogados uma pureza absoluta em termos de recursos processuais, a renúncia
do ganho profissional, quando o procurador sabe que não adianta agir
como anjo quando outros colegas atenderão o pedido do cliente dispensado
por querer protelar. É preciso, insista-se, modificar o "sistema",
usando estímulos econômicos dirigidos às partes, não
a seus procuradores. Estes, repita-se, têm que fazer o que pede o cliente,
se o pedido está autorizado por lei.
Alguém poderá lembrar que todos os advogados certamente estão
ansiosos por essa mudança de sistemática dos recursos, interessados
numa justiça rápida, porque também têm, entre seus
clientes, partes credoras. Nesse ponto, cabe lembrar o que já foi dito
antes: é muito maior o número de clientes devedores do que de
credores. E advogados precisam de mais clientes; não são funcionários
públicos, ganhando do Estado. E quando o cliente é credor a demora
do seu processo também não traz grandes prejuízos ao procurador
porque os escritórios cobram, adiantadamente, do cliente credor, um percentual
do crédito, antes do ajuizamento da ação. Não esperam
para receber no fim, porque os processos custam a terminar. E não é
rara a cobrança, pelo escritório, de uma espécie de "taxa
de acompanhamento" mensal, porque, afinal, os processos demoram demais.
Assim, não perdem nunca, com o atual sistema. Em suma, pode-se dizer
que, no geral, a morosidade dos processos não afeta, necessariamente,
significativa parcela dos advogados. Daí a desmotivação
da OAB nacional para "endurecer" a sistemática dos recursos
processuais.
Uma certa parcela de profissionais, porém, gostaria que a Justiça
fosse mais célere, que os recursos fossem utilizados apenas para sua
finalidade "normal", a de corrigir a injustiça da decisão
anterior; não como instrumento usual de protelação, como
ocorre no Brasil. Muitos advogados sentem-se constrangidos quando têm
que explicar, aos seus clientes credores, que não têm o mínimo
prognóstico quanto ao término do processo. E há mais: instituições
credoras estão crescentemente optando por dispensar os serviços
de advogados, preferindo fazer um acordo, modesto, diretamente com o devedor,
que também acaba dispensando seu advogado porque a proposta do credor
foi muito vantajosa e não há mais motivo para gasto com o profissional.
A longo prazo, a demora sistemática, ensejada pelos "gargalos"
nos tribunais, acabará se transformando, profissionalmente, em um tiro
pela culatra.
O comportamento processual do Poder Público.
Freqüentemente ministros dos Tribunais Superiores argumentam que o Poder
Público é o maior procrastinador de demandas judiciais. Mas o
Executivo pode se defender alegando que, na área fiscal e previdenciária,
sofre tremendamente nas mãos dos devedores, que recorrem interminavelmente.
Pode argumentar que paga na mesma moeda o "truque" elementar de retardar
cobranças mediando uma simples petição de recurso, seja
ele bem redigido ou não, porque o que interessa é a demora. Às
vezes um recurso pessimamente redigido talvez voluntariamente tem maior
proveito, em termos de retardamento, do que o recurso bem redigido porque o
relator custa a entender qual é, afinal, a queixa do recorrente.
Pelo que dizem os jornais, grandes devedores de contribuições
previdenciárias devem, na Justiça, valor bem superior a trinta
bilhões de reais. Isso não aconteceria se a lei fosse mais severa,
impondo novos honorários para cada recurso totalmente vencido. O sofrimento
do Poder Público é tanto que perdoa milhares de pequenas dívidas
e concede refinanciamentos fiscais permitindo parcelamentos com prazos que ultrapassam,
por décadas, a vida dos titulares das empresas devedoras. Os refinanciamentos
fiscais são o maior atestado do caos judiciário em que se meteu
o Brasil por falta de previsão e engenho legislativo no lidar com a faceta
quantitativa do fenômeno de distribuir justiça.
O que só a matemática descobre
Parece que a tradicional "aversão à matemática"
dos bacharéis, principalmente aqueles com assento no Congresso Nacional,
dificulta o reconhecimento de que a atual crise do Judiciário é
um fenômeno essencialmente quantitativo, de massa. Critica-se a lentidão
sem atentar para a origem do fenômeno, que não está nas
pessoas, nos magistrados. Está "nos números", como dizia
o professor Delfim Netto. Esses os verdadeiros "culpados" da atual
crise. Os juízes brasileiros são, na grande maioria, competentes,
mesmo porque os concursos de ingresso na carreira são dificílimos.
E são também operosos, pelo menos nos grandes centros. O problema
principal está na quantidade de recursos, com perdão pela insistência.
Há também, claro, uma imensa sobrecarga na primeira instância,
mas como há uma única primeira instância, e "n"
instâncias recursais, a soma destas explica a quase "imortalidade"
de nossas demandas judiciais.
Já que falamos em "matemática", em fatores quantitativos,
e o enfoque é importante na verdade essencial , cabe, agora, um parêntese
para aprofundar ligeiramente o assunto, pedindo licença para novamente
utilizar uma analogia que nos parece útil na formação do
convencimento.
Durante décadas a humanidade fumou, sem perceber que o hábito
causava danos à saúde e aos cofres públicos. A estes, porque
o Estado não pode, simplesmente, recusar ao cidadão, mesmo pobre,
alguma assistência médica quando ele o procura queixando-se de
angina e sintomas de câncer. É preciso aplicar na Saúde
e na Previdência Social verbas imensas para remediar as conseqüências
do fumo.
O cigarro tem uma aparência inocente e dá às mãos
uma ocupação elegante. Não havia porque, no passado, suspeitar
que no tubinho branco havia um inimigo oculto, matando em larga escala embora
muitos anos depois. Afinal, muita gente fumava, e ainda fuma, sem morrer canceroso
ou de enfarte. E o câncer pulmonar pode atacar um não-fumante.
Não obstante, a estatística, veio comprovar um liame que não
estava claramente visível: que o fumo aumenta extraordinariamente o risco
de enfarte e tumores. Os médicos-estatísticos desconheço
quem foi o "detetive" que descobriu o sutil criminoso , corroborando
pesquisas científicas, é que perceberam o que não estava
facilmente aparente: o grande dano, causado pelo fumo, aos indivíduos
e às finanças da nação. Quem diria que aquela "fumacinha"
era tão perigosa...
Da mesma forma devemos encarar o recurso protelatório. O advogado redige
um recurso para ganhar tempo em favor do cliente, um sujeito honesto, simpático
e que apenas quer "um tempo" para equilibrar suas finanças.
Não há porque ter dramas de consciência porque o recurso
está previsto na lei e quando ele, advogado, atua pelo lado do credor,
sofre com igual protelação, arquitetada pela parte contrária.
É só aquele caso, de recorrer para ganhar tempo, ou alguns poucos
outros, no seu escritório. Exagero ficar pensando em conseqüências
macroeconômicas, como se ele fosse um Ministro do Planejamento. Ocorre
que igual procedimento é copiado por centenas de milhares de partes devedoras,
grandes e pequenas, produzindo a quase paralisação do serviço
de distribuição de justiça. Aí a simples quantidade
de petições quase inocentes adquire um outro significado. Surge
a crise desmoralizadora de todo um Poder. Em conclusão: o recurso protelatório
é o "cigarro" do judiciário. O problema, tal como nas
pesquisas dos males do tabaco, se manifesta numericamente e pode assim ser aferido.
Qual o dano, para nosso país, de uma justiça involuntariamente
morosa, além do fato óbvio da indignação da parte
que tem razão, e da desmoralização do Poder Judiciário?
Para começar, juros bancários altíssimos. Os bancos, sabendo
que o seu devedor pode, eventualmente, não pagar o empréstimo
na data marcada e "esticar" a cobrança anos e anos, pagando
no decorrer do processo juros moratórios de 0,5% ou, se aplicado o
novo Código Civil, a taxa Selic exigem, no contrato, juros elevadíssimos.
Uma prova desse liame entre o percentual alto dos juros e a morosidade da justiça
está no fato de os bancos, recentemente, cobrarem juros bem mais baixos
quando o pagamento do empréstimo é descontado no holerite do mutuário,
empregado. Sendo o desconto feito "na fonte", com alta probabilidade
de rápido retorno, os juros baixam significativamente. E quem não
quer, juros mais baixos, que estimulam compras a prazo e o conseqüente
aumento da produção, do emprego e da arrecadação
de tributos, sem aumento das alíquotas? Se todos pagassem seus impostos
se a justiça fosse mais temida , essa maior arrecadação
poderia resultar em diminuição nas alíquotas de todos os
impostos.
Ainda não foi exaustivamente estudada, pelos economistas, a relação
entre justiça lenta (involuntariamente lenta, insisto) e estagnação
econômica. Há uma estreita ligação entre a riqueza
de um país e uma justiça rápida e eficaz. Os vasos são
comunicantes. Só que, no Brasil, essa comunicação está
visivelmente "entupida", bloqueada psicologicamente pela falsa "especialização".
A maioria dos economistas acha que não deve "palpitar" na área
da Justiça porque "não é do ramo". E o jurista,
com poucas exceções, também pensa que não deve "invadir
a seara alheia". Mas ambos estão errados na delimitação
rígida do terreno em que atuam. É preciso atentar para a forte
motivação econômica que está por baixo, pulsando,
em cada petição despachada no fórum. Como já disse,
a máquina de calcular é muito mais consultada que as normas processuais.
O que pesa, na cabeça da parte devedora, é a relação
custo/benefício.
Voltando ao problema dos juros, agora sob o ângulo dos empréstimos
internacionais, é sabido que pagamos juros variáveis, conforme
a "nota" que recebe nosso país nas "avaliações
de riscos", feitas por agências internacionais, consultadas pelos
grandes investidores. Entre os diversos itens cada um com um peso específico
, que compõem a "nota" final do país avaliado solidez
institucional, estabilidade econômica, credibilidade do governo, etc.,
está o grau de independência, rapidez e eficácia do poder
judiciário local. Tentei saber, por via eletrônica, de alguns articulistas
econômicos da imprensa diária, qual, exatamente, o "peso"
do item "justiça" na composição da "nota"
de avaliação de risco das agências, mas não obtive
êxito. Talvez não soubessem, por isso silenciando. De qualquer
forma, o fator "eficácia e rapidez" da justiça tem indubitavelmente
um peso considerável na avaliação do "risco Brasil".
Os credores internacionais, com base na nota má ou com o pretexto da
nota baixa , elevam os juros nos empréstimos feitos ao Brasil, quer
para o governo, quer para os particulares. O resultado é um grande prejuízo
à economia do país, obrigando o governo a pagar juros altos aos
credores internacionais, em lugar de aplicar mais recursos na área social
inclusive na Justiça ou reduzindo tributos, o que incentivaria o
consumo e diminuiria o número de réus na justiça cível
e até mesmo na criminal, porque o desemprego é um nutriente
da criminalidade dos pobres. Mas o credor internacional pode defender sua exigência
de juros altos alegando que um vultoso empréstimo feito a um particular,
mesmo com as maiores garantias legais uma hipoteca, por exemplo pode demorar
vários anos para ser pago. Fosse a nossa legislação processual
menos ingênua no encarar a motivação dos recursos, nosso
endividamento, como país, teria um custo bem menor. Espero que estas
considerações despertem a atenção das autoridades,
inclusive as da área econômica. "Mexam na lei, não
nos juízes!", seria o caso de se gritar, em termos de Reforma do
Judiciário.
Ainda explorando a estreita relação da economia com a Justiça
vale a pena lembrar que os Estados Unidos da América do Norte empobreceram
consideravelmente com a Guerra de Secessão. Para estimular, findas as
hostilidades, o crescimento da economia, o que fez a Suprema Corte norte-americana?
Sabe-se que ela decidiu "prestigiar os contratos", sem o que a economia
não cresceria. E como os americanos prestigiaram os contratos? Imprimindo
à justiça deles uma "dureza", uma severidade "prática"
às vezes até exagerada que nos causa espanto. Causa espanto,
mas explica, em grande parte, o imenso poder econômico daquele país,
pois não se pode negar que a justiça americana contribuiu enormemente
para o progresso e riqueza do país. E é o caso de nos perguntarmos:
o que queremos para o Brasil, em termos de justiça? Uma sucessão
enorme de "laboratórios" (tribunais) perseguindo, em sucessivos
exames minuciosos, a fórmula perfeita da "justiça absoluta"
o que redunda em injustiça, só pela demora , ou uma justiça
mais rápida e previsível? Penso que a segunda opção
é a preferida pelo povo brasileiro, que quer mais riqueza, emprego e
menos lentidão e "vai e vem" nas decisões.
Dirá o leitor que nossa legislação material também
prestigia os contratos, prevendo sanções para o seu descumprimento.
Isso é verdade, mas só no plano teórico, porque se a parte
inocente, no contrato violado, vai aos tribunais, pedindo reparação,
a demora ensejada pelos sucessivos recursos acaba enfraquecendo a garantia
dada pelo direito material. E isso causa um dano tremendo ao país. Paralisa
os negócios. Se um cidadão, por exemplo, vende seu imóvel
a prazo, para comprar outro, também a prazo, corre o risco de perder
o imóvel que compromissou comprar, e as prestações que
pagou, porque o comprador de seu imóvel pode cessar o pagamento das prestações
e "esticar" o processo por vários anos.
Uma comparação com um sistema mais rígido
Mencionei, atrás, a severidade às vezes até excessiva
da justiça norte-americana. Basta ver como ocorrem os despejos por
falta de pagamento de aluguéis. As cinqüenta legislações
estaduais são bastante duras e, de modo geral, o inquilino inadimplente
não tem muita chance de "esticar" a discussão do débito
na justiça. Marcado o dia para sair, se ele não sai o agente da
lei arroba a porta do imóvel e os móveis são colocados
na calçada. Brutalidade? Talvez. Mas, em compensação, os
locadores não temem alugar seus imóveis a estranhos. Sabem que
se este não pagar, sai logo. Já no Brasil os imóveis ficam
vazios por meses, ou anos, porque o locador é obrigado a exigir fiador
do futuro inquilino. E quem quer ser fiador? Mesmo a lei do inquilinato prevendo
o depósito de uma caução de três aluguéis,
como garantia de pagamento, as administradoras do imóvel não aceitam
essa garantia porque sabem que o inquilino inadimplente pode, querendo, retardar
por muitos meses, talvez um ano, o despejo. Com isso, milhares de apartamentos
ficam vazios por longos períodos e desaparece o incentivo para a construção
de imóveis para locação. A "bondade" da lei,
dando chances para meses e meses de demora, acaba gerando a latente "maldade"
de menos emprego na construção civil, venda de material de construção,
geração de tributos etc.
Maior, ainda, a rigidez da justiça americana no encarar os recursos.
Chega a ser inacreditável para nós. Nas condenações
ao pagamento de dinheiro, o devedor só pode apelar da sentença
depositando o valor da condenação. Se não dispõe
dessa verba pode contratar uma entidade financeira, que fará uma caução,
mas, antes de apresentá-la, a financeira se garante com os bens do devedor
apelante. Se este perde o recurso, ela fica com os bens. De modo geral são
cinqüenta legislações , parece ser esse o esquema. Resultado:
o devedor só apela, nesses casos, quando se sente injustiçado
e conta com uma boa probabilidade de ganhar a demanda na instância superior.
Inconveniente, no caso, apelar só para ganhar tempo.
Ampliação dos Tribunais?
Já que o número de julgadores, nos Tribunais de Apelação
e nos Tribunais Superiores, é insuficiente, pergunta-se: não seria
o caso ampliá-los extraordinariamente, acabando com o represamento?
Não. Essa seria uma solução primária e dispendiosa,
inadequada a um país em desenvolvimento. Nem mesmo um país rico
como os EUA adota essa solução. O judiciário brasileiro,
como qualquer outro, se racional, deve ser simbolizado, geometricamente, por
uma pirâmide: alguns milhares de juízes na base (primeira instância),
uma ou duas centenas no meio da pirâmide (tribunais de apelação)
e umas poucas dezenas no vértice (STJ e STF). Não pode ser o nosso
"cilindro", em que todos os processos podem subir em grau de recurso,
até o "ápice", como ocorre atualmente. Se não
sobe, por exemplo, como recurso extraordinário, sobe como agravo de instrumento
interposto contra a decisão do tribunal local que negou seguimento ao
recurso especial ou extraordinário. Se os tribunais se tornassem gigantesco
acabariam, depois de alguns anos, às moscas, porque não mais havendo
represamento, "gargalos", nos tribunais, os devedores deixariam de
recorrer com a freqüência atual, pois obteriam protelação
mínima. Muito trabalho do recorrente para pouco resultado, em termos
de demora. O recurso seria julgado rapidamente. Aí, qual a vantagem de
recorrer? E, vale insistir, não se pode deixar de mencionar aqui as enormes
despesas com gigantescos tribunais, algo impensável em um país
em desenvolvimento. Os tribunais americanos contam com relativamente reduzido
número de julgadores, não obstante o gosto do americano por julgamentos.
A inadequação da "litigância de má-fé"
Há quem argumente que já temos "basta aplicar!"
na nossa legislação, um mecanismo suficientemente forte para inibir
a protelação, via recursos, não havendo, portanto, necessidade
de "inovações". Argumenta-se com a "litigância
de má-fé", que autoriza a imposição de sanções
"pesadíssimas"... muito, 1% do valor da causa... , mais
os prejuízos (comprovados), do art. 18 do CPC (Código de Processo
Civil), resultantes da protelação. E o advogado público
está agora, graças a alterações do CPC, com seu
pescoço sob a guilhotina (art. 14 do CPC), tendo em vista o perigo de
arcar pessoalmente, com a multa de 20% do valor da causa, além de possíveis
sanções criminais, caso o julgador entenda que ele, advogado,
postulou contra o direito.
O caminho não é este. Está errado, injusto e pouco prático!
Vamos examinar o que ocorre. Inicialmente, não é da natureza do
magistrado brasileiro escrever, a torto e a direito, em sentenças e acórdãos,
que a parte (leia-se o advogado) é um "litigante de má-fé".
A nomenclatura exigível para a reprimenda judicial é pesada, grosseira,
ofende tanto a parte quanto seu advogado, que, muitas vezes, apenas atendeu
a vontade de um cliente, devedor. que pode estar vivendo um drama pessoal resultante
de uma má conjuntura. Se os tribunais brasileiros começassem a
rotular de "litigante de má-fé" a todos os recorrentes
devedores que obviamente não têm razão, os estudiosos estrangeiros
de nossa Justiça passariam a dizer que no Brasil a grande maioria dos
advogados seria portadora de mau caráter. Um desprestígio para
o país.
Além disso, há um certo subjetivismo nessa rotulação
"má-fé" porque, por vezes, o advogado ganha um recurso
quando esperava perder, e vice-versa. A grosseria da expressão legal,
como já disse, exerce um forte papel inibidor na aplicação
generalizada da "litigância de má-fé" pelos juízes,
e por isso tem sido pouco utilizada. E se fosse largamente utilizada envenenando
o relacionamento entre magistrados e advogados , aí estaria uma nova
e excelente motivação para o advogado do devedor esticar ainda
mais o processo. O advogado atingido pela pecha, ferido em seu brio, sentir-se-ia
autorizado ("quem cala, consente") a percorrer todas as instâncias,
até o STF, só para tentar cancelar a rotulação.
A finalidade de abreviar a duração dos processos ficaria neutralizada.
E tem mais. Além do ridículo percentual de 1% do art. 18 do CPC,
previsto como multa, a apuração do "prejuízo",
sofrido pela parte prejudicada, com a demora, ensejará infindáveis
discussões e recursos. Toda decisão que quantificar o prejuízo
pela demora será objeto de razoável recurso. Enfim, não
é nada prática a legislação atual. Até propicia
uma maior demora dos processos.
Por sua vez, o art. 14 do CPC, ameaçando gravemente os advogados públicos
com sanções patrimoniais até 20% do valor da causa
e até mesmo acenando com sanções criminais, só vai
trazer problemas para a administração. Será arriscado demais,
para qualquer advogado, doravante se mantida a atual "guilhotina"
, trabalhar no serviço público, porque em um único processo,
defendendo os interesses, não seus mas do governo, pode perder todo o
seu patrimônio pessoal e ainda ser processado criminalmente. Note-se que
o advogado público segue a orientação do governo para o
qual trabalha. Se o seu chefe ordena que recorra, o que pode fazer o advogado?
Recusar a ordem e demitir-se para não correr o risco de ser eventualmente
punido pelo juiz, com o pagamento de até 20% do valor da causa? Esta
pode ser de milhões de reais. Além do mais, em certos casos pode
haver uma zona cinzenta na configuração do direito, o que trará
uma dúvida cruel entre a decisão de recorrer, ou não, contra
a decisão. O patrimônio do angustiado e insone advogado público
vai depender dos humores do julgador.
Essa solução legal, atual, é injusta e pouco inteligente;
não terá futuro. Por outro lado, obviamente, não é
possível, em um país como o Brasil, com uma média salarial
tão baixa, adotar sistemática semelhante à vigente nos
EUA para todos os casos de condenação em dinheiro (com exigência
do depósito para apelar). Talvez isso seja possível em condenações
até 50(cinqüenta) ou 60 (sessenta) salários mínimos;
não nas condenações muito altas, de centenas de milhares
de reais. Notadamente nas ações de indenização de
dano moral, em que os juízes brasileiros ainda tateiam procurando de
um ponto de equilíbrio entre ridículas ou exageradas indenizações.
Nesse item como um parêntese, a mostrar que nenhuma justiça é
perfeita o juiz norte-americano exagera nos valores. Obviamente, visando "punir"
o infrator cível, para que não volte a incidir no erro, mas involuntariamente
incentivando a indústria de altas indenizações, fator que
leva o jovem americano a optar pelo estudo do Direito só "para ficar
rico".O tema, porém foge aos objetivos deste artigo.
Conciliação e arbitramento ainda sem espaço
Pensou-se, no Brasil, na última década, em agilizar a justiça
cível estimulando as formas alternativas de resolução de
disputas. Até foi elaborada um diploma a respeito, a Lei 9.307/96, bem
redigida mas relativamente pouco utilizada. Isso porque nenhum devedor quando
sabe perfeitamente que o é , vai optar por uma solução
privada, essencialmente rápida, quando dispõe do processo estatal
que assegura o direito de inúmeros recursos, praticamente sem ônus
financeiro. Somente partes que negociam há anos, e querem continuar negociando
estando ambos de boa-fé , é que aceitam a solução
do arbitramento. Este floresceu nos EUA justamente porque ali a sistemática
dos recursos é severa, com a mencionada exigência do depósito
para recorrer. Se nossa legislação "endurecer" com os
recursos aí provavelmente passarão os advogados a serem procurados,
em larga medida, pelos litigantes. Do jeito que está, há pouco
espaço (procura) para as soluções alternativas, as tais
ADR (Alternative Dispute Resolutions).
A "súmula vinculante" e suas limitações
Deposita-se muita fé, atualmente, na "súmula vinculante".
Terá utilidade no que se refere a questões fiscais, previdenciárias
e outras relacionadas com a administração pública. Mas
não vai impedir a protelação na dívida entre particulares,
nas cobranças de títulos, indenizações por ato ilícito
e por quebra de contrato. Não dá para "sumular" tais
assuntos, a não ser dizendo, vagamente, que cada um deve pagar o que
deve, algo que todos sabem.
Mesmo nas questões tributárias, previdenciárias e outras,
entre o particular e a administração pública, a "súmula
vinculante" corre o perigo de ter limitada eficácia, em termos de
coibir o retardamento. A parte interessada em demorar pode alegar que "naquele
caso" a súmula não se aplica porque há um detalhe
novo, "x" ou "y", não mencionado na "súmula".
O Cartório não pode decidir a respeito. A decisão terá
que se proferida pelo juiz. Se o juiz decide contra o protelador, este recorre.
O juiz não pode se recusar a despachar aquela petição de
recurso, ou rasgá-la. Muito menos o cartório. O juiz profere um
despacho, dizendo que a matéria está, sim, sumulada, e nega o
envio do recurso ao tribunal. O protelador agrava de instrumento insistindo
que seus argumentos fogem da matéria sumulada. A secretaria do tribunal
recorrido não pode decidir como se juiz fosse. E o processo vai engordar
a longa massa de processos aguardando distribuição. E nesse ritmo
o interessado na demora pode chegar até o STF, perdendo sempre, mas "ganhando"
nos efeitos econômicos decorrentes da longa demora, pagando juros baratos.
A "súmula vinculante" tem também o defeito de cristalizar
a interpretação do Direito. Ela não pode ser alterada,
mesmo que o legislador diga que pode. Não pode ser alterada por impossibilidade
física. Isso porque, não sendo admitida apelação
contra sentença que obedeceu à súmula, como a discussão
vai poder chegar ao julgamento no STF? A "súmula vinculante"
foi concebida para impedir a subida dos recursos discutindo matéria já
assentada. Se o recurso não pode subir, repita-se, como vai poder ser
modificada? A solução inteligente seria a "súmula
impeditiva". A "súmula vinculante" só será
útil como ordem para que a administração pública
não peticione contra algo já assentado. Em termos de protelação,
visada pelo particular, vejo pouco futuro nessa idéia. E choverão
"reclamações" uma espécie de recurso no STF,
congestionando o Tribunal, insistindo que "naquele caso" a matéria
não se enquadraria na "súmula".
A informática: útil, mas não julga
Fala-se, ainda, em informatizar a nossa Justiça. Ótimo, pois trará
alguma diminuição na demora. Todavia não será a
informatização que impedirá o recurso protelatório.
E o computador por enquanto, no nosso estágio civilizatório
, não vai poder julgar os milhares de recursos aguardando decisão
nos tribunais.
Francisco César Pinheiro Rodríguez
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