A regra, no estado de Direito, é a atribuição da competência legislativa (legiferante) aos parlamentos, cabendo ao Poder Executivo a efetivação administrativa da norma e ao Judiciário sua aplicação contenciosa aos casos concretos. Os Poderes Constituídos, distintos (MONTESQUIEU- Separação dos Poderes), atuam harmonicamente, no sentido de realizar o regime consagrado no texto constitucional, pelo Poder Constituinte Originário. O princípio da supremacia constitucional, o da legalidade (ninguém será obrigado a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei) e o do judiciarismo (a lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão de direito individual) têm como consectário natural a atribuição, ao Poder Judiciário, da competência para apreciar a regularidade das leis em face da Constituição (controle jurisdicional de constitucionalidade). O juiz ou tribunal deixará de aplicar, conseqüentemente, ao caso concreto, a lei (sentido amplo) que conflite com a Constituição e declarada, definitivamente, a inconstitucionalidade da lei ou do ato do poder público (em nosso sistema), pelo Supremo Tribunal Federal, caberá ao Senado Federal suspender sua execução.
Esses princípios tradicionais, resultantes das reivindicações populares e das conquistas democráticas, com raízes profundas na história constitucional britânica, desde a Magna Carta, de 1215, definitivamente consagrados pela Revolução Francesa e pela prática constitucional norte-americana, são hoje quase universais e familiares a todos os estudiosos do Direito. Não podemos olvidar, contudo, que uma série de fatores concorre, hoje, para obrigar o exegeta a um redobrado cuidado na aplicação desses princípios basilares. Dentre esses fatores, cumpre salientar a recente destruição do sistema e - o que é pior - do espírito jurídico.
Deve, portanto, o intérprete do texto constitucional, embora reverenciando as lições pertinentes à excelência desses princípios fundamentais do ordenamento jurídico, hauridas ao longo dos cursos acadêmicos, considerar que a Constituição efetivamente em vigor no Brasil resulta de um regime excepcional, criado ao arrepio dos mais comezinhos princípios do Direito tradicional, embora perfeitamente justificado pela conjuntura.
A respeito da dúvida que grassa nos meios jurídicos e políticos nacionais, concernentemente aos prazos para a desincompatibilização objeto do art. 151 da Constituição Federal, da Lei Complementar nº 5/71 e do Decreto-lei nº 1542/77, concluímos, em estudos anteriores, pela vigência do Decreto-lei nº 1542/77, porque fundado no Ato Institucional nº 5/68.
Há quem afirme, porém, que o referido Decreto-lei é inconstitucional, porque conflita com o art. 151 da Constituição Federal e que, conseqüentemente, será de seis meses o prazo para a desincompatibilização, o que, a nosso ver, pode resultar de aspirações políticas, mas não espelha, face ao vigente ordenamento constitucional (s.m.j.), a verdade jurídica. Respeitamos as opiniões contrárias, mas continuaremos a pugnar pela nossa tese, de que os prazos de três meses, fixados pelo Decreto-lei nº 1542/77, estão em vigor, até que nos apresentem razões JURÍDICAS plausíveis, que nos levem a modificar nosso entendimento.
Repetimos, ao ensejo, a advertência constante de trabalhos anteriores: limitar-nos-emos a enfocar o tema sob seu aspecto estritamente jurídico, considerando tão-somente o Direito positivo ("de jure condito", "de jure constituto") e evitando quaisquer considerações pertinentes às suas implicações políticas ou morais e quaisquer sugestões para a reforma dessas normas ("de jure constituendo").
Portanto, e apenas no intuito de contribuir para o deslinde da questão, propusemo-nos a examinar mais detidamente, neste trabalho, a figura do Decreto-lei, face ao nosso ordenamento constitucional.
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