Um estudo sobre tecnologia e agricultura familiar na Região
Fronteira Noroeste
do Estado do Rio Grande do Sul*
O conflito em torno do cultivo da soja transgênica e da soja orgânica marca o debate contemporâneo sobre a reforma agrária no Brasil. Trata-se do acesso a recursos naturais, do direito à terra e à alimentação e, não por último, do poder político diretamente ligado à temática. O aumento da concentração no setor alimentício em nível mundial, a monopolização do complexo agroindustrial e a tendência de ampliação do livre mercado no setor agrícola intensificam a concorrência entre os produtores rurais e colocam em risco a viabilidade dos pequenos agricultores. A existência dos pequenos agricultores como produtores individuais é dificultada pelo uso da transgenia na agricultura na mesma medida em que estes são obrigados a seguir a estratégia das grandes multinacionais do setor agrário, tendo em vista a "silenciosa" contaminação genética que está em curso. A continuidade da assim chamada Revolução Verde aprofunda a dependência, o endividamento e o empobrecimento dos pequenos agricultores, os quais são constantemente pressionados a se adaptar a uma situação sem reais possibilidades de futuro. A exclusão tendencial dos pequenos agricultores do processo produtivo intensifica a concentração da terra, acelera o êxodo rural e aumenta o número de sem-terras (que são, ao mesmo tempo, novos desempregados), uma tendência que contribui fortemente para o crescimento da desigualdade social e, conseqüentemente, da violência no Brasil. É nesse contexto que podemos observar a atual expansão da soja transgênica[1], iniciada desde 1999 através de semente contrabandeada da Argentina nas regiões da fronteira brasileira.
Com a esperança de uma maior produtividade, menor custo, menor necessidade de trabalho e maior facilidade no controle das assim chamadas ervas daninhas através da utilização de herbicida, a soja transgênica resistente ao glifosato vem sendo cultivada em áreas cada vez maiores. A suposta solução ao problema existencial dos agricultores vem acompanhada de uma repetição dos mesmos argumentos utilizados por ocasião da "Revolução Verde", com um elemento qualitativamente novo: como a soja transgênica está patenteada como propriedade intelectual de uma empresa e sua expansão, em função do risco de contaminação de lavouras vizinhas, tende a impedir o cultivo da soja convencional, a dependência dos agricultores em relação às empresas fornecedoras de insumos passa a ser integral, tendo em vista que seu uso passa a estar programado desde o momento da semeadura. Essa situação parece confirmar as prognoses marxianas, de que a agricultura tende a ser completamente dominada pelo capital, se constituindo num mero ramo da indústria (Marx 1967). Na tentativa de se contrapor a essa tendência em curso, vários agricultores iniciaram, desde 1999, precisamente nesta mesma região, o cultivo de soja orgânica, apoiados por uma cooperativa local[2], a única das grandes cooperativas de trigo e soja no Estado do Rio Grande do Sul a se posicionar de forma pública criticamente à soja transgênica no período do contrabando de semente da Argentina.
É esse debate, baseado na relação existente entre tecnologia e agricultura familiar, que nós escolhemos como temática da presente tese de doutorado. Em forma de estudo de caso investigamos se a soja orgânica constitui uma alternativa para os pequenos agricultores da Região Fronteira Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, diante da expansão da soja trasngênica nesse território delimitado. Para contextualizar nossa delimitação temática é importante esclarecer que o autor é filho de pequenos agricultores, atuou como extensionista rural, vivenciou diretamente a realidade pesquisada e acumulou experiências de vários anos com os agricultores da referida região. Esse envolvimento social do autor com a temática pesquisada entendemos que não deva resultar em prejuízo à objetividade científica e sim servir de enriquecimento para a abordagem realizada. Ao partir da própria experiência prática e profissional, entretanto, o autor tenderá a abordar muitos problemas na perspectiva dos agricultores envolvidos. Por outro lado, essa proximidade da problemática abordada pode permitir ao autor a compreensão de particularidades que somente assim podem ser apreendidas em maior profundidade. A distância física do objeto de estudo e a oportunidade de poder viver e estudar em um outro país, o fato de estar confrontado com outra cultura e escrever esse trabalho na Alemanha, tiveram, certamente, uma influência decisiva sobre a forma, o conteúdo e os resultados apresentados. Aqui se trata de um estudo sobre um objeto de pesquisa estreitamente relacionado à vida e à experiência do autor, com o objetivo de, após seu retorno ao Brasil, contribuir para o avanço do conhecimento científico e da prática social na região em estudo.
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