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Enfiteuse, um direito real em vias de extinção (página 2)

Gisele Leite O Estado de Direito e, particularmente o democrático depende

 

No Direito Romano, a enfiteuse era um arrendamento perpétuo realizado pelos municípios e pelas corporações sacerdotais dotando o arrendatário na posse do imóvel e a faculdade de utilizar todos os seus frutos e produtos.
Mais tarde, os glosadores passaram a ver na enfiteuse o desmembramento do direito de propriedade, com a denominação de domínio útil em contraposição à nua- propriedade do senhorio.
No velho Direito Português o negócio jurídico é denominado emprazamento ou prazo de aforamento (a concessão de terras a quem se encarregavam de seu cultivo, mediante pagamento de renda anual).
No Direito romano a enfiteuse é prestação de serviços por parte do concessionário numa influência francamente feudal.
Assim a enfiteuse chegou até o século XVIII como um complexo de privilégios aristocráticos, devendo contudo assinalar-se que os prazos temporários eram mais freqüentes do que os prazos perpétuos por conveniência dos enfiteutas.
Ainda neste século sua utilidade tem sido reconhecida, proporcionando o aproveitamento de terras incultas, a urbanização de áreas próximas aos grandes centro e, no que tem sido mais prestadio, a instalação de núcleos industriais ou cidades em vários pontos do território pátrio.
No Direito francês , a enfiteuse vem sido combatida desde da revolução de 1789 que implantou a abolição da perpetuidade nas leis de Messidor do Ano II e do onze do Brumário no ano VIII.
O Código de Napoleão de 1804 não a contemplou, o que levou a ser considerada como direito pessoal e não como direito real. M,as a jurisprudência opôs-se a esta concepção conservando-lhe todos os antigos caracteres.
No direito alemão anterior ao BGB de 1896 já se conhecia a enfiteuse, o conceito de enfiteuse concebido entre os nossos ilustres civilistas como Lafayette, Teixeira de Freitas, Lacerda de Almeida, Melquíades Picanço, Almáquio Diniz, Clóvis Beviláqua e Eduardo Espínola assenta a enfiteuse como direito real e perpétuo de possuir , usar e gozar da coisa alheia e de emprega-la conforme sua destinação natural sem lhe destruir e depreciar a substância, mediante o pagamento de um foro anual invariável.
Diferentemente dos demais direitos reais que revelam-se parciais e fragmentários, a enfiteuse traduz-se com total amplitude, retirando ao proprietário quase todas as faculdades inerentes ao domínio deixando-lhe poucos resquícios externos.
Pode a enfiteuse ser constituída por contrato ou por testamento e observadas todas as exigências formais relativas a um ou a outro. Há de se inscrever no registro de imóveis, sem o que não se constitui como direito real.
A enfiteuse compõe um complexo transmissível por sucessão hereditária ou por ato entre vivos(alienação). A perpetuidade da enfiteuse constitui uma elementar de sua essência sem o que, não passa de um mero arrendamento.
O Novo Código Civil não mais regula a enfiteuse, substituindo-a pelo direito de superfície. O art. 2.038 do referido diploma legal erige uma ressalva dispondo que fica proibida a constituição de enfiteuses e subenfiteuses, subordinando-se as existentes, até sua extinção, aos princípios do Código Civil Brasileiro de 1916.
O parágrafo segundo do art. 2.030 do novo codex civil ainda se refere à enfiteuse dos terrenos de marinha que continuará sendo disciplinado por lei especial.
Não cabe no direito pátrio ajustar-se por prazo certo, ainda que longo, ou por vida ou vidas como o Alvará de 3 de novembro de 1759 instituía, ou ainda, como o direito francês (impondo necessariamente a temporariedade).
Também é a enfiteuse indivisível em benefício do senhorio direto pois o vínculo enfitêutico não se fraciona na hipótese na passagem a diversos foreiros (independente do tipo de transmissão).
Não é a indivisibilidade atributo exclusivo da enfiteuse. Poderá o senhorio direto anuir quando À relação enfitêutica cindir-se-á em tantos quantos os interessados, formando cada gleba um prazo distinto(Art. 690, §2 ºCC).
Os consortes deverão eleger um cabecel que os represente perante o senhorio direto e na omissão deles devolve-se tal faculdade de escolher dentre os co-foreiros.
O cabecel eleito com a observância das prescrições processuais possui legitimação ativa e passiva para todas as questões(690CC), cabendo inclusive ação regressiva contra os demais foreiros na proporção de suas respectivas quotas.
Somente pode constituir enfiteuse o proprietário do imóvel quer seja pessoa física ou jurídica e como modalidade de alienação pressupõe a livre disposição dos bens, exige igualmente a outorga do outro cônjuge.
Não confundir a enfiteuse com o imóvel sobre o qual incide pois o primeiro corresponde a um direito real incorpóreo sobre a coisa alheia (ius in re aliena) e se distingue do bem ou da coisa corpórea a que adere.
A enfiteuse é um quase-domínio que foi abolido pelo novo codex civil, substituindo-a pelo direito de superfície porque o novo instituto estabelece melhor utilização da coisa.
É direito real de fruição ou de gozo sobre coisa alheia, e surgiu de necessidade de se permitir a edificação sobre bens públicos, permanecendo o solo no poder do Estado.
O direito de superfície pode ser temporário ou perpétuo. Contudo, o direito pátrio só admitiu a modalidade com tempo determinado.
O direito de superfície é regulado pelo art. 1.369 do NCC e não autoriza obra no subsolo, salvo se for inerente ao objeto da concessão.
O superficiário tem direito de construir ou plantar e responderá pelos encargos e tributos que incidirem sobre o referido imóvel (art. 1.371 NCC).
O proprietário denominado doravante de concedente ou fundeiro tem a expectativa de receber a coisa com a obra ou plantação. Extinta a concessão, restaura-se a propriedade plena sobre o terreno, construção ou plantação, independentemente da indenização, se as partes não houverem estipulado o contrário.
Pode o direito de superfície transferir-se a terceiros e, por morte do superficiário, aos seus herdeiros.
Não poderá ser estipulado pelo concedente,a nenhum título qualquer pagamento de transferência (Art. 1.372 parágrafo único do NCC). O direito de superfície constituído por pessoa jurídica de direito público interno rege-se pelo Código Civil e, no que não for diversamente regido por lei especial ( art. 1.377 NCC).
Com o advento do art. 2.030 NCC das disposições finais e transitórias ficando defeso cobrar laudêmio ou prestação análoga nas transmissões do bem aforado, sobre o valor das construções ou plantações bem como subenfiteuse (parágrafo primeiro, I e II).
Continuam os terrenos de marinha por esta razão a serem regulados normalmente portanto pela lei especial (parágrafo segundo).
Na hipótese de alienação do imóvel ou do direito de superfície tanto o superficiário como o proprietário, em igualdade de condições tem o direito de preferência (art.1.373NCC). Se o imóvel for desapropriado a indenização cabe ao proprietário e ao superficiário, no valor correspondente ao direito real de cada um (Art. 1.376).
A lei refere-se a domínio útil (enfiteuta) e a domínio direto (senhorio) por mero apego à tradição. Não há como divisar na enfiteuse os domínios que corresponde ao desdobramento decorrente de um único direito real de propriedade.
O direito de superfície é instituto de origem exclusivamente romana e visa permitir a construção sobre os solos alheios e, sobretudo de bens públicos. Foi utilizado francamente com o intuito de povoar e civilizar as terras adquiridas nas conquistas romanas.
No entanto, sob a acepção romana, o direito de superfície somente era atribuído a construções, não se coadunando às plantações em terreno alheio.
Repudiou o Código Civil Francês pois era encarado como forma de manutenção da propriedade feudal, até pela sua terminologia.
O direito de superfície foi introduzido na legislação lusitana através de uma lei de 1948, e no dizer de Oliveira Ascensão "é direito de ter a coisa incorporada em terreno alheio, pode ter como contrapartida uma prestação única ou prestação anual, perpétua ou temporária".
O objetivo é mais amplo do que na enfiteuse brasileira, permitindo a melhor utilização da coisa. O proprietário do solo mantém a substância da coisa, pertencendo-lhe o solo, no qual pode ter interesse de exploração ou utilização do que dele for retirado (extração mineral, por exemplo).
Tem esse proprietário, denominado doravante de fundeiro, a fruição de solo e, do próprio terreno enquanto não iniciada a obra ou a plantação pelo direito lusitano.
O superficiário tem o direito de construir ou plantar. O fundeiro tem também a expectativa de receber a coisa com a obra, se o instituto é temporário.
Assume assim o superficiário a posse direta da coisa, cabendo ao proprietário tão-só a posse indireta.
O proprietário não pode turbar a posse do superficiário. É direito de propriedade do solo há o direito de plantar ou edificar, o direito de implante. Há o direito ao cânon ou foro ou pagamento, se a concessão for onerosa, mas poderá ser graciosa.
Há que se destacar a propriedade da obra, que cabe ao superficiário, cabe também a expectativa de aquisição pelo fundeiro e o direito de preferência atribuído ao proprietário ou o superficiário.
Com a abolição da enfiteuse, há a substituição do direito de superfície gratuito ou oneroso(art. 1.369 a 1.377NCC) estabelecendo por prazo determinado.
É proibida a modalidade perpétua de prazo, e prazo indeterminado não significa perpetuidade. Apresenta inegáveis vantagens sobre a enfiteuse, embora extremamente análoga a este.
Permite a lei que o proprietário atribua a alguém a conservação de seu imóvel, por prazo determinado, mais ou menos longo, sem que o proprietário tenha o encargo de explora-lo pessoalmente ou mantenha ali constante vigilância contra a cupidez de terceiros.
Pode tanto servir a concessão para construir como para plantar, não menciona o direito correlato como o Direito Português, qual seja, o de manter no local as plantações ou construções já existentes.
Pela natureza do instituto segundo Silvio Venosa parece inafastável não havendo razão para a restrição que desempenha relevante função social.
Dá-se o nome de implante à obra ou plantação que decorre do direito de superfície.O contrato que lhe dá origem gera apenas efeitos pessoais entre os contratantes.A eficácia do direito real é obtida somente mediante o registro imobiliário.
A lei brasileira a guisa do direito português não abriu a possibilidade de o testamento instituir a concessão assim como também não se refere à possível aquisição do direito de superfície por usucapião.
O Estatuto da Cidade ( Lei 10.257/2001) também disciplina o direito de superfície nos arts. 21 e 23 e dirige-se exclusivamente aos imóveis urbanos. Assim o novo codex civil aplicar-se-á aos imóveis rurais.
De qualquer forma, quando o direito de superfície for por prazo indeterminado devem as partes se acautelar prevendo prazo razoável para a denúncia vazia.
O superficiário em face de denúncia imotivada terá direito à retenção por benfeitorias e acessões até a satisfação da indenização salvo se ocorrer devido ao descumprimento contratual.
Pelo Estatuto da Cidade tal direito abrange também o direito de usar o solo, subsolo e até o espaço aéreo.

 

Gisele Leite

professoragiseleleite[arroba]yahoo.com.br



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